Especial admin 4 de outubro de 2010 (0) (92)

O caminho do sucesso é duro, para amadores e profissionais

No entanto, o sucesso do país nessa modalidade do atletismo ainda é fruto de talentos isolados. Muitos ficam pelo caminho, seja pela falta de apoio ou pela formação deficiente. Os técnicos afirmam que material humano existe e que é só uma questão de tempo – e também de algumas mudanças de paradigmas – para que mais brasileiros desponten de vez na elite mundial.

Para Adauto Domingues, responsável pela preparação de Marílson dos Santos, o essencial na formação de um atleta de elite é a organização do treinamento. Isso está relacionado não apenas à periodização, mas também à seleção criteriosa das corridas que entrarão na agenda do atleta. "O Brasil tem muitos corredores de rua, mas poucos fundistas de verdade. E eu acho que os parâmetros da pista educam o corredor, principalmente no que se refere à velocidade. É por isso que mesmo os maratonistas eu trago para a pista", ressalta.

O técnico sabe, contudo, que é o fator financeiro que fala mais alto e leva os atletas promissores a disputarem muitas provas seguidas. "O corredor tem mais acesso à rua; ele começa a correr na rua. E não existem tantos clubes no Brasil que mantenham um atleta com pagamento mensal. Por isso, os prêmios das corridas acabam sendo uma alternativa. Só que eu tento mostrar que eles podem ganhar mais se correrem menos e ter uma vida mais longa no esporte, mantendo-se no topo", pondera Adauto.

Quem também defende a limitação do número de provas para os atletas que querem se destacar é Henrique Viana, técnico de Franck Caldeira. Ele diz que, por um lado, a premiação nas provas ajuda a elevar o nível dos corredores nacionais, pois atrai bons competidores, inclusive estrangeiros, como é o caso dos quenianos que passam temporada por aqui.

Por outro lado, a preparação específica para um nível top fica prejudicada, diz Henrique. E ele critica a posição de algumas equipes sobre o assunto. "Determinadas equipes de ponta no Brasil colocam seus atletas em todas as competições, tentando ganhar troféus (além do prêmio em dinheiro), e não priorizam a carreira do atleta, que entra em um círculo sem evolução. Existem muitos exemplos assim em equipes de destaque aqui no Brasil", critica.

Brasil x África. O Brasil vive de talentos isolados nas provas de fundo, atletas que raramente conseguem se manter no topo por um longo tempo. Enquanto isso, corredores africanos se revezam na liderança dos rankings internacionais e nos postos de recordistas mundiais. O último "revezamento" ocorreu no dia 30 de setembro, quando o etíope Haile Gebrselassie baixou em quase meio minuto o recorde mundial da maratona, ao correr 2:04:26 em Berlim.

Na mesma prova, três anos antes, o queniano Paul Tergat havia registrado 2:04:55, o recorde até então. Vale lembrar que foi também nas ruas da capital alemã que o Brasil teve seu único recordista mundial na maratona, Ronaldo da Costa, que cruzou a linha de chegada na edição 1998, no tempo de 2:06:05 (ainda recorde sul-americano).

Voltando aos dias atuais, Gebrselassie, 34 anos, já anunciava seus planos de quebrar o recorde do colega e só ficou "devendo" a marca de 2h03, que havia prometido e é sua próxima meta. Detalhe, mesmo depois da transição para a maratona, o etíope não abandonou as pistas e ainda figura entre os melhores do mundo nos 10.000 m. Entre os brasileiros, o melhor resultado nos 42.195 m nesta temporada é 2:08:37, registrada por Marílson dos Santos em abril, na Maratona de Londres. Ou seja, até no cronômetro ainda há um abismo entre brasileiros e africanos. A explicação volta à questão do plano de carreira, mas não se limita a esse aspecto.

"Essa divisão entre pista e rua que existe no Brasil não acontece na África. O (Kenenisa) Bekele, por exemplo, é bom na pista e no cross, diz o treinador Cláudio Castilho, que aponta outras vantagens dos atletas do continente africano. "Como acontece com o futebol no Brasil, o atletismo na África também é um meio de ascensão social que atrai muitos jovens. Além disso, a geografia favorece, pela altitude. Há ainda o fator genético: os negros têm mais fibras "rápidas" na musculatura, com boa adaptação nas provas de fundo. E o estímulo vem desde cedo, nas escolas e no cotidiano, já que eles muitas vezes se deslocam de um local para o outro correndo", lembra Castilho.

Mas o intercâmbio entre brasileiros e africanos traz benefícios, como é possível ver em muitas provas de rua no Brasil que contam com a participação de grupos de atletas da África, liderados na maioria das vezes por quenianos. A presença dos estrangeiros melhora o nível técnico dos brasileiros. Da mesma forma, os atletas daqui também devem ir para o exterior, para ganhar experiência.

"É importante competir fora para se ter vivência. No começo, o atleta vai correr ao lado de um ídolo, o que pode intimidar um pouco, mas depois vira arroz com feijão", diz Adauto Domingues. "Além disso, é bom para aprender como o adversário corre e traçar uma estratégia", completa.

O técnico reconhece que os brasileiros ainda estão um pouco atrás dos africanos, mas acha possível que o país volte a ter um recordista mundial de maratona. "Está difícil; não será agora, mas acho que pode sim. A gente tem bons fundistas em todas as regiões do país. A questão da altitude o brasileiro pode resolver indo treinar no exterior. A questão social aqui igualmente existe, então é só querer fazer o melhor. Material humano nós dispomos, só falta estruturar a coisa", conclui.

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