Engenheira da Petrobras, Bruna Zolini acaba de completar 30 anos e corre há mais de uma década. Começou na esteira e apesar dos belos cenários cariocas preferia o treinamento indoor, até que em 2009, seu ritmo e seu estilo de corrida chamaram a atenção do treinador Marcelo Duarte, da MD Runners, então professor da academia onde Bruna corria. Duarte ficou surpreso ao saber que Bruna não participava de corridas de rua e a convenceu a seguir uma planilha de treinamento e participar de provas.
Desde então Bruna varia os treinos (esteira e rua), e seguindo as planilhas do treinador vem conseguindo resultados expressivos nas provas de que participa. Em 2011 e 2012, na Corrida da Ponte Rio-Niterói, foi campeã e vice, respectivamente, na sua idade. Em 2011, na Maratona do Rio, foi 1ª colocada na faixa etária (3h37). Em 2012, apesar de ter ficado em 2º, baixou seu tempo em 10 minutos. E recentemente, Bruna venceu a K42 Bombinhas nas duplas mistas.
"Antes de entrar para a MD, corria 10 km em esteira quatro ou cinco vezes na semana. Não fazia musculação e a velocidade era minha prioridade na esteira. Depois que passei a seguir uma planilha, realizo treinos de mais qualidade, com inserção de séries de musculação. E mesmo reduzindo o meu volume semanal de corrida, melhorei o meu desempenho", conta Bruna, que confessa sentir no asfalto um nível de esforço maior do que na esteira.
"Para um mesmo tipo de treino, consigo colocar uma velocidade maior na esteira do que no asfalto. Mas sei que é importante ir para a rua, pois ela mostra mais a realidade. Além disso, meus treinos estavam ficando muito longos e a esteira acabou se tornando um pouco monótona. Hoje faço os longões e também os tiros no asfalto. Esteira só para simular ladeiras ou em dias de chuva", completa a corredora.
NA ESTEIRA, MAIS TÉCNICA. Mas quais as vantagens do treinamento em esteira? Será que um corredor que sempre treinou em esteira pode estar mais preparado do que aqueles que variam esteira e asfalto? Para o treinador Marcelo Duarte, os principais benefícios de um treinamento regular em esteira estão relacionados à técnica. "Ao programar uma determinada velocidade, o corredor terá que desempenhar quase que de forma obrigatória o tipo de marcha para cumprir aquela velocidade, ganhando habilidade motora. E por um período maior de tempo."
Já o treinador Marcelo Almeida (o Esquilo) não vê vantagens fisiológicas do treinamento em esteira sobre o treinamento outdoor. Esquilo defende o equipamento apenas como alternativa logística, por conta do cotidiano dos atletas amadores. Para ele, mesmo os intervalados já podem ser feitos no asfalto. "Para os amadores, que têm o cotidiano cheio de compromissos, é mais fácil treinar corridas nas academias, que já frequentam para outros tipos de treinos e atividades. No entanto, com as novas tecnologias, como o GPS, mesmo o intervalado, pela maior possibilidade de controle da distância que deveria ser percorrida no estímulo, já pode ser feito fora da esteira", diz o treinador, que mantém uma equipe de triatlo no Rio de Janeiro.
Quanto aos treinos de rodagem, o treinador vê desvantagens no uso da esteira, na medida em que eles podem ficar repetitivos, com relação ao ambiente, tipo de piso e mecânica da corrida. "Há importantes questões ligadas à motivação e às adaptações associadas ao terreno. Assim, creio que os longos devam ser realizados, prioritariamente, nos locais semelhantes aos onde se realizarão as provas, em razão da especificidade. Um exemplo interessante sobre essa necessidade de variação de terrenos é o fato de os treinadores de corrida, de um modo geral, promoverem, habitualmente, prescrições de sessões de corrida em pisos variados, como asfalto, areia e grama", comenta Esquilo.
Segundo o treinador, nem mesmo alguns recursos oferecidos pela esteira, como contagem de passos e monitoramento de frequência cardíaca, devem ser levados em conta. Até porque já se tem acesso a isso nos treinamentos de rua. "A corrida é de rua, não é? Especificidade é um princípio do treinamento desportivo. A esteira pode ser uma estratégia acessória para apoiar o treinamento de corrida, mas nunca poderá superar o treinamento outdoor. Há também a especificidade do clima. No caso de cidades quentes, o frescor das salas de treinamento, gerado por condicionadores de ar, pode fazer com o corredor tenha problemas numa prova num dia quente", diz o treinador.
AMBIENTE FAVORÁVEL. Médico do esporte, João Felipe Franca, atende pacientes na Clínica de Medicina do Exercício (Clinimex), no Rio de Janeiro, e faz coro com Marcelo Esquilo na questão da climatização, mas vê muitos benefícios no treinamento em esteiras. "Não há dúvida de que o ambiente climatizado de uma academia acostuma mal o atleta que depois terá de correr na rua, assim como a superfície da esteira, a ausência de vento e as informações de velocidade, tempo. Mas há muitas vantagens, como a superfície homogênea, manutenção de ritmo em certa velocidade, aprimorando a técnica de corrida e aumentando a eficiência mecânica. A esteira é uma excelente opção para os iniciantes ganharem ritmo e para os mais experientes melhorarem seus resultados. Mas é claro que a corrida também deve ser realizada na rua. Quanto mais se puder variar os treinos em indoor e outdoor, melhor para a performance do corredor", afirma o médico.
Levando-se em conta que a prática nem sempre corresponde à teoria e que a individualidade biológica – outro princípio científico do treinamento desportivo – pode favorecer mais a um ou outro, certamente haverá atletas com rendimentos diferentes, acima ou abaixo da média, treinando nas esteiras ou nas ruas.
"Um corredor, seja ele amador ou profissional, nunca deve abandonar de vez o asfalto. O princípio da especificidade é o alicerce de qualquer preparação esportiva. Se a prova meta é no asfalto é nele que deverá ser feita grande parte dos treinos. A esteira entra mais como uma aliada", completa o treinador Marcelo Duarte.