As competições olímpicas sempre fizeram brilhar os olhos dos apaixonados por esporte. E inspirados pelos profissionais, os amadores também começaram a colocar seu bloco na rua. Em 19 de abril de 1897 – um ano após os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, em Atenas -, acontecia a primeira edição da Maratona de Boston, nos Estados Unidos, com um grupo de corredores que saiu pelas ruas das cidades vizinhas até chegar à capital de Massachusetts, perfazendo cerca de 45 km.
No início, era coisa de amor pela corrida mesmo. No Brasil, a história da modalidade tem como uma de suas pedras fundamentais a Corrida de São Silvestre. Criada em 1925 pelo jornalista Cásper Líbero, que se inspirou em uma corrida noturna francesa, a prova – originalmente restrita a homens – passou a ser disputada na noite do dia 31 de dezembro pelas ruas de São Paulo, marcando a virada do ano.
"Ao contrário de outros eventos esportivos tão ou mais antigos, a Corrida de São Silvestre nunca deixou de ser realizada, nem mesmo durante as duas grandes guerras mundiais", lembra Manuel Garcia Arroyo, o Vasco, um dos mais importantes nomes da organização de corridas de rua do Brasil e diretor técnico da prova há 30 anos. E dos 60 inscritos da primeira edição para os 25 mil da mais recente, muita coisa mudou. Com algumas mudanças positivas e outras nem tanto, o certo é que esta corrida é a mais marcante na lembrança dos brasileiros.
MARATONA DO RIO. Nos anos 1970, foi a vez das maratonas começarem a se firmar como acontecimentos esportivos populares nas grandes cidades. A de Nova York, idealizada pelo imigrante romeno Fred Lebow, estreou no início da década com apenas 127 competidores. Hoje, 42 edições depois, é uma das provas mais famosas do mundo, reunindo 45 mil participantes. Em 1974 foi a vez da Maratona de Berlim, com largada e chegada no Portão de Brandemburgo e percurso plano, atraindo corredores em busca de boas marcas.
Em se tratando dos 42 km por aqui, a Maratona do Rio de Janeiro, realizada pela primeira vez em 1979, é considerada a mais antiga. Nos anos 80 era a principal e a mais bem organizada corrida brasileira, atraindo a elite mundial e chegando a ter (mesmo…) mais de 6 mil concluintes, que na falta de boas provas optavam pela longa distância. Depois, ao surgirem corridas mais curtas e bem estruturadas, a maratona carioca foi perdendo fôlego, chegou a não sair em alguns anos, mas em 2012 voltou a ser a maior do Brasil, com 2901 corredores terminando.
A de Blumenau surgiu em 1987, para festejar a abertura da Oktoberfest, e foi tocada por vários anos pelo empresário Raul Cardozo. Era a prova dos sonhos dos maratonistas nacionais, mesmo com várias falhas, notadamente a absurda falta de banheiros na largada e até falta de água no percurso em um ano. Mas a cidade permitia grande confraternização dos corredores, o que é um fato sempre muito positivo.
A prova voltou em 2012, com outro organizador e poucos participantes, e não se sabia (até o fechamento desta edição) se ocorreria este ano.
Já a Maratona de São Paulo teve algumas edições nos anos 80 e voltou em 1995, passando a acontecer anualmente, inicialmente com organização da então Koch Tavares e depois, e até agora, com a Yescom.
DEZ MILHAS GAROTO. Inicialmente criada como uma prova de caráter amador, a Dez Milhas Garoto (16 km) foi idealizada em 1989 como parte dos festejos dos 60 anos da fundação da fábrica de chocolates Garoto, no município de Vila Velha, no Espírito Santo, envolvendo apenas funcionários e comunidade. A resposta foi tão positiva que a partir de 1990 passou a se repetir anualmente, abrangendo também a cidade de Vitória (só não aconteceu em 2001, em função do processo de reestruturação da empresa).
Com o tempo, a prova cresceu e evoluiu na organização, foi oficializada e passou a atrair cada vez mais amadores e profissionais. A passagem pela alta Terceira Ponte é um de seus destaques, assim como o festivo (e gostoso) jantar na véspera, fato raríssimo em nossas corridas atualmente, mesmo maratonas. Este ano será realizada em 1º de setembro, quando deverá levar às ruas cerca de 7 mil corredores.
Na mesma linha de provas festivas e bonitas está a 10 Km Tribuna FM em Santos, que este ano foi realizada pela 28ª vez, reunindo mais de 15 mil corredores. Há duas décadas, essa corrida, como a maioria das demais no país, apresentava vários problemas, mas soube ser receptiva às críticas e sugestões da Contra-Relógio (o editor é de Santos…) e se firmou como uma das "20 provas imperdíveis" do Brasil.
CORPORE. Corredor desde 1978, Rubens Fava, 58 anos, atualmente morando em Londrina, foi um dos fundadores da Corpore em São Paulo, ao lado de Victor Malzoni, Fernando Nabuco, "Vasco" e Wanderlei de Oliveira. Ele lembra que foi a partir da criação da entidade que as provas começaram a ter uma melhor organização, tornando-se a Corpore uma referência para outros organizadores, até recentemente, quando surgiram empresas mais bem estruturadas.
Anderson José Bandeira Zacarias, 35 anos, começou a correr em 1994 e lembra que não existiam as "perfumarias" das provas de hoje. "E dificilmente tinham mais de duas mil pessoas inscritas. Corríamos em qualquer lugar de São Paulo e as inscrições eram bem acessíveis, sem contar as que nada cobravam."
Participar de corridas era algo então bem complicado. Em primeiro lugar porque eram pouquíssimas, não devendo existir, apenas como exemplo, nem 20 durante o ano na cidade de São Paulo, quando a revista surgiu, em 1993. Além disso, os corredores não tinham qualquer tipo de informação.
"Era difícil participar de uma prova porque não havia divulgação. Teve uma corrida da CET na USP, que só fiquei sabendo porque passei perto de uma base da CET e vi o cartaz por lá. Era desse jeito que ficávamos sabendo de provas ou por informação de amigos. Mas quando surgiu a Contra-Relógio tudo mudou, porque o calendário publicado na revista ajudava bastante."
COMPETIÇÃO X PARTICIPAÇÃO
Segundo o professor de história Marcelo de Oliveira Assunção, 47 anos, do Rio de Janeiro, as primeiras provas de que teve conhecimento nos anos 1980 reuniam pouquíssimas pessoas e o clima era de competitividade. "Praticamente não havia corrida para os que não treinavam. Corria quem queria superar seus limites. Eu procurava os eventos pequenos, em cidades do interior do estado do Rio, onde me sentia elite. Hoje competir saiu de moda. A palavra agora é participar. Ao invés de competir com qualidade, a maioria quer competir em quantidade: quanto mais provas, quanto mais camisetas e medalhas de participação, melhor. Nada contra os novos corredores não competitivos. Acho legal que busquem saúde e qualidade de vida. Mas com certeza são diferentes dos que conheci décadas atrás."
Atualmente, Assunção escolhe competições que ofereçam desafios razoáveis, como as meias-maratonas, e que sejam bem organizadas. "E ocasionalmente faço provas menores, ao lado de minha família. Também gosto de viajar para correr, juntando esporte e turismo, o que é bastante divertido." Entre as que cresceram e fizeram história, ele cita a Meia do Rio, da Globo: "Um exemplo de boa organização na época, juntando multidões. Foi a primeira prova carioca a ser transmitida integralmente pela televisão".
O policial militar Sergio Ricardo de Souza Salgado, 45 anos, de São Paulo, um veterano nas corridas (começou em 1983), conta que naquele tempo não havia muita opção, então procurava participar de todas as que tinha conhecimento. "Uma que marcou bastante foi a Dez Milhas Bradesco, no Autódromo de Interlagos. Fui ver meu irmão correndo e acabei participando também: foram duas voltas no antigo percurso de 8 km. Outra que lembro é a Meia Maratona da Independência, com largada e chegada na Avenida Paulista, realizada no dia 7 de setembro, sempre às três da tarde. Dava para desfilar pela manhã pela PM e correr à tarde."
A prova que Salgado tem especial carinho – e que acredita ser uma das preferidas pelos corredores no Brasil – é a Maratona de São Paulo. "A primeira vez que encarei os 42 km foi em Ribeirão Pires (cidade ao lado da capital). Quando começaram a organizar em Sampa, abracei a ideia de fazer pelo menos uma maratona por ano. Como consequência, acabei participando de todas as suas edições. Este ano, se tudo der certo, será a 19ª edição completada no dia 6 de outubro."
Já o corredor Valter Hiroshi Ide, 45 anos, estreou em provas no ano 2000, em uma competição em Campinas. Os eventos começavam a crescer, mas ainda não havia muitas alternativas. "Como a quantidade era pequena, dificilmente corríamos no mesmo local." Entre as que cresceram e se consagraram, ele destaca a Maratona de Revezamento Pão de Açúcar. "Caiu no gosto dos corredores porque é um grande momento de confraternização", acredita.
Esse revezamento foi o primeiro realizado no Brasil e se consagrou pelo jeito que foi idealizado, ou seja, permitir que corredores pouco preparados entrassem em uma maratona para fazer apenas uma parte. Surgiu no mesmo ano da CR e seu sucesso motivou a criação de inúmeras outras provas semelhantes.