Fazia 22 anos que não chovia numa edição da maratona de Berlim. Fazia. Pois na 38ª, dia 26 de setembro, a chuva não deu trégua aos 40.945 inscritos, de 122 países. Apesar das muitas poças no percurso, alimentada por uma chuva que, para os nossos padrões tropicais, era quase uma garoa, a temperatura esteve ideal e constante, na casa dos 12 graus, tanto que os vencedores fizeram tempos excelentes. O campeão, Patrick Makau, do Quênia, marcou 2:05:08, apenas dois segundos mais rápido do que o seu compatriota Geoffrey Mutai. Em abril deste ano, os dois já haviam feito esta mesma dobradinha de campeão e vice na Maratona de Roterdã, na Holanda. Na ocasião, Makau marcou 2:04:48, o quinto tempo mais rápido da história, com Mutai em 2:04:55, o oitavo da história.
Pelo segundo ano, a feira da maratona foi realizada no aeroporto de Tempelhof, desativado em 2008 e que agora abriga eventos na capital alemã – lá também aconteceu, só que pela primeira vez, a festa de encerramento da maratona, na noite do próprio domingo, onde a grande atração é um vídeo da prova exibido num telão, seguido da premiação dos campeões. Com seus impressionantes hangares, este enorme aeroporto recebeu os aviões da histórica ponte-aérea, que abasteceu a cidade logo depois da Segunda Guerra Mundial, entre junho de 1948 e setembro de 1949. Bastante animada e sortida, a feira oferece de tudo um pouco, inclusive equipamentos para patinadores – a versão inline da maratona, realizada no sábado à tarde, atraiu este ano mais de sete mil inscritos e assisti-la é um programa bem divertido para os corredores. A entrega dos números, no entanto, foi um pouco tumultuada, pois não organizaram filas de acesso. Na base do cada um por si, retirar o kit com número deu certo trabalho, mas nada que comprometesse.
Com a tradicional largada na monumental Strasse des 17 Juni, ampla avenida que corta o Tiergarten, pulmão verde de Berlim, de leste a oeste, os corredores não têm problemas de afunilamento. O acesso às áreas separadas por tempo previsto de finalização, sinalizados por letras, é muito fácil e fluido, sendo feito ao longo das laterais da avenida. Em Berlim, quem não gosta de acordar cedo, como eu, pode se dar ao luxo de chegar na largada poucos minutos antes do tiro de partida. Como em 2009, foi o que fiz. Entrei sem problemas no meu grupo (letra E) e levei apenas 33 segundos para cruzar o pórtico.
Correndo pela terceira vez a prova, aproveitei para curtir as muitas atrações por onde passa o percurso. Logo de cara, antes mesmo do primeiro km, contorna-se a praça onde fica a famosa Siegessäule (Coluna da Vitória), com a estátua dourada, que representa a vitória, no alto de uma coluna de 67 metros. Este belíssimo monumento foi inaugurado em 1873, para comemorar a vitória da Confederação Alemã (que reunia a antiga Prússia e a Áustria) sobre a Dinamarca.
Inicialmente voltado para oeste, o percurso faz uma curva para o norte, cruza a região conhecida como Mitte ("meio", em alemão, pois é a região central da cidade) e começa a tomar o rumo leste, penetrando no antigo território comunista dos tempos do infame Muro de Berlim, símbolo maior da Guerra Fria. Ainda no km 7, passa-se ao lado do Reichstag, o famoso prédio que abriga o parlamento alemão, chamado de Bundestag. Incendiado em 1933, o Reichstag sofreu uma restauração completa depois da queda do Muro, com a reunificação alemã, em 1989, ganhando uma cúpula de vidro no seu centro, projeto do consagrado arquiteto inglês Norman Foster, que por si só já justifica uma visita.
No km 12, ainda com as pernas frescas, graças também à simpática chuvinha que não parou de cair, contornamos a Strausberger Platz e rumamos para o sul, em direção ao bairro de Neukölln. No km 17, o percurso gira novamente para oeste, passando perto de Tempelhof. Na altura da meia maratona, no bairro de Schöneberg, a animação aumenta, com muitos espectadores gritando e incentivando os atletas. Mesmo com a chuva, os organizadores estimaram em 700 mil pessoas ao longo do percurso este ano. Além, claro, das tradicionais bandas dos mais variados gêneros musicais, o que já virou um must nas principais maratonas do mundo – só não sei porque a moda ainda não pegou no Brasil. Em Berlim, os ritmos afro-brasileiros têm destaque especial, com muitos grupos de percussão tocando samba, axé ou algo parecido… Como sempre corro com o Manto Sagrado (a camisa do hexacampeão brasileiro, Clube de Regatas do Flamengo), em mais de um destes grupos fui saudado aos gritos de "Mengoooo!!!" por saudosos expatriados.
BRAZUCAS. Com ou sem relação com a presença musical dos nossos ritmos no percurso, o fato é que a participação brasileira em Berlim continua expressiva. Este ano, por exemplo, 328 completaram a prova – é muita gente! O percurso extremamente rápido é o principal apelo, mas Berlim, como o maravilhoso destino turístico que é, além de barato para os padrões europeus, reforça esta atração que a prova vem exercendo sobre os brasileiros.
Estreante em Berlim, mas não em maratonas, o casal de cariocas radicados em São Paulo, que treina com uma equipe do Rio (Filhos do Vento), Marcelo Arraes, 41 anos, engenheiro eletrônico, e Danielle Dantas, 32 anos, profissional de RH, aprovou a experiência na capital alemã. "Para mim a chuva até ajudou, pois adoro correr com chuva, o que deixa minha frequência cardíaca mais baixa", destaca Arraes, que também elogiou muito a organização: "Foi uma prova sem atropelos, com o esquema de entradas por baias funcionando perfeitamente na largada". Correndo há cinco anos, Arraes marcou 3:10:12, seu novo recorde pessoal – esta foi a sua sétima maratona. Sua esposa, Danielle, que também diz gostar de correr com chuva, não conseguiu evitar as poças: "Fiquei com os tênis encharcados e no final, depois de completar, tive uma leve hipotermia por causa da roupa molhada, mas fui prontamente atendida pela equipe médica", lembra ela, que não fez o tempo previsto, abaixo de 4 horas, tendo completado em 4:10:17. "Recomendo correr em Berlim, o trajeto é lindo, a organização, nota mil, além da cidade ser belíssima e muito rica culturalmente", completa Danielle, que corre há nove anos e fez na capital alemã sua nona maratona.
PASSEIO POR BERLIM. Voltando ao percurso, depois da passagem pela meia os corredores fazem uma enorme volta, em sentido horário, pelo bairro de Schmargendorf. Logo depois do km 33, entram na famosa e chique Kurfürstendamm, avenida que reúne lojas de grifes de luxo e que era o símbolo maior do consumo na parte ocidental da cidade durante os tempos do Muro. Ainda na Ku'Damm, como os berlinense carinhosamente chamam esta avenida, o corredor passa ao lado da Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche (Igreja Memorial Kaiser Guilherme), um dos símbolos máximos da cidade. Deixada como ficou depois da Segunda Guerra, com a sua torre semidestruída, ela é uma das muitas lembranças dos piores dias que a cidade viveu. Ali perto fica o zoológico, um dos mais famosos do mundo e que também merece uma visita do maratonista, de preferência depois da prova. Logo adiante, já no km 36, o percurso encontra a KaDeWe (Kaufhaus des Westens, ou Loja de Departamentos do Oeste), a segunda maior loja da Europa e outro símbolo consumista de Berlim, que recebe diariamente de 40 a 50 mil visitantes. Além das compras, a KaDeWe oferece muitas opções culinárias nos seus dois últimos andares, sendo excelente opção para os corredores tanto antes quanto depois de encarar os 42 km.
MAIS BRAZUCAS. Um dos maiores contingentes dentre os brasileiros que vão a Berlim todos os anos é formado pelos corredores da assessoria Marcos Paulo Reis, de São Paulo, tradicionalmente capitaneada pelo próprio treinador. O administrador paulista André Guidolin, de 35 anos, fez parte deste grupo para estrear em maratonas. Correndo há apenas um ano e meio, ele completou em 4:08:21s, um pouco acima do esperado, mas nem por isso motivo de tristeza. "Achei incrível como tinha gente incentivando ao longo do percurso, as bandas de música, além do enorme volume de gente correndo ao seu lado. Lembro de que no km 25 passei por uma banda que tocava ‘We Are The Champions' e os corredores começaram a cantar junto!", diverte-se.
O casal paulista Renato e Adriana Schwartz, de 45 e 39 anos, ele, advogado, ela, administradora, também foi levado a Berlim pela primeira vez por Marcos Paulo. Corredor há sete anos, Renato fez sua quarta maratona em Berlim, mas penou com a chuva. "Uso óculos e atrapalhou um pouco, pois mesmo com boné eles embaçavam, então no km 10 decidi tirá-los e passei a correr curvado, olhando para baixo o tempo todo, o que me deixou dolorido na nuca e no ombro, além de ter gasto mais energia, por isso acabei fazendo um tempo maior do que o esperado", lamenta. Renato diz que, no entanto, o saldo final foi positivo e elogia a organização da prova: "Nos postos não faltaram frutas e água, e o chá quente ajudou muito". Já Adriana, que corre há sete anos e meio, fez em Berlim sua quarta maratona e o melhor tempo, com 3:27:04. "Mesmo com a chuva tendo atrapalhado bastante, por conta dos tênis encharcados e a roupa pesada, eu me senti muito bem, sem nenhuma dor e fiz a segunda metade apenas três minutos mais lenta do que a primeira", comemora.
SEM MURO. Realmente, é muito fácil você se sentir bem em Berlim. Se estiver treinado, então, vai fazer uma maratona "sem muro", o que, em se tratando desta cidade, ganha um significado especial. Assim como, acredito, a maior parte dos que completaram a prova este ano, cada um no seu ritmo, eu também me senti muito bem e até acelerei nos últimos kms. Depois da Ku'Damm, o percurso volta à Schöneberg, subindo a Potsdamer Strasse a partir do km 37. No km 38,5, passa ao lado do Sony Center, outro passeio imperdível, construído na onda de mega-obras que tomou a cidade a partir de 1989, com a queda do Muro – ali é sediado o famoso festival de cinema. Na Potsdamer Platz, por onde passava o Muro de triste memória, Berlim renasceu como capital, não só da Alemanha, mas também da Europa. Em seguida, o corredor chega à Leipziger Strasse, que ficava no lado oriental-comunista dos tempos do Muro, por onde se corre do km 39 ao 40. Logo, vira-se para o norte e chega-se à belíssima Unter den Linden. Esta avenida, tomada por uma multidão ensurdecedora, leva ao emblemático Bradenburg Tor (Portão de Brademburgo), no km 42, que ficava junto do Muro, mas no lado oriental, dando as costas para a Berlim capitalista. Pronto, é chegado o momento de glória! Para mim, foi a alegria de completar a vigésima maratona, sendo a terceira em Berlim. Ainda que num tempo que, se não me deixou exultante, pelo menos foi o melhor desde que tive uma ruptura de ligamento no joelho esquerdo, em 2006: 3:34:59. Hora de comemorar, medalha no peito, voltar para o hotel, tomar um bom banho quente, descansar um pouco e depois sair para curtir esta cidade fantástica.
O QUE AINDA FALTA DIZER SOBRE A MARATONA DE BERLIM?
por Denise Amaral
Que a Maratona de Berlim foi palco de 7 recordes mundiais, que tem o seu percurso plano, temperatura agradável, mais de 40 mil inscritos e bastante público, todos já sabem.
Que esta tem sido uma das maratonas preferidas pelos estreantes na distância e daqueles que querem obter o seu recorde pessoal também é sabido.
Mas, ao chegar ao aeroporto de Berlim para participar da edição de 2010 e correr minha 80ª maratona, junto com meu marido Luiz Antonio que correria sua 39ª (fraquinho, não?), fui surpreendida com a exclamação de um corredor: Por que não me informaram que esta viagem levaria o dia inteiro?
Pois é, correr no exterior tem seu charme, mas merece planejamento, já que diversos detalhes podem arruinar meses de treino.
FIQUE ATENTO
VÔOS PARA BERLIM. Não existem vôos diretos e se você não mora em São Paulo, como nós que voamos do Rio de Janeiro, ainda poderá amargar uma boa espera no aeroporto de Cumbica/SP para o seu vôo internacional. As opções de escala são muitas (Paris, Londres, Frankfurt …), mas todas com no mínimo mais 2 horas de espera para o embarque no vôo até Berlim. Considerando-se o vôo de sua cidade, as escalas e todos os vôos até a chegada na capital alemã, teremos 16 horas, no mínimo. Some-se a este tempo a diferença de fuso horário de 5 horas a mais. Assim, ao chegar a Berlim já será noite e você literalmente perdeu este dia.
JETLAG. Todos já ouviram falar do tal, mas sofrer com ele na véspera da maratona pode ser fatal. Com a diferença de 5 horas a mais, é difícil ter sono no dia da chegada. Afinal, quando forem 22 horas em Berlim, serão 17 horas no Brasil e ficar se revirando na cama, aguardando o sono chegar, é desesperador. Por isso, ao chegar a Berlim, coloque o despertador para acordá-lo às 7 horas da manhã, evitando dormir até às 11 horas para compensar o cansaço da viagem, pois no sábado, véspera da prova, você certamente não terá sono, aliando a diferença de fuso horário com a tensão pré-prova.
TRANSPORTE NA CIDADE. O sistema de metrô e ônibus na capital alemã é perfeito. Ao chegar ao aeroporto compre seu ticket de metrô/ônibus (regiões A e B) pelo número de dias que você ficará na cidade, pois além do preço ser extremamente melhor, você já poderá usar o ônibus/metrô para se deslocar do aeroporto até o seu hotel. Mas, o principal é que você poderá explicar para o atendente o que deseja em inglês. Nas estações você encontra máquinas de venda de bilhetes que, embora tenham explicações em inglês, apenas apresentam orientações para o pagamento em alemão. Evite a confusão, engarrafar a fila (os alemães são rápidos…) e a tentação de andar no metrô sem pagar. Mesmo que você tenha tentado pagar e não tenha conseguido, esta explicação não servirá para os fiscais que o autuarão imediatamente em 40 euros, com a possibilidade de ser "fixado" na Alemanha, além de ser convidado a sair do vagão com a escolta dos altivos policiais.
KIT DA MARATONA . É composto apenas de número, chip (pago à parte, com devolução do dinheiro na chegada) e sacola plástica para guardar os pertences no guarda volumes. Se você quiser a camiseta da prova terá que comprar junto com a inscrição. Mas é melhor comprar a camiseta ao chegar, desde que você vá até a feira da maratona na quinta ou na sexta, pois no sábado quase não existem artigos da prova disponíveis. O modelo oficial nem sempre é mais bonito que os outros na feira ou você ainda pode errar o tamanho, considerando-se que a modelagem é alemã!
Obs.: este ano a feira estava maravilhosa e gigantesca. Todas as principais marcas esportivas tinham estandes, além de diversas outras lojinhas com promoções de roupas e tênis com preços convidativos, mesmo em euros. Definitivamente o nosso real está valorizado.
JANTAS DE MASSAS. Embora o site divulgue, o tradicional jantar de massas resume-se à venda de uma tigela de isopor com macarrão com molho de tomate (4 euros), servido em uma barraca na feira da maratona a qualquer horário. Serve como uma opção para matar a fome após andar muito por lá e para apreciar o interessante entra e sai de corredores de todo o mundo enquanto você come.
CORRIDAS INFANTIS /JUVENIS E DE PATINS. A Maratona de Berlim pode sim ser uma opção para viajar com a família. As corridas infantis e juvenis, no sábado, com diferentes distâncias, reúnem 5 mil inscritos (mais do que muitas corridas no Brasil)! Já na Maratona de Patins são quase 8 mil participantes e tem uma parte de feira da maratona reservada para a venda de peças e roupas para os patinadores e skatistas. Assistir esta competição e/ou inscrever a garotada na prova pode ser uma grande diversão.
GUARDA-VOLUMES E ÁREAS DE LARGADA. Com 40 mil inscritos, a área de guarda-volumes é gigantesca e bastante confusa. A pouca sinalização deixa vários corredores zanzando de um lado para o outro à procura do local para a entrega de sua sacola. Com isto, perde-se tempo para a entrada nos currais de largada (letras indicadas no seu número para determinar o seu local de largada). Use roupas para jogar fora após se aquecer e coloque no guarda-volumes as que vai usar depois de concluir. Chegue cedo, pois a gincana para encontrar o local de seu guarda-volumes e o seu local de entrada não é nada divertida. Mas, passado este sufoco inicial, a largada transcorre sem problemas, pois são usadas 8 pistas no entorno do Portão de Brandemburgo.
Este ano tivemos uma chuva fina e constante durante todo o percurso, o que reduziu drasticamente o público nas ruas. Mas, apesar de tudo e até da chuva, a Maratona de Berlim é fantástica e imperdível. Previna-se para tirar o melhor proveito desta festa incrível e, quem sabe, comemorar o seu recorde pessoal!