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Especial Performance e Saúde Redação 5 de novembro de 2012 (0) (138)

Dormir bem, para correr melhor

Descanso também é treino. Quem nunca ouviu essa recomendação? Há décadas o preparador físico Nuno Cobra chama atenção para esse assunto. Ele sempre pregou que a qualidade do sono é vital para o bem-estar pessoal, a convivência familiar e a vida profissional. E garante: dormindo bem, a pessoa adquire melhor performance em todos os aspectos da vida. Para quem faz esporte, então, o sono é fundamental. Muita gente, porém, não dá bola para o número de horas de repouso, garantindo ficar bem com pouco sono.

De modo geral, quem dorme mais horas por noite apresenta melhor desempenho esportivo e melhores indicadores cardíacos em relação aos que dormem pouco. "Isso porque um organismo descansado é um organismo fisiologicamente equilibrado, pois passou por todas as importantes etapas do sono reparador. Por outro lado, quem dorme pouco não obtém um descanso completo e, portanto, fica com seu rendimento físico prejudicado", explica a médica Samira Layaun, autora do livro "Comer, Treinar, Dormir – Como superar as doenças da vida moderna".

 

PARA QUÊ, QUANTO E COMO. O sono tem várias funções. Entre elas estão secreção do GH (hormônio do crescimento), limpeza do organismo, reparo de células, reposição energética, combate aos radicais livres, melhora do aprendizado, gravação de informações importantes no cérebro, restauração e consolidação da memória, aprimoramento da capacidade mental, melhora do humor e da disposição e assimilação do trabalho muscular realizado durante o dia.

A necessidade de sono varia de pessoa para pessoa. "Não existe um número exato de horas. Mas, em média, são necessárias oito horas de descanso por noite (veja explicação no box)", afirma Leonardo Goulart, neurologista e especialista em transtornos do sono do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Essa é a medida para adultos. "Crianças e adolescentes têm uma necessidade maior, que pode variar de nove a doze horas por noite, principalmente se fazem algum tipo de atividade física", completa Samira.

E o descanso deve ser tranquilo e sem interrupções. "Você pode ‘avaliar' se está dormindo bem simplesmente observando sua rotina diária: se você se sente disposto, realiza suas atividades de maneira eficaz, mantém-se em equilíbrio físico e psicológico durante o período de vigília, então está dormindo com qualidade e em quantidade suficiente", ensina Goulart.

Segundo Samira, entretanto, uma minoria se satisfaz com um número menor de horas por noite – são os chamados "dormidores curtos". "Se a pessoa pertencer a essa categoria, tudo bem. Caso contrário, é provável que esteja sobrecarregando seu organismo por causa das poucas horas de descanso. Ela experimenta uma falsa sensação de bem-estar, mas, na verdade, está submetida a um estado de sobrecarga hormonal. E com o tempo poderá sofrer as consequências da privação crônica do sono", alerta a médica.

 

CLUBE DA INSÔNIA. Algumas noites maldormidas em curto espaço de tempo já são capazes de causar estragos ao organismo. "Com alguns dias de privação parcial de sono o indivíduo começa a sofrer impacto em seu metabolismo e perde qualidade nos treinos, entre outros prejuízos", diz Goulart.  E não adianta querer compensar, dormindo mais horas antes ou depois de um período crítico, como, por exemplo, aquela semana em que seu trabalho avança até alta madrugada. "Não existe poupança de sono", completa o médico. 

Se a privação do sono for crônica, as consequências podem ser bem mais sérias. "Entre elas estão envelhecimento precoce, obesidade, diabetes, hipertensão arterial, arritmias cardíacas, aumento do colesterol, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, depressão, ansiedade, alterações do humor, prejuízo da memória (e, também, da concentração, da atenção e do aprendizado), agressividade, irritabilidade, síndrome do pânico, queda de resistência imunológica e acidentes em geral", enumera a autora de Comer, Treinar, Dormir.

 

NOITE EM CLARO E RECORDE PESSOAL. Pode acontecer de uma pessoa dormir pouco na véspera de um evento importante – mas isso não deve preocupar tanto. O corredor Leonardo Mesquita, 40 anos, engenheiro de Belo Horizonte, viveu essa experiência, assim como o editor da CR. "Na véspera de uma prova de 10 km fui convidado para uma festa de um primo. Evento imperdível, assim como a prova em que estava inscrito. Fui para a festa sabendo que teria de controlar a bebida e não exagerar na comida. Descansei bastante durante a tarde de sábado, antes da festa. Precisava disto, pois sabia que ia voltar muito tarde. E foi o que aconteceu. Tive apenas duas horas de sono. Fui dormir às quatro da manhã e às seis já estava em pé novamente. Tomei café e fui para a corrida. Fiz a prova conforme programado e sobrou gás no final para marcar o meu melhor tempo na distância", relata. Leonardo diz que não sentiu nada diferente durante a prova, mas ao final estava mais ofegante. "Na dúvida, fui esperar minha frequência cardíaca baixar na tenda do atendimento médico. Depois de 10 minutos já estava recuperado". No caso do empresário Renato Mello, 43 anos, de São Paulo, é a ansiedade que costuma roubar preciosas horas de sono às vésperas de uma corrida. "Toda a noite anterior a uma prova eu durmo mal, muito mal", confessa. Mas ele acha que isso não chega a prejudicar. "E olha que atualmente ando fazendo provas longas, que duram algumas boas horas. Nem assim sinto falta do sono". Para o médico Leonardo Goulart, essas ocorrências podem ser justificadas pelo fato de que muitas vezes a motivação do corredor fala mais alto do que as poucas horas de sono. Mas ele acredita que isso seja mais fácil de acontecer em distâncias curtas. "Em uma prova mais longa é preciso ter uma reserva fisiológica e, estando privado de sono, possivelmente o corredor sente queda de performance". Dormir pouco esporadicamente, principalmente se houver um fator que leve a isso (como no caso de Leonardo e Marcelo), não é necessariamente grave segundo os médicos. Porém, se os episódios se tornarem frequentes, podem, sim, trazer prejuízos futuros e é bom procurar um especialista.

 

NOS BRAÇOS DE MORFEU. Já prevendo a ansiedade pré-prova, alguns corredores recorrem a técnicas de relaxamento e métodos naturais para pegar no sono. O gerente de suprimentos Augusto de Barros Guimarães, 41 anos, de Belo Horizonte, diz que tem o sono muito leve e se não dormir bem, não consegue concluir uma prova. "Na véspera, procuro nem ligar a televisão no quarto. Prefiro uma boa leitura, em um ambiente tranquilo e um chazinho de maçã", ensina. Hiperativa assumida, a médica Miriam Medeiros Borges Miller, 58 anos, de Sorocaba, conta que também apela para um chá calmante de ervas. "Às vezes recorro até a um pequeno tranquilizante, pois não consigo dormir na véspera. E se não relaxar, chego uma pilha na prova e o cansaço me abate no meio do percurso". O neurologista Leonardo Goulart diz que alguns indutores do sono podem ser usados pontualmente e sempre com orientação médica. "Mas não experimente nada diferente na véspera de uma competição importante. Existe o risco de o medicamento apresentar efeito residual de manhã e você se sentir sonolento, comprometendo ainda mais seu desempenho." 

 

MENOS DESCANSO, MAIS PESO

Dormir pouco ou mal está ligado ao aumento do peso. São três as principais razões, segundo a médica Samira Layaun:

1) Grelina e leptina são os hormônios responsáveis pelo apetite e pela saciedade, respectivamente. A privação do sono provoca um desequilíbrio entre eles em favor do primeiro, facilitando a instalação do sobrepeso.

2) Desaceleração do metabolismo da glicose e hiperglicemia também podem decorrer da privação do sono. Em resposta, o nível de insulina aumenta, favorecendo a retenção de gordura e o crescimento do tecido gorduroso.

3) Elevação do nível de cortisol, que induz à perda muscular e ao ganho de gordura abdominal.

 

DICAS PARA TER UMA BOA NOITE DE SONO

1) Tente criar o hábito de dormir e acordar mais ou menos no mesmo horário todos os dias.

2) Evite comer em horário próximo ao de dormir.

3) Evite alimentos gordurosos, doces, café, refrigerantes, álcool e cigarro.

4) Evite beber muito líquido antes de dormir para não ter de acordar de madrugada para ir ao banheiro.

5) Na hora de dormir, procure esvaziar a mente e não conte carneirinhos.

6) Não leve trabalho, nem preocupações para a cama. Tente relaxar.

7) Se quiser dormir durante o dia, tire um cochilo de, no máximo, 30 minutos.

8) Sono de qualidade requer ausência de luz e de barulho, temperatura adequada (entre 17 e 20º C), além de colchão e travesseiro ideais.

9) Evite fazer exercícios perto da hora de dormir.

10) Tome um banho quente antes de se deitar.

 

POR QUE OITO HORAS?

A razão de oito horas de descanso por noite pode ser entendida quando se estuda o processo do sono.  Há dois tipos de sono: o sono quieto e o sono REM (sigla em inglês que significa movimentos oculares rápidos). Durante o sono quieto o cérebro fica lento; é uma passagem para o sono mais profundo. Durante o sono REM o cérebro fica mais ativo; é a fase em que ocorrem os sonhos.

O sono também é dividido em cinco fases: na primeira e na segunda ele é leve; na terceira e na quarta, profundo; a quinta é a fase dos sonhos. Esse ciclo dura, em média, uma hora e meia e repete-se cerca de cinco vezes por noite. Então, somando-se os cinco ciclos com duração de uma hora e meia cada, chega-se ao resultado de sete horas e meia. "Então, o tempo mínimo para que ocorram cinco ciclos completos varia de sete horas e meia a oito horas. Em geral, quem dorme menos que isso não consegue completar todos os ciclos e, portanto, não obtém um descanso completo", explica a autora de "Comer, Treinar, Dormir".

 

 

BLUMENAU, BUENOS AIRES E FOZ DO IGUAÇU

Entre as minhas melhores "atuações", três aconteceram exatamente após uma noite mal ou nada dormida. Vamos começar por esta última.

Fui a Blumenau em 1992 para estrear nos 42 km e, como não podia deixar de ser, estava bastante ansioso e apreensivo sobre como me sairia. Resultado: não consegui dormir na véspera, ainda mais porque precisava estar no ponto dos ônibus, que nos levariam até Itajaí, às 5 horas. Larguei superanimado e até maravilhado, pois era não só minha primeira maratona, como uma das poucas corridas que tinha feito até então, que, aliás, eram raras naquela época.

Meus muitos anos de ciclismo acabaram me levando a seguir alguns grupos (para pegar vácuo…) e quando vi estava correndo mais rápido do que o recomendado pela minha treinadora Silvana Cole, passando a meia em 1h29 (meu recorde até hoje nos 21,1 km), quando ela tinha me sugerido em torno de 1h35. Tentei dar uma segurada na segunda parte, com medo do tal muro, pois via alguns participantes quebrando e caminhando, mas ele não apareceu e lá fui para a chegada, completando em 3:04:30, aos 45 anos, que continua sendo a minha melhor marca em maratona. Naquele domingo, dormi como um anjo…

Alguns anos depois fui fazer a Meia de Buenos Aires. Ficamos (eu e minha mulher) em um hotel, jantamos massa na véspera, acompanhada de uma garrafa de vinho tinto e fomos dormir cedo. Foi quando descobrimos que ao lado do hotel havia um clube ou um salão de festas, onde estava acontecendo um casamento, que naturalmente foi até quase o dia clarear. Talvez tenha dormido 1 ou 2 horas e seguimos para a largada. Prova plana, mais ou menos organizada (trânsito controlado parcialmente), temperatura favorável e novamente me saí bem, fechando em 1h36.

A terceira boa atuação, depois de uma noite maldormida, aconteceu em Foz do Iguaçu, na Meia das Cataratas, há poucos anos. Estava bem treinado, porque me preparava para a Maratona de Porto Alegre, e iria procurar correr os 21 km no ritmo dos 42 km, que aconteceria no domingo seguinte, ou seja, completar pouco abaixo de 2 horas. Novamente, mas desta vez no próprio hotel, começou uma festa às 10 horas (já estava dormindo…) que se arrastou até às 4h. Então, depois de 2 horas de sono, lá estava eu no pórtico de largada, em um dia muito propício para boas marcas, frio e chuvoso. Comecei no ritmo que me pareceu rápido, mas confortável, e constatei que isso significava 5 minutos por km, portanto bem mais forte do que pretendia. Falava para mim que precisava segurar, mas estava tudo tão fácil que fui em frente, mantendo exatamente a mesma velocidade, praticamente até o final, já que acabei terminando em 1h46, uma total surpresa. (Tomaz Lourenço)

 

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