Correr uma maratona já se tornou parte da lista de coisas a fazer antes de morrer de muitos atletas amadores. Grande parte deles fica só na primeira e única maratona da vida. Acham que a experiência foi exaustiva demais e optam por correr, no máximo, meias maratonas. Outros experimentam um verdadeiro salto na corrida e acabam viciando. São os que fazem pelo menos duas por ano. Outros ainda dizem "gostei, mas basta uma por ano". A questão é que decidir correr ou não uma maratona envolve uma série de fatores que o atleta tem que considerar seriamente. Não apenas a motivação, mas família, saúde e trabalho são pontos nevrálgicos no sucesso ou não do desafio.
MUITA CONVERSA ANTES DA DECISÃO. Bruno Gagliardi treina 300 corredores em sua assessoria esportiva em Brasília. Apenas cerca de 10% deles são maratonistas. Outros 70% dedicam-se às meias. Destes, metade quer fazer uma maratona um dia e metade não quer nem pensar na possibilidade. "Não indico a maratona se não é o momento. A maratona interfere muito na vida do atleta amador. A meia é mais fácil de encaixar no dia a dia", explica o treinador. Segundo Gagliardi, dos saltos de distâncias em corridas – de 5 para 10 km, dos 10 km para os 21 km – o mais significativo é o de 21 km para os 42 km. "É a dobra de volume mais expressiva", afirma.
A explicação está no macrociclo de treinamento de uma maratona: o atleta corre oito meias maratonas no período que vai de 16 a 24 semanas de preparação, dependendo da experiência do corredor. São oito longões de 20 a 32 km, de acordo com o treinador. "É necessário um contrato com si próprio e a família para que a maratona não se torne um pesadelo na vida do atleta. Ouço muitas reclamações de esposas e namoradas. Além do sonho e da motivação, tem que ter muita conversa antes de enfrentar os 42 km", garante. A questão é que em cada longão, feito normalmente nos finais de semana, é preciso respeitar o corpo e fazer o descanso e a alimentação adequados, para não haver chance de baixa imunológica e lesões.
Antes de prescrever o treinamento para um candidato à maratona, Bruno Gagliardi tem sempre uma conversa séria com o atleta. Pergunta se ele está disposto a se privar do convívio social e familiar, às vezes dos filhos pequenos, para alcançar o desafio. "A sensação de vitória após uma maratona é inigualável, mas temos que ponderar os prós e os contras", salienta.
O treinador não indica a maratona se a pessoa vem de uma lesão recente, às vezes fruto de fraqueza muscular, ou para quem está com uma vida agitada, com muito trabalho, por exemplo. "Aí não recomendo, pois a maratona virá como um estresse a mais e essa prova requer tranquilidade. É um desafio físico e mental", diz.
RESPEITO AO VOLUME. Para se candidatar a fazer uma maratona, é altamente recomendável que o corredor tenha experiência de no mínimo três a quatro meias maratonas bem concluídas. Isso quer dizer que ele enfrentou com folga a barreira mental de passar duas horas correndo. Tem que estar bem de saúde e sem lesões. Segundo Gagliardi, as provas nas quais o atleta corre maior risco de sofrer uma lesão severa são as de 100 m e os 42 km. A primeira por conta da enorme força requerida em pouco tempo. A segunda porque uma maratona significa em torno de 42 mil repetições de passadas. "O corpo encara esse esforço como uma tortura. Daí a importância de se ter cuidado com o descanso, o alongamento e a musculação, para se evitar uma lesão severa, que vai deixar o corredor no estaleiro por um período muito longo. Se isso acontecer, o sonho virou pesadelo", diz.
E para aqueles que começam a correr provas de 10 km e já partem para uma maratona, o treinador garante não ser vitória, e sim demérito. "O corpo tem que se adaptar em doses homeopáticas. Ele não estranha o esforço tão grande se o aumento do volume for de 5% a 7% por semana", esclarece. Segundo o treinador, a grande maioria dos maratonistas respeita a hierarquia do volume. Aliás, correr distâncias maiores tem mais apelo entre os iniciantes do que melhorar o tempo. "Raríssimos são os alunos que preferem baixar o tempo nos 10 km a se candidatar a uma meia maratona", conta.
MOTIVAÇÃO E DISCIPLINA. O executivo Luis Claudio Giovanni Faria, morador de São Paulo, decidiu entrar para as corridas de rua após uma cirurgia no joelho. Com três anos de treinamentos, inúmeras provas de 5 e 10 km, a São Silvestre e seis meias maratonas, ele decidiu que o passo natural seria buscar uma prova que se traduziria num marco para qualquer corredor, ou seja, a maratona. Desde então, já participou das maratonas de Chicago, Munique e Buenos Aires, esta em 2012, duas vezes da maratona de Orlando (sendo que uma delas com o desafio do Pateta, no qual se corre uma meia no sábado e a maratona no domingo) e de um Ironman (que tem uma maratona ao final). O desafio seguinte será o Cruce de los Andes, em fevereiro de 2013.
Luis Cláudio aponta a disciplina e a disposição que o treinamento traz para enfrentar os outros desafios do dia, como o trabalho, a grande recompensa do esforço. "Acordar cedo (ele levanta diariamente antes das 5h para treinar) acaba se tornando algo corriqueiro, fazendo com que a melhora na saúde e o alívio do estresse se transformem numa melhor qualidade de vida", afirma.
A decisão de encarar o treino para os 42 km envolve, segundo Luis Cláudio, variáveis como a avaliação da condição física, a data da prova que se pretende fazer e o tempo disponível para treinar de forma confortável e gradual, sem risco de se machucar. "A quantidade de horas e finais de semanas para os treinos longos é fator determinante para decidir em que período do ano consigo treinar para uma maratona e qual prova escolher. Sempre busco provas com percursos e locais diferentes para manter a motivação e foco nos treinos", diz.
Aos que estão em dúvida se querem ou não fazer sua primeira maratona, Luis Cláudio aconselha: "Foque no objetivo escolhido e tenha persistência, porque certamente o treino para uma prova desse tipo é algo bem difícil e demandante. Procure acordar cedo aos domingos para treinar e não comprometer o tempo disponível para ficar com a família. Escolha uma prova num local interessante, para que a viagem faça parte do objetivo.
TESTANDO OS LIMITES. A história do servidor público Valdenir Antonio Feliz, corredor de Brasília, também corrobora a afirmação de que os 42 km parecem ser a evolução natural do corredor disciplinado e altamente motivado. Após apenas dois anos e 90 provas no currículo, entre elas meias maratonas cujo melhor tempo era de 1h29 (hoje sua melhor marca na distância é 1h26m), Feliz, como é conhecido no mundo da corrida, resolveu "tratar do tema 42 km". "Conversei com meu treinador e começamos a amadurecer a ideia, sendo que os treinos para a primeira maratona, que aconteceu em julho de 2011, começaram em dezembro de 2010. Porém, não deixei de participar de provas curtas, o que interferiu um pouco no meu desempenho e resultou em fragilização da musculatura. Senti muitas cãibras na minha estreia", relata.
A motivação para a maratona foi, é claro, a busca por novas distâncias. Não que Feliz estivesse saturado das distâncias menores. É que ele queria testar os limites do seu corpo. "Temos que saber até onde podemos ir, até onde suportamos as mazelas impostas ao nosso organismo. Queria um novo desafio, queria ir além dos 21 km e saber se era capaz de transpor o temido ‘paredão' dos 32 km", relata.
Tamanha força de vontade de Feliz tem origem em sua criação na zona rural, onde, como ele diz, o sol não pode pegar o peão na cama. "Nunca tive problemas com motivação para acordar de madrugada e encarar os longões. As mudanças de treino na maratona são radicais, pois você troca os treinos rápidos, de força e velocidade, para fazer treinos cadenciados, respeitando o ritmo que tem como meta. Caso contrário, terá um grande desgaste no final, não conseguirá cumprir o treino e se sentirá desmotivado para encarar o próximo longo", informa.
Para Feliz, o principal desafio em uma maratona é ajustar a vida social com os treinos. "São muitas horas correndo e depois muitas horas de descanso, por consequência deixamos de cumprir alguns itens de nossa vida social, como festas, encontros com amigos, cinemas, shopping etc., situação que poderá azedar a vida conjugal ou afastar os amigos. Temos que ajustar ao máximo o calendário e não deixar de atender à vida social", sublinha.
Feliz lembra, ainda, que a alimentação passa a ser diferente e deve ser considerada "com mais carinho". "Acompanhamento nutricional é fundamental, caso contrário a máquina poderá quebrar antes mesmo do dia da prova, ou no grande dia deixar você pelo caminho."
Tanta obediência às recomendações profissionais do mundo esportivo renderam a Feliz duas maratonas, uma em 2011, com o tempo de 3h30, e outra este ano, com a marca de 3h13. Apesar de recente nas corridas, Feliz tem metas ousadas e em 2013 quer baixar o tempo para 3h10, de preferência em local menos árido que Brasília e com topografia mais favorável.
ESTREIA COM MATURIDADE. Quem ainda não testou os 42 km, mas sentiu que este é o ano certo para o desafio é Denilson Morales, de São Paulo. Com 14 anos de experiência em corridas, que incluem dez meias maratonas, Denilson diz que quer chegar ao "ápice do corredor, do ser humano, o equilíbrio entre querer e poder". Com maturidade suficiente para encarar o desafio, ele acredita que o "querer" vai depender de muito planejamento, organização, dedicação, direção e controle "para realizar o que poucos realmente conseguem".
Denilson afirma que não correu uma maratona até hoje por falta de maturidade para entender cada etapa da preparação. Ele diz que o plano é simples, similar às demais provas de menor distância, com o diferencial para o volume de treino. "Com planejamento adequado às minhas atribuições cotidianas, a disciplina condizente para a responsabilidade de realizar esse tipo de prova e o entendimento de que devo seguir duas metas básicas – terminar a prova com saúde e sem lesões e fazer os 42 km entre 4h e 4h12 -, acredito que me sairei muito bem", diz Denilson, que já escolheu a maratona de Curitiba, em novembro, como sua prova de estreia. Ele não descarta, porém, que alguma insegurança ou desvio no planejamento o faça adiar o grande dia para 2013.
COMO ESCOLHER A PROVA DOS SONHOS
O turismo esportivo tem sido um dos motivos para que muitos atletas amadores decidam colocar em suas vidas a meta de correr uma maratona. Principalmente no exterior há inúmeras opções de maratonas em locais turísticos. "O corredor acaba optando por fazer meias maratonas no Brasil e realizar as provas de 42 km lá fora. É uma bela desculpa", diz Bruno Gagliardi, cuja assessoria esportiva levou ano passado 37 atletas à maratona de Berlim.
Para quem tem o sonho de fazer apenas uma maratona na vida, ele sugere a escolha de um local com vínculo emocional. "Alguma cidade que o atleta queira muito conhecer ou na qual já passou bons momentos e quer ter na chegada mulher e filhos esperando, por exemplo". Ou um local exótico, como a muralha da China, ou a Noruega, onde há a Maratona do Sol da Meia Noite. "Vai ser uma daquelas coisas diferentes na vida, um marco". Ou ainda, sugere Gagliardi, escolher uma das maratonas Big 5: Nova York (a rainha das maratonas), Chicago, Boston, Londres ou Berlim. "São provas diferenciadas na organização, valem a pena." Muitos corredores também querem comemorar o aniversário numa maratona. Escolha um bom motivo e veja se você está pronto para o desafio.