Notícias Fernanda Paradizo 9 de junho de 2021 (0) (405)

Bate-papo com Neto Gonçalves, técnico de Daniel Nascimento

Conversamos com Neto Gonçalves, técnico do jovem atleta Daniel Nascimento, que conseguiu recentemente o índice para disputar a maratona nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Bacharel em Educação Física, Especialista em Desenvolvimento Esportivo e Treinador Nível 3 de fundo e meio fundo, o técnico, que tem 39 anos e nasceu em Bauru, interior de São Paulo, conta aqui, entre outras coisas, sobre sua trajetória no esporte até chegar ao atletismo, fala sobre o projeto com jovens atletas desenvolvido na ABDA (Associação Bauruense de Desportes Aquáticos), revela detalhes a respeito da decisão de Daniel de migrar para a distância da maratona e como ficará a programação do atleta até as Olimpíadas.

CONTRA-RELÓGIO: Você cresceu no meio do esporte, seguindo os passos do seu avô e tio. De que forma foi influenciado a viver algo já vinha de família?
Sim. Eu cresci no meio do esporte. Meu avô, Cabo Alcides, foi preparador físico do futebol, no Esporte Clube Noroeste, e por muitos anos, desde a década de 60, trabalhou com atletismo, basquete, vôlei, entre outras modalidades. Ele que trouxe o esporte para dentro da família. Participa do nosso projeto aqui em Bauru como coordenador de atletismo. Já meu tio, João Gonçalves, foi corredor de fundo. Ele também trabalhou com futebol, atletismo, academia e nos últimos anos trabalhou com vários projetos aqui na região de Bauru. Eu cresci neste meio e isso influenciou a trabalhar com isso. Eu e meus irmãos pegamos gosto desde cedo pelo esporte.

CONTRA-RELÓGIO: Como foi o Neto atleta? Você começou no futebol e depois passou para o atletismo. Até quando competiu e como foi sua transição de atleta para treinador?
Eu era um garoto muito ativo, gostava de fazer várias atividades. Jogava bola, brincava de bets, participei de escolinha de futebol, fiz alguns testes. Após os 15 anos, comecei a pegar gosto pelo atletismo. Comecei a treinar e participar de competições. Meu momento no atletismo como atleta foi curto. Fui até os 19 anos e depois resolvi trabalhar. Cheguei a participar de algumas competições estaduais, corridas de rua, Jogos Abertos da Juventude e Regionais. Depois comecei a buscar a vida profissional. Durante um tempo trabalhei, depois fui fazer faculdade e me formei em Educação Física. Após terminar o curso, resolvi que partiria para a área de atletismo, que é a modalidade que gosto. Logo que me formei fiz o curso de Treinador de Atletismo Nível 1 em Manaus. Isso foi em 2012. Aprendi muito. No ano seguinte, fui contratado pela ABDA (Associação Bauruense de Desportes Aquáticos), de Bauru. Também havia feito um concurso público na cidade para técnico esportivo e no ano seguinte que assumi o cargo na ABDA também fui chamado para trabalhar na Prefeitura, função que ainda exerço.

CONTRA-RELÓGIO: Na sua trajetória como treinador, sempre esteve ligado a revelar jovens talentos. Qual sua motivação para trabalhar com jovens?
A ABDA tem um foco social, de oportunizar através do esporte. É uma forma de terem um objetivo no futuro. E as crianças que se tornam atletas são uma referência. Lido com jovens de 13 anos para cima e há outros profissionais na nossa equipe que trabalham a partir dos 6 anos. É o foco do nosso projeto. Há 8 anos trabalho no atletismo e existem atletas que começaram com 13 anos e hoje já estão com 20 anos. É uma satisfação ver um jovem que começou com a gente se tornar um campeão brasileiro nas categorias de base, disputar um Troféu Brasil, ser destaque no atletismo e até se formar na faculdade. Um dos pilares da ABDA é a educação.

CONTRA-RELÓGIO:  Como é a estrutura para ajudar no desenvolvimento desses atletas? A maioria é da região?
Trabalhamos a iniciação, passando pelo desenvolvimento até chegar no rendimento. É importante ter uma base e fazer com que se desenvolvam e possam representar o país no atletismo. Os atletas disputam competições nacionais e internacionais. Temos uma excelente estrutura, com polo aquático, natação, atletismo e música. São vários polos de natação e polo aquático. Trabalhamos em parceria com a Secretaria Municipal de Esportes e temos duas pistas, a do Jardim Petrópolis, que tem uma academia, e a do Estádio do Milagrão. Temos ainda uma equipe interdisciplinar, com médico, nutricionista, fisioterapeuta, assistente social, gestor da equipe. Os profissionais que atuam buscam constantemente conhecimento. Esse projeto, que atinge atletas de Bauru e das regiões próximas, é essencial para o sucesso do atletismo e das outras modalidades.

CONTRA-RELÓGIO:  Você teve experiências na Seleção Brasileira nas categorias menores. Qual a importância para um treinador poder representar o país com jovens e também com a seleção adulta?
Tive algumas experiências em categorias menores e na categoria adulto. É uma experiência única poder participar de uma delegação com grandes atletas nacionais e ver a elite mundial do atletismo. É o reconhecimento do trabalho realizado não só do treinador mas de todo um grupo. Participei do Campeonato Sul-americano Sub-18 em 2016, em Concórdia, Argentina, dos Jogos Sul-americanos da Juventude em 2017, em Cochabamba, na Bolívia, do Campeonato Mundial em 2019, na Dinamarca, e da Copa Pan-americana de Cross-country em 2020, no Canadá.

Neto e Daniel na Meia-maratona de São Paulo 2020 (FotoS: Tião Moreira)

CONTRA-RELÓGIO:  Sobre o Daniel Nascimento, ele teve uma carreira recheada de bons resultados desde as categorias de base e todo mundo que acompanhava atletismo na época sabia do potencial. Ele acabou abandonando por um tempo o atletismo e depois teve esse retorno já em alto nível. Como foi esse retorno dele e como o atleta veio parar nas suas mãos?
O Daniel tem vários recordes na categoria de base. Todos sabemos que é um grande talento. Foi revelado pelos professores Evandro e Regiane, de Paraguaçu Paulista, SP, e fez grandes resultados. Passou pela Orcampi, conquistou o Troféu Brasil. Em 2019, ele havia abandonado o esporte. Parou de treinar e competir por 5 meses. Ficou desmotivado por conta das lesões. Ele me procurou para ter uma ajuda para retornar em maio, pedindo uma oportunidade. Começamos então uma parceria. Como ele estava ainda sentindo a lesão, trabalhamos em conjunto com a equipe interdisciplinar, que fez o tratamento para que ele pudesse voltar a treinar e competir. Disputou o Troféu Brasil em 2019 e ficou em 4º lugar nos 10000 m. No final de 2019, fez a São Silvestre e foi o melhor brasileiro. Em 2020, vieram outros bons resultados. Ele veio para Bauru com a intenção de voltar ao esporte e, junto com uma equipe de profissionais competentes, conseguimos deixá-lo apto a competir e fazer aquilo que sabe fazer melhor, que é correr. Ele é talentoso. É só trabalhar com seriedade que as coisas acontecem.

CONTRA-RELÓGIO: Depois da São Silvestre 2019, onde ele foi o melhor brasileiro, com a 11ª colocação, ele só acumulou bons resultados em 2020 e depois em 2021, como o 1º lugar na Copa Brasil de Cross Country, 1º na Meia-maratona de São Paulo, conseguindo o índice para o Mundial de Meia, na Polônia, e a vitória nos 10000 m do Troféu Brasil. Muita gente critica o fato de jovens atletas migrarem cedo para as distâncias mais longas. O próprio Daniel, que ainda está prestes a completar 23 anos, deu depoimentos após o Troféu Brasil de 2020 que migraria para a maratona. Como aconteceu isso? Foi uma vontade do Daniel? A possibilidade de participar dos Jogos Olímpicos influenciou?
Mesmo com a pandemia, que mudou alguns planos, ele conseguiu fazer grandes resultados em 2020, participando de duas seleções, e continuou treinando bem. Culminou no final do ano sendo campeão do Troféu Brasil, mesmo com todas as dificuldades que tivemos. Poderia até ter sido melhor, mas acho que foi excelente. Sobre a maratona, o Daniel já falava há um bom tempo sobre isso. Ele sempre quis ser um maratonista. Já vínhamos conversando em 2020 sobre a possibilidade. Após o final da temporada de 2020, chegamos a um consenso que iríamos fazer um planejamento para ele disputar uma maratona em 2021. Mas o nosso objetivo era para ser uma maratona rápida. Ele sempre esteve com o pensamento nas Olimpíadas.

CONTRA-RELÓGIO:  E como foi lidar com a dificuldade de encontrar uma maratona em plena pandemia?
As provas foram sendo canceladas, adiadas e estávamos trabalhando, mas sem ter um objetivo definido. Isso estava atrapalhando bastante. Foi quando nas últimas semanas, no final de abril, soubemos que teria uma seletiva em Lima através dos amigos peruanos Jorge Berrios e Patricia  Martinez.

CONTRA-RELÓGIO:  Outros brasileiros não conseguiram embarcar por conta de regras peruanas em relação à pandemia e entrada de pessoas que estiveram no Brasil. Houve alguma preocupação em relação ao Daniel? Isso determinou a viagem dele do Quênia, onde ele estava treinando, direto para o Peru?
Infelizmente, dois atletas brasileiros não conseguiram viajar para participar da prova. O Daniel tinha o retorno marcado para o Brasil, mas conseguimos que ele viajasse para o Peru pela Europa, sem passar pelo Brasil, que estava passando por restrições. Com o apoio de várias pessoas, deu tudo certo, mas a preocupação foi muito grande.

CONTRA-RELÓGIO:   Você acompanhou ao vivo a prova do Daniel? Tinha noção do ritmo que estava correndo? Tinha alguma informação de alguém que acompanhava a prova?Acompanhei na televisão. Como na transmissão não aparecia a quilometragem, conseguia ver pela passagem dos 10 km e sabia que estava dentro da marca. Mas tinha também amigos no Peru que me passavam informação, falavam que estava indo bem, dentro do ritmo. Não é a mesma coisa que estar lá junto, próximo, mas consegui acompanhar e ver todo o desenrolar da prova.

CONTRA-RELÓGIO:  Depois da maratona, ele ainda venceu os 10000 m no Sul-americano no Equador e já está de volta ao Quênia. De que forma o treinamento do Quênia que Daniel fez antes da maratona ajudou na performance no Peru? E como fica a programação até os Jogos? Você estará nos Jogos de Tóquio?
Ajudou de várias formas, principalmente o treinamento em altitude (2400 m) e o trabalho em grupo. Ele vai treinar no Quênia até o dia 22 de julho. Estarei também no Quênia no início de julho e depois ele viaja diretamente para o Japão. É o sonho de todo treinador estar nos Jogos Olímpicos. Será muito importante poder vivenciar isso.

CONTRA-RELÓGIO:   Como você vê essa formação tão heterogênea da equipe olímpica masculina de maratona? Temos Paulo Paula, 42 anos, já com experiência em Jogos e um atleta regular, Daniel Chaves, com 33 anos, que está numa idade considerada boa por muitos para os 42 km, e Daniel Nascimento, que é o mais jovem do grupo e está prestes a completar 23 anos ainda, mas que já mostrou logo de cara seu cartão de visita na distância. Acha que um pode ajudar o outro?
Vai ser muito interessante ver cada um compartilhar com o outro algumas experiências, principalmente o Paulo Paula, que é um grande exemplo e está realizando grandes performances na maratona. Com certeza é uma referência. E tem também o Daniel Chaves, que é um grande atleta e tem muito a passar para o Daniel, que é o mais jovem. Acho que os três têm condições que realizar um grande Jogos Olímpicos.

CONTRA-RELÓGIO:  Como está sendo o trabalho com seus outros atletas após a marca do Daniel, principalmente considerando que há muitos jovens? Haverá alguém agora no Troféu Brasil, que será disputado entre 10 e 13 de julho, que deveremos ficar de olho?
Os atletas ficaram muito felizes com o resultado do Daniel. É importante ver que, com muito trabalho, abdicação de muitas coisas e investimento na carreira,  podemos alcançar os objetivos. Os atletas ficaram muito motivados e as crianças também. Algumas mandaram até mensagem para o Daniel, inclusive de outras modalidades do nosso projeto. Sobre o Troféu Brasil, teremos alguns atletas competindo. Os mais experientes são a Jeovana Fernanda Santos, nos 3000 m com obstáculos, e o Cleverson Júnior, nos 400 m.

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