20 de setembro de 2024

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Especial admin 14 de janeiro de 2013 (0) (94)

Na praia, para ganhar força e resistência

Muito se fala sobre determinadas estratégias e tipos de treinamento. Se realmente trazem benefícios ao corredor ou se aumentam o risco de lesões. No mundo das corridas não são poucas as polêmicas. A única certeza é de que elas estão sempre por aí, provocando discussões e debates entre corredores, treinadores, fisioterapeutas e médicos. No Rio de Janeiro, cada vez mais as assessorias esportivas utilizam a praia como parte importante da planilha, unindo o útil ao agradável. Afinal de contas, no calorão desta época do ano, quem não gosta de começar o dia com uma prainha logo cedo e, de quebra, cumprir a planilha de treinamento?

A advogada Maria Silvia Resende, de 32 anos, corre há dois anos, e tem nos treinos na areia uma parte importante de sua preparação, já que gosta de provas cross-country. "Fiz algumas corridas de rua das quais jamais me esquecerei, mas me identifiquei mesmo com as de cross e de montanha. E justamente pelo desejo de participar de provas que fogem do asfalto, os treinos na areia se tornaram ainda mais importantes. Acredito que tenham função relevante no fortalecimento muscular e na resistência", diz a atleta, que pelo menos uma vez por semana treina nas areias da Praia do Flamengo, com a assessoria da Speed Corridas.

A Speed é uma das muitas assessorias que adotaram treinamentos na areia para seus corredores. Basta dar uma voltinha na orla carioca, pela manhã ou à noite, para ver aquele mar de gente em treinos de tiro, rodagem ou circuitos funcionais. "Oferecemos esse tipo de treino há quatro anos, antes mesmo de se tornar febre no Rio de Janeiro. Incluímos o trabalho de areia no período de base, como estratégia de força muscular e fortalecimento das estruturas articulares, como tornozelo, joelho e quadril. Normalmente iniciamos com a caminhada na areia fofa para fazer uma adaptação ao terreno e vamos evoluindo, com cautela", explica Alan Marques, treinador e sócio da Speed.

 

PRÓS E CONTRAS. Para o professor Alexandre Palma, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – com mestrado em Educação Física e doutorado em Saúde Pública -, o excesso de carga aumenta o risco de lesões nos chamados exercícios pliométricos, como os realizados nos circuitos na areia. "Se estes exercícios forem feitos corretamente e em dosagem adequada, não creio que possam aumentar a ocorrência de lesões. O problema, que já pude observar, é que há um exagero na carga e na forma com que alguns professores têm ministrado os treinos em circuito e na aplicação em pessoas não preparadas para realizá-los, como os iniciantes e aqueles com sobrepeso", explica Palma.

Médica do Esporte, com formação em Nutrologia e mestrado em Fisiologia do Exercício, Flávia Pinho Teixeira lembra que os benefícios dos exercícios na areia são muitos, desde que executados na intensidade e volume adequados. Segundo a médica, estas atividades têm maior componente estático e favorecem o fortalecimento muscular, o ganho de massa magra e até podem inibir algumas lesões. "Os desníveis do terreno estimulam os proprioceptores articulares, estabilizando as articulações do tornozelo e dos joelhos. Assim, estas articulações ficam mais protegidas contra lesões dos tendões. Além disso, a maior dificuldade na realização dos exercícios também gera maior condicionamento cardiovascular", diz.

Estes mesmos circuitos na areia são uma ótima ferramenta em alguns programas de fisioterapia pós-lesões ou de relaxamento pós-prova. O fisioterapeuta Claudionor Delgado, do Comitê Olímpico Brasileiro, ressalta, no entanto, a importância da prescrição individualizada dos exercícios. "Os circuitos de areia são muito bem-vindos como parte do treinamento nos mais variados perfis e também podem ser usados como parte da fisioterapia. Entretanto, assim como qualquer modalidade de treinamento, devem ser adaptados para cada indivíduo e também acompanhados pelo treinador ou fisioterapeuta. Este acompanhamento é de importância fundamental para as devidas correções de postura, do gesto esportivo e do tipo de pisada, entre outros", explica Delgado.

"O volume e a periodicidade do treinamento em areia vão depender do calendário do atleta. O circuito desenhado pelo treinador ou fisioterapeuta tanto pode servir como parte de uma atividade de relaxamento, como pode ser muito duro em uma fase de treinamento especial. Na fisioterapia sempre costumo indicar algum tipo de atividade terapêutica na areia. Essas atividades podem ser específicas para determinada lesão ou também podem ser aplicadas em uma fase pós-lesão, quando serão usadas para readaptação ou retorno ao esporte", completa Delgado, lembrando que a maioria das lesões nos circuitos na areia ocorre por falta de supervisão ou falha na dose exata de treino.

 

SEM LESÕES. Profissional de Marketing Esportivo, Henrique Werneck, de 35 anos, pratica esportes desde a adolescência e a proximidade da praia sempre o fez usar as areias em seu condicionamento. Mas somente em 2010, com a intenção de praticar triatlo, Werneck procurou os serviços de uma assessoria esportiva. Pelo menos uma vez por semana está nas areias com o treinador Bruno Germano, da Equipe Walter Tuche. Segundo o atleta, é o treinamento funcional na areia que permite sua evolução no esporte e faz com que os resultados melhorem a cada dia e sem o convívio com as lesões. "Há dois anos faço o treino funcional na areia. São estes exercícios que reforçam a musculatura, por trabalharem músculos que outras atividades não conseguem. Assim, as chances de lesões diminuem. Jamais me lesionei em treinos ou competição", diz Werneck, que garante seguir à risca a planilha de treinos.

Para o treinador Bruno Germano, os circuitos na areia melhoram a técnica de corrida, algo com que os corredores começaram a se preocupar mais recentemente. "Quando preparamos uma sequência de exercícios, pensamos primeiramente na melhora da técnica de corrida. A ideia é tornar o indivíduo capaz de correr com a maior eficiência e o menor gasto energético possível. Essa necessidade é muito incutida na mentalidade dos nadadores, por exemplo, mas os corredores, em sua maioria, não viam o treinamento técnico como uma necessidade ao seu desenvolvimento. O próprio Henrique disse que só procurou treinamento especializado há dois anos", explica Germano, lembrando que o treino na areia ativa unidades motoras que normalmente não são usadas nos treinos em terreno regular, como o asfalto. "A corrida é um esporte cíclico, em que não há variação do gesto esportivo. Quando um atleta executa um gesto ao qual não está acostumado, ele ativa outras vias nervosas e passa a ter um repertório motor maior. Isso dá mais qualidade à sua corrida", completa o treinador.

E quase sempre a melhora na qualidade resulta em tempos mais baixos. É o caso do empresário Marcos Zamith, que bateu seus recordes pessoais depois que os treinos na areia passaram a fazer parte da planilha. Com 50 anos e apenas 5 de corrida, Zamith viu-se obrigado a ficar longe dos treinos por um ano, por conta da ruptura dos dois tendões de Aquiles. O corredor retornou gradualmente e, completamente recuperado, no início de 2012, passou a treinar na areia, o que jamais havia feito. "A melhora foi nítida. O desempenho, o reflexo, a técnica, o condicionamento. Tudo melhorou muito. Nos últimos seis meses baixei todos os meus tempos. Hoje, pelo menos uma vez por semana treino na praia", conta Zamith, que aos 53 anos planeja correr sua primeira maratona.

Para o professor Alexandre Palma a finalidade destes exercícios na areia fofa deve sempre ser levada em conta. "Se os treinos envolvendo circuitos, força explosiva e específicos são importantes para aumentar o desempenho, para que submeter pessoas ainda pouco treinadas a essas atividades? Alguns professores optam por fazê-los para "quebrar a rotina", motivar os alunos. Mas há um risco (desnecessário, é preciso dizer) de desencadear lesões. Em relação à periodicidade, é possível realizar os circuitos três vezes por semana, mas dependerá do que se faça nas estações. Por fim, ainda que os circuitos possam ser uma ótima opção, é preciso considerar que o trabalho de força tradicional pode proporcionar uma base para os primeiros, além de contribuir para dificultar os riscos de lesões", completa Palma.

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