Especial admin 4 de outubro de 2010 (0) (136)

André Ramos: correndo por fora

Para a prova de maratona da Olimpíada de Pequim 2008 serão convocados os três melhores atletas do ranking brasileiro até 11 de maio, desde que tenham o índice A exigido pela Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF, sigla em inglês), que é de 2:15:00. Atualmente o 1º colocado é Marílson Gomes, com 2:08:37, obtido na Maratona de Londres 2007, seguido de José Telles (2:12:24) e Vanderlei Cordeiro de Lima (2:12:54), que em dezembro participaram da Maratona de Milão, na Itália. Mas para o corredor André Ramos a disputa ainda não terminou. "Tenho certeza de que conseguirei uma vaga", afirma o atleta, que planeja correr a Maratona de Houston, nos Estados Unidos, em janeiro, e uma outra até o mês de abril. 

Aos 37 anos e quase duas décadas de atletismo, André é um nome respeitado no meio e tem muita história para contar. A primeira delas é como a corrida entrou em sua vida. "Foi por causa de uma aposta com meu cunhado, em 1988, em São José do Rio Pardo (SP), onde eu morava", conta. O desafio era chegar entre os 10 primeiros colocados da São Silvestre Rio Pardense e o prêmio estipulado, uma engradado de guaraná. Para surpresa geral, o então carpinteiro – segundo ele, um dos melhores da região – percorreu facilmente os 4.600 metros da prova e chegou em segundo lugar. "Nunca havia pensado em ser atleta, mas depois disso recebi muito incentivo e resolvi ir adiante."

Em seguida, André Ramos brilhou nos Jogos Regionais de Itapira, representando São José do Rio Pardo. Por meio de alguns contatos acabou apoiado pelo Clube Atlético e foi para Belo Horizonte. De volta a São Paulo, mas desta vez na capital, foi morar na casa de uma tia, no bairro de Vila Formosa, e treinar no Sesi de Santo André – o que exigia uma dose de sacrifício, considerando-se a distância entre um ponto e outro. "Até que um dia essa tia começou a pressionar para que eu arrumasse um trabalho, porque não entendia que eu pudesse viver de atletismo. Quando passei a contar com um patrocinador, mudei para Guarulhos e fui treinar em Atibaia". 

Desde 1991 recebia orientação do técnico Humberto Garcia e foi com ele, em 1993, que fez sua primeira viagem internacional. Correu uma meia-maratona no Japão, marcando o tempo de 1:03:08. O treinador Carlos Alberto Cavalheiro começou a assessorá-lo no final de 1994 e em 1995 corria sua primeira maratona, a de Nova York. A prova ficou na lembrança de André, que liderou a disputa até o km 38. "No começo, o Vanderlei (Cordeiro) estava na frente e eu na cola dele. Ele tinha combinado que correria até o km 21, mas chegou a esse ponto e não parou. Continuei a seu lado, sem saber o que iria acontecer. Quando chegamos ao 25, ele parou. Daí fiquei perdido e a decisão que tomei na hora foi de continuar naquele ritmo. mas faltando três quilômetros para terminar, não agüentei, faltou ar. Estava muito frio. Terminei em 19º lugar, com 2h15", conta. Ramos diz que não se arrependeu da estratégia adotada. "Para conhecer o seu limite, você tem que se expor. Quem não arrisca não chega lá".

Com a carreira de vento em popa, morando temporadas nos Estados Unidos, o atleta obteve seu grande feito em 1998, na Maratona de Boston: fez o tempo de 2:08:26 e ficou em 4º lugar. A marca o alçou à recordista sul-americano de maratona.

MOMENTO DELICADO

Quase no final deste mesmo ano, André foi novamente para o Japão para disputar uma maratona e conta que passou muito mal por lá. "Não sei se foi alguma coisa que comi, mas formou um caroço em minha barriga. Chamaram médicos, fui para o hospital, mas corri mesmo assim, bastante abatido. E fiz a prova em 2h23." De volta à cidade americana de San Diego, onde morava, ligou para seu técnico e disse que não gostaria de participar da tradicional São Silvestre no Brasil. Porém, acabou convencido do contrário. Foi aí que, submetido a um exame antidoping, começou a ter problemas. O teste deu positivo e André Ramos foi suspenso. "Reuni todas as vitaminas que tomava e encaminhei para um laboratório em Quebec, no Canadá, para uma análise. Em três meses minha defesa estava pronta, mas o julgamento só aconteceu seis meses depois. E não foi comprovado nada, acabei absolvido", relata.

Nesse tempo em que cumpria suspensão, o atleta continuou treinando, mas não podia participar de competições oficiais. "Foi um descanso para mim", diz ele, que aproveitou a parada forçada também para investir em um negócio próprio – um mercadinho na cidade de Poços de Caldas (MG). "Eu trabalhava, treinava e não me deixei abalar. Até porque também contava com grande apoio das pessoas que me assessoravam."

Depois do episódio, André retomou sua carreira aos poucos. Fez 2h09, na 8ª colocação em Berlim 2003, e assim conseguiu o índice olímpico. Participou dos Jogos Olímpicos de Atenas 2004 e do Campeonato Mundial de Helsinque, na Finlândia, em 2005. E foi um dos pioneiros a treinar em altitude, primeiro em Cochabamba, na Bolívia, e depois em Paipa, na Colômbia.

EXPERIÊNCIA A TRANSMITIR

Perspicaz e articulado, ao longo de sua trajetória André Ramos percebeu que um atleta não vive só de corridas. Aprendeu inglês, espanhol e até japonês, fez cursos de marketing pessoal e chegou a estudar Direito por dois anos. "Quero retomar os estudos agora em 2008", avisa.

Para este ano também sua meta é investir cada vez mais em sua assessoria, a Boston Runners. "O atleta tem que estar focado em seu desempenho, o resto – inscrições, patrocínios, viagens, mídia – alguém tem que cuidar. É esse serviço que oferecemos: treinamento, consultoria e gerenciamento de carreira. Trabalhamos os detalhes. Por exemplo, não adianta fazer uma boa preparação e depois rodar 20 horas de ônibus para participar de uma competição. Temos que orientar quais as melhores provas, as que valem a pena. Adquiri muitos conhecimentos e é isso que quero transmitir aos atletas. Muito do meu sucesso devo ao suporte que tive", conta o corredor. Ele ainda disponibiliza um sítio em Paipa para treinamentos mais fortes.

Atualmente já reúne um grupo de 18 atletas promissores (veja quadro), que treinam em Atibaia, onde está estabelecido temporariamente o escritório da Boston Runners – a idéia é que a sede administrativa funcione em São Paulo. André também pretende batalhar por seus pupilos no que diz respeito ao profissionalismo das provas. "Incentivamos nossos atletas a participar de provas que paguem o prêmio na hora. É um desrespeito receber depois de três meses", diz. Quem apenas busca qualidade de vida com a corrida também terá vez na equipe do maratonista. O treinamento, porém, será diferenciado.

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