Blog do Corredor Redação 17 de junho de 2023 (0) (1412)

A corda e a caçamba – o “wolfpack” vermelho na Maratona do Rio

POR THIAGO LIMA CANETA | @thiagocaneta


Foi minha terceira maratona do Rio. Terceira vez que faria uma maratona que sempre disse que não tinha vontade nenhuma de fazer, pelos comentários de sofrimentos de, nas garras da cidade do “Hell de Janeiro”. Terceira vez que eu participaria do famoso pelotão sub 3h, a onda vermelha, o “wolfpack” da HF Treinamento Esportivo, comandada por Heleno Fortes.

Rio pra mim era igual São Silvestre em São Paulo. Nunca fiz e não tinha vontade na época. SS pela bagunça da “festa”, Rio por causa do clima inóspito para os 42 km. Embora eu goste de treinar no calor, às vezes faço questão de treinar no horário do almoço em Sampa, inclusive tiros. Mas a soma umidade mais calor precisa ser respeitada.


Havia corrido já em 2021 no retorno das provas após pandemia, no mês de novembro, com todos os protocolos, e no ano passado, em 2022.


Para a maratona de domingo passado, como eu tinha acabado de fazer Boston e ido relativamente bem, e já com planos ousados para Chicago daqui 120 dias, o Heleno havia falado para eu descansar. Manteve certa intensidade nos treinos, mas disse para eu esquecer de fazer força no Rio e só ajudar no pelotão sub 3h. Então esse era o pensamento. Comprei a camiseta com o nome do grupo e faria o combinado. Até que uns 5 dias antes da maratona Heleno mudou de ideia. “Você fez uns treinos bons. Pode fazer força lá no Rio”, disse ele. Não xinguei porque não podia. Mas tive que mudar o “mindset” em poucos dias. Já estava pré-combinado com um amigo carioca que corre mais forte que eu, para tentarmos fazer juntos caso eu decidisse correr. Nossos treinos estavam parecidos. Mas até a largada eu não sabia mesmo se abriria mão da “vibe” e do “flow” do pelotão ou ainda se iria no meio-termo, com o Gonzi, para ajudá-lo a fazer 2h50. Vivi poucas coisas mais legais ou intensas que os dois anos anteriores, ajudando e estando com a turma do sub 3h.

A PROVA. Às 4h45 estávamos todos na muvuca da entrada do curral amarelo, eu havia trotado apenas 700m do hotel na Lapa até o guarda-volumes e já suava. Umidade dando sinais, a massa vermelha com mais de 40 atletas já se destacava entre os ansiosos e agitados corredores em volta. Já dentro o barulho da música misturada com a locução e o burburinho do “conversê”. Ir ou não, ser ou não ser, tentar ou não tentar, flow solitário e mais arriscado ou flow do grupo, da matilha vermelha, em solo carioca. No peito e nas costas, estava escrito “pelotão sub 3”… faltavam 15 minutos para a largada. O Aterje me cumprimentou dizendo para me concentrar para fazer força. Foi a virada de chave. Me dirigi sozinho pra frente do curral. Fui para meu momento de concentração, minha redoma. Decidi que tentaria sofrer, mas, pelas bebidas e andanças na quinta e sexta-feira, desconfiava que manter aquele ritmo apenas 55 dias após Boston e sem treino específico me custaria uma quebra após o km 25. E ainda seria atropelado pelo Gonzi e pelo pelotão em seguida. Era o preço do risco. Avistei meu companheiro de aventura ao lado, outro Thiago, Thiagão. Comecei a pensar diferente, que eu não estaria fora do pelotão, mas sim seria sua corda. E eles seriam meu barco rebocador. Eu puxaria e eles empurrariam. E junto com meu parceiro voltaríamos do Leblon “passando geral” e puxando eles.

Felizmente meu medo estava errado. Largamos tranquilos e no km 3 já estávamos no ritmo. No km 10 estava sentindo facilidade pra correr e falei pra mim que era o dia. Sabia ali que podia fazer uma boa prova no Rio, apesar do calor e da umidade prometidos, e ainda dos muitos km pela frente. “É só não se animar e segurar sem afobação”, eu falava pro Thiagão e mais dois caras que se juntaram a nós até o km 15. Fui puxando a corda vermelha, vi o pelotão numa das curvas após saírem do Museu do “Hoje” e gritei pra eles.


Soube que a tarefa do pelotão era ainda maior esse ano, e com mais mulheres, deu mais trabalho para a matilha cor sangue, mas a filosofia de time e conjunto de equipe venceu. Isso ficou mais evidente pela participação do super atleta Miguel Morone fazendo seu treino “de luxo” na maratona, acompanhando, ajudando e sendo bem recebido no “pelote” independente da cor da camisa. Ele era um vermelho ali, assim como eu em 2021 e 2022, mas com a mentalidade de matilha e amizade ao pelotão na pele. Ele foi cooperando com o corpo de atletas até o km 30. Eu não sabia ainda que o Morone, quem eu havia conhecido em 2022 em Buenos
Aires como melhor brasileiro na prova, estava no pelotão até chegar no final e me falarem.


O pelotão ia crescendo com a orla e me empurrando também lá na frente sem saber. Nos revimos somente no meu km 31, 29 deles vibramos juntos. “Boraaaá, boraá!”, aos berros. Ali não sabíamos mais quem puxava ou empurrava quem. Eu estava lá atrás com eles, e com o Gonzi no meio. Eles e o Gonzi estavam lá na frente comigo, em cada passada, o barulho da cavalaria dos passos deles estava em minha mente. Após o vento de Copa e passando o túnel na virada da Princesa Isabel acelerei: tenho que levar a ponta dessa corda firme até o pórtico por eles, todos, pelo Thiagão aqui comigo, pelo Gonzi entre nós também. Se eu cair é como se eles caíssem e a corda não chegaria no ponto certo para indicar-lhes o caminho do triunfo. E, se eles caíssem, minha corda também ficaria travada e me impediria de prosseguir. Éramos um pelotão, o pelotão.

Acelerei, por mim e por eles. Meu parceiro ficou uns segundos pra trás. O sol no Aterro do Flamengo, uma moça de biquíni fúcsia estaria na praia do Leblon naquele instante já em sua cadeira de praia, enquanto eu corria e fazia força por aquele asfalto negro belo e liso, e o pelotão lá vindo, me empurrando, eu puxando ele. “Você treinou pra isso!” E o pórtico vinha andando
em minha direção. “Você treinou pra isso!” Em nossa direção, na direção do pelotão, vermelho vinha, vermelho víamos e éramos. Íamos, vermelhos somos, vermelhos vamos chegando.


Solo e de mãos dadas, a ponta, o meio, a matilha.

Na marina, nos últimos metros da linha, 2:41:19 e 2:53:21 e 2:59:02, após uma longa jornada, a Glória nos esperava.


Pelotão – 2:59:02
Gonzi – 2:53:21
Thiagão – 2:41:52
Thiago – 2:41:19


Fotos: Fotop e Fractal


Thiago Lima, @thiagocaneta, é um atleta das palavras, escritor e corredor, autor do livro de poesias Antes da ilha, maratonista 2x vezes Bostoner, criador do Caneta Your Sports Story; 22 maratonas com seu PR 02:40:20 na Maratona de Buenos Aires 2022.

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