Há 25 anos, fui pela segunda vez correr a Maratona de Paris, mas decidi inovar, fazendo na semana seguinte a de Londres. Naqueles tempos, os treinadores costumavam recomendar (continuam?) a participação em apenas duas maratonas por ano, repetindo equivocadamente o que é praticado pelos atletas de elite. Estes acabam as provas de 42 km esgotados e precisam de alguns meses para encarar com sucesso novo desafio, o que não vale para a absoluta maioria dos amadores.
Já tinha constatado que após correr bem treinado uma maratona, continuava em plena forma, apenas precisando de uma semana de descanso. Resolvi, então, testar na prática essa minha suposição, correndo Paris seriamente e Londres numa boa. E assim foi, completando na capital francesa em 3h28, aos 53 anos, e viajando para a Inglaterra, onde realizei apenas um treininho no meio da semana.

Mas o que seria uma prova pra encarar sem problema, já que o objetivo era apenas completar e confirmar a “tese” de ser possível correr duas maratonas seguidas, desde que uma pra valer e a outra não, se mostrou um amontoado de confusões, e desde o amanhecer no domingo.
Durante anos, usei meu relógio/cronômetro de pulso como despertador e assim aconteceu em Londres. Mas lá, talvez por ter ficado com o braço debaixo da coberta, acabei não escutando o sinal. Então, despertei pelo barulho na rua, onde estavam os ônibus para levar os estrangeiros amadores para a largada. Me arrumei o mais rápido que pude e desci para tentar ainda tomar o café da manhã, mas o motorista foi taxativo: Goodbye!
Entrei no ônibus e descobri, no saco que usaria como guarda-volume, uma banana que havia ganhado na entrega do kit. Comi rapidamente e não me preocupei, pois imaginava que teria como me alimentar na concentração. Chegando lá, perguntei o que havia para comer e a resposta foi taxativa: água, chá e café, mais nada! Tudo bem, pensei, no percurso como o que aparecer.
Fui pra largada, depois de quase 2 horas de espera, mas não tinha levado vaselina para usar na área genital. No entanto, havia um monte de potes nas lixeiras, peguei um deles (escrito em uma língua que não entendi) e caprichei na passada, descobrindo que era um creme de aquecimento, e o calor foi grande…
NO PERCURSO, A SALVAÇÃO
Comecei tranquilo a maratona, sem preocupação com ritmo, apenas atento ao abastecimento no percurso, porém só apareciam água e isotônico. Acho que nessa época ainda não era comum o oferecimento de gel de carboidrato, porque não lembro de nada desse jeito, nem banana. Depois do quilômetro 30, a fome apareceu e já tinha concluído que a organização não iria mesmo disponibilizar algo sólido para os participantes.
Então vi, logo à frente, no público que margeava a rua, uma criança com bolachas na mão, e não tive dúvida: ela estava lá para oferecer aos corredores e, especialmente, para mim. Passei por ela, peguei logo duas, agradeci e fui em frente, ouvindo xingamentos dos pais e o choro da criança, mas não havia como me desculpar, até porque meu inglês era ruim e acabaria por não conseguir explicar a minha fome e, assim, justificar meu roubo.
Lembro até hoje que eram bolachas de chocolate, aquelas com recheio no meio, que comi avidamente e que me sustentaram até a chegada, onde pedi um sanduíche (queijo com tomate, não me esqueço…) a mais e comi os dois na sequência. É uma das melhores lembranças das minhas dezenas de maratonas, talvez até superando a de outras, que completei com boa marca. Aliás, não me recordo qual foi meu resultado em Londres, onde estavam estreando os chips, mas deve ter ficado em torno de 4 horas.



