20 de setembro de 2024

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Especial admin 4 de outubro de 2010 (0) (90)

A dona do ouro

Os Jogos da 29ª Olimpíada consolidaram a fama de heróis como Usain Bolt e Michael Phelps, foram implacáveis com os dramas individuais de astros como Liu Xiang e generosos com o atletismo do Brasil. Isto porque, enquanto os Estados Unidos comemoravam o advento do nadador Phelps, como o homem que mais ouros ganhou (8 em Pequim e 14 no total) e a Jamaica festejava Usain Bolt (dono de três títulos com recordes mundiais), perto de 90 mil chineses choravam com a dor do barreirista Liu Xiang, ouro quatro anos antes na Grécia e que, lesionado, desta vez sequer conseguiu largar na preliminar. Ao mesmo tempo, o Brasil viu uma atleta sua arrebentar com velhos tabus.

O nome dela: Maurren Higa Maggi, de 32 anos, a primeira brasileira a subir no pódio no torneio de atletismo. Foi, também, o primeiro título do país no mais importante dos esportes olímpicos desde 1984, quando Joaquim Cruz ganhou ouro em Los Angeles. Mais, ainda, Maurren tornou-se a primeira brasileira a subir no ponto mais alto do pódio em um evento olímpico individual.

Foi o que aconteceu em 22 de agosto, noite em Pequim, ainda manhã daquela sexta-feira no Brasil. Na pista do Ninho de Pássaro, sede das provas de atletismo, Maurren se preparava para fazer sua primeira apresentação na final do salto em distância. Entre as concorrentes, não estava a líder do Ranking da temporada, a portuguesa Naide Gomes, que apesar da marca de 7,12 m feita no ano, havia falhado na capital chinesa e não passara da fase de qualificação. No entanto, um outro nome temível já havia se apresentado, e bem, com 6,97 m no primeiro salto: a russa Tatyana Lebedeva, ouro olímpico em Atenas 2004 e campeã mundial em Osaka 2007.

Décima das 12 finalistas a saltar, Maurren olhou para o público, pediu o acompanhamento de palmas ritmadas e gritou "vai" duas vezes. Fez a melhor corrida de sua carreira, conseguiu aproveitar toda a tábua de salto, voou e pousou após a marca de sete metros. Os árbitros mediram 7,04 m. Maurren, o treinador Nélio Moura e os brasileiros presentes ao Estádio Olímpico comemoraram. A marca era, praticamente, a garantia de medalha. Agora, era lutar pelo título. Horas depois, Maurren lembraria: "Estava confiante, mas atenta aos saltos das meninas, principalmente a Lebedeva."

Neste clima de alta ansiedade e muita esperança, a disputa prosseguiu, sempre limitada a Maurren e Lebedeva. A brasileira falhou nos segundo, terceiro, quarto e sexto saltos. No quinto, fez 6,73 m. A russa, só voltou a acertar na última tentativa e assustou os brasileiros, até os árbitros anunciarem 7,03 m. Maurren ganhou o ouro.

Aí foi a festa. Com a bandeira do Brasil e uma bandeirinha da China, Maurren desfilou pelos 400 metros da pista, repetindo a "Volta Olímpica" inventada 56 anos antes por Adhemar Ferreira da Silva e hoje um ritual para todos os campeões. "Essa medalha é de todo o Brasil", disse Maurren depois, na zona mista, local do Estádio em que os atletas encontram os jornalistas.

Depois, com uniforme de gala, foi para a cerimônia de premiação, junto com a vice-campeã Lebedeva e com a surpreendente nigeriana Blessing Akagbare, ganhadora do bronze, com 6,91 m. Blessing só foi à final depois que Lyudmila Blonska – a ucraniana que também ganhara prata no heptatlo – foi eliminada dos Jogos por doping.

Mais uma brasileira disputou a final da prova: Keila Costa, que foi a 11ª, com 6,43 m. Keila, assim como Maurren e o panamenho Irving Saladino (ouro no salto em distância masculino), é pupila de Nélio Moura. "Metade da minha conquista é do Brasil, porque se atingi este estádio é, em muito, graças ao Nélio", disse Saladino, que mora em São Paulo e treina no Ibirapuera. Ele é o primeiro atleta de seu país a ganhar um título olímpico em qualquer esporte.

Na premiação, o abraço prolongado no presidente da Confederação Brasileira de Atletismo, Roberto Gesta de Melo. Depois, Nélio Moura explicaria: "Todos nós temos muito a agradecer, tudo o que pedimos, a Confederação concedeu." O treinador complementou: "Não podíamos prometer o título, nem mesmo uma medalha, só tínhamos a oferecer um plano de trabalho honesto e o presidente da CBAt bancou."

Por sua vez, Gesta, emocionado, disse que a conquista de Maurren "é motivo de grande felicidade para todo o esporte nacional, principalmente para o atletismo". O dirigente lembrou que todo o programa de apoio da CBAt é possível "graças à parceria com a Caixa Econômica Federal" (patrocinadora do atletismo desde 2001)".

Depois, Maurren concedeu uma coletiva para a imprensa internacional e, com mais tempo, falou novamente com os brasileiros. Conversou por telefone com a filha Sofia, que ficou com os avós Rute e William Maggi, em São Carlos. E admitiu: "É muito bom ser chamada de campeã olímpica." A saltadora, dona da 14ª medalha olímpica do atletismo brasileiro, disse ter certeza de que seu título "será muito importante para as mulheres atletas e para o atletismo, no geral".

Sobre o futuro, afirmou que por enquanto vai comemorar "até a ficha cair". Para os próximos Jogos, em Londres 2012, afirmou que "talvez dê para chegar até lá", mas para 2016, quando terá 40 anos, "já não vai dar". Quanto à possibilidade de o Brasil ser a sede dos Jogos em 2016, disse que "pode ser bom, como o PAN (Rio 2007) foi". A ressalva: "É claro que seria bom que pudéssemos utilizar os equipamentos esportivos construídos para o PAN."

Maurren ficou um dia a mais em Pequim, convidada pela chefia da missão olímpica brasileira, para levar a bandeira do país na festa de encerramento dos Jogos, no domingo, dia 24.

Currículo forte. Maurren Maggi é um dos grandes nomes do atletismo nacional há pelo menos uma década. O currículo da saltadora paulista é recheado de grandes conquistas, mas faltava o pódio olímpico. Há 14 anos, ela é treinada por Nélio Moura. "Devo muito ao Nélio", afirmou a atleta, que compete pela BM&FBovespa, de São Caetano do Sul, cidade do ABC paulista.

Finalista nos Mundiais de Osaka 2007 (6º lugar), Edmonton 2001 (7º) e Sevilha 1999 (8º), Maurren é eclética, com bons resultados também nos 100 m com barreiras – ganhou prata no PAN 1999 – e no triplo, prova em que foi recordista sul-americana.

Ela começou a apresentar bons resultados em 1996. Três anos depois, Maurren saltou 7,26 m no Campeonato Sul-Americano de Bogotá, na Colômbia, uma das dez melhores marcas da história da prova. No mesmo ano, foi campeã pan-americana no salto em distância em Winnipeg 1999.

Quando vivia sua melhor fase, em 2003, um exame antidoping deu resultado positivo. Ela havia usado um creme pós-depilação que continha substância proibida. Maurren cumpriu suspensão de dois anos, período em que teve sua filha Sofia, do casamento com o piloto Antonio Pizonia. Voltou a competir em 2006, numa competição na Colômbia. Um ano depois conquistava o bicampeonato no Pan.

Demorou 44 anos para uma outra brasileira chegar à final olímpica do torneio de atletismo. Foi nos Jogos de Tóquio, em 1964, que Aída dos Santos, único nome do atletismo presente na competição. Pois Aída, de Niterói, foi à final do salto em altura e conseguiu o 4º lugar com 1,74 m (recorde sul-americano). Professora universitária no Rio de Janeiro, Aída pode comemorar também a conquista de Valeskinha, sua filha, que integrou a seleção feminina de vôlei do Brasil, também medalha de ouro em Pequim.

MAURREN MAGGI
Nome completo: Maurren Higa Maggi
Data de nascimento: 25/06/1976
Local: São Carlos (SP)
Peso: 62 kg
Altura: 1,73 m
Prova principal: Salto em distância
Treinador: Nélio Moura
Clube: BM&FBovespa (SP)

Títulos no salto em distância

– Mundiais Indoor: prata em Valência 2008 e bronze em Birmingham 2003

– Copa do Mundo: prata em Madri 2002

– IAAF Grand Prix Final: ouro em Paris 2002

– Universíade: ouro em Pequim 2001

– Jogos de Amizade: ouro em Brisbane 2001

– Jogos Pan-Americanos: ouro em Winnipeg 1999 e Rio de Janeiro 2007

Recordes pessoais

–  Salto em distância: 7,26 m – 26/06/1999, Bogotá (recorde sul-americano)

–  100 m com barreiras: 12.71 – 19/05/2001, Manaus (recorde sul-americano)

– Salto triplo: 14,53 m – 27/04/2003, São Caetano do Sul (recorde sul-americano até 2007)

AS 14 MEDALHAS OLÍMPICAS DO BRASIL

1) José Telles da Conceição: Bronze no salto em altura – 1,98 m – Helsinque (Finlândia) – 20/07/1952

2) Adhemar Ferreira da Silva: Ouro no triplo – 16,22 m (recorde mundial) – Helsinque (Finlândia), 23/07/1952

3) Adhemar Ferreira da Silva: Ouro no triplo – 16,35 m (recorde olímpico) – Melbourne (Austrália), 27/11/1956

4) Nelson Prudêncio: Prata no triplo – 17,27 m (recorde mundial) – Cidade do México (México) – 17/10/1968

5) Nelson Prudêncio: Bronze no triplo – 17,05 m – Munique (Alemanha) – 17/10/1972

6) João Carlos de Oliveira: Bronze no triplo – 16,90 m – Montreal (Canadá) – 30/07/1976

7) João Carlos de Oliveira: Bronze no triplo – 17,22 m – Moscou (Rússia) – 24/07/1980

8) Joaquim Carvalho Cruz: Ouro nos 800 m – 1:43.00 (recorde olímpico) – Los Angeles (EUA) – 06/08/1984

9) Joaquim Carvalho Cruz: Prata nos 800 m – 1:43.90 – Seul (Coréia do Sul) – 26/09/1988.

10) Robson Caetano da Silva: Bronze nos 200 m – 20.04 – Seul (Coréia do Sul) – 28/09/1988.

11) Revezamento masculino: Bronze no 4×100 m 38.14 (recorde sul-americano, com Arnaldo de Oliveira, Robson Caetano, Edson Luciano, André Domingos) – Atlanta (EUA) – 03/08/1996

12) Revezamento masculino: Prata no 4×100 m – 37.90 (recorde sul-americano, Vicente Lenilson, Edson Luciano, André Domingos, Claudinei Quirino)  – Sydney (Austrália) – 30/09/2000

13) Vanderlei Cordeiro de Lima: Bronze na maratona – 2:12:11 – Atenas (Grécia) – 29/08/2004

14) Maurren Higa Maggi: Ouro no salto em distância feminino – 7,04 m – Pequim (China) – 22/08/2008

Veja também

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