20 de setembro de 2024

Contato

Especial admin 5 de novembro de 2012 (0) (162)

Como é a fábrica de talentos da Pé de Vento

"Cuidamos bem do nosso jardim. Ele tem muitas flores e as borboletas sempre aparecem." Foi com esse toque de poesia, típico de quem, no ambiente altamente competitivo, quer aliviar a tensão, que o Dr. Henrique Vianna, treinador da Equipe Pé de Vento Caixa, disse como os novos talentos são descobertos.

"Nosso trabalho sempre foi feito com seriedade e há algum tempo colhemos os resultados. Já não precisamos ir atrás de novos talentos. Eles vêm até nós", explicou o técnico que também é médico. Duas dessas borboletas são vistas pelo treinador como fortes candidatos a defender o Brasil e lutar por medalhas nas Olimpíadas de 2016: os gêmeos Gilmar e Gilberto Silvestre Lopes.

"Não começamos agora a trabalhar os atletas que podem conquistar vitórias importantes em 2016. Isso já vem sendo feito há algum tempo. Além de treinador sou um pesquisador do atletismo de fundo. Estudamos a linha de ascensão e evolução dos atletas e sabemos que eles chegam ao auge da forma física e técnica entre os 28 e 32 anos", conta Henrique Viana, que em junho de 2013 comemora 30 anos de Pé de Vento, e que desde abril conta com o patrocínio da Caixa Econômica Federal.

Atualmente, Gilberto e Gilmar ocupam a terceira e quarta posições no ranking nacional dos 10 mil metros. Na frente, dois outros atletas também da Pé de Vento: Damião Ancelmo de Souza (33 anos) e Giovani dos Santos (31). Gilberto ocupa ainda a segunda posição no ranking dos 5 mil metros  e Gilmar a sétima posição no de meia-maratona, prova não olímpica. "E eles ainda não estão na idade que consideramos ideal para estas provas. Estão na sua linha de ascensão e evolução", afirma o treinador.

Mas como uma equipe de alto rendimento se prepara para um ciclo olímpico? Na prática, segundo Henrique Viana, pouca coisa muda. O trabalho é sempre de curto prazo – próximas competições -, médio prazo – para o ano de 2013 – e longo prazo – 2014 em diante. "Procuramos dar um bom treinamento e boas condições aos atletas. Cuidamos do caminho deles. O sucesso e os bons resultados são consequências desse trabalho. Nossa característica maior é a de formação de talentos e ao longo de nossa história até acabamos formando bons atletas para outras equipes. Agora com o patrocínio isso deve mudar e vamos conseguir manter os atletas até o auge de suas carreiras", explica o treinador.

 

EM ITAMONTE E PETRÓPOLIS. Atualmente a Pé de Vento mantém dois polos de treinamento, em Itamonte, interior de Minas, e Petrópolis, na Serra Verde Imperial, interior do Rio de Janeiro. Em Petrópolis, onde há alojamento masculino e feminino, os atletas treinam no Parque de Exposições de Itaipava. Em Itamonte, onde há espaço apenas para os homens, está sendo construído um centro de excelência para o atletismo nacional.

"O lugar foi escolhido pela possibilidade de variar os treinos no nível do mar e na altitude. Muito se fala a respeito disso, mas hoje já é fato que treinar e viver na altitude não traz benefícios adicionais. Pesquisas recentes mostram que o ideal é treinar forte ao nível do mar e fazer os treinos leves e de rodagem, assim como o repouso, na altitude", diz Henrique Viana.

Responsável pela revelação de talentos como Ronaldo da Costa, Eder Moreno Fialho, Luiz Antonio dos Santos e Franck Caldeira, a Pé de Vento apresenta números expressivos quando o assunto é o sucesso dos atletas pratas da casa. De acordo com as pesquisas do treinador Henrique Viana, no cenário nacional apenas 20% dos jovens que ingressam no atletismo obtêm sucesso no esporte na fase adulta. "Mas aqui na Pé de Vento é exatamente o inverso. Temos 80% de sucesso. E não é comum nossos atletas fazerem tanto sucesso nas categoria de base, como a juvenil. O sucesso vem mesmo na fase adulta. E sabemos que a maioria dos atletas que deixa a Pé de Vento antes de completar o seu ciclo de formação não mantém sua linha de ascensão e evolução", garante o treinador.

Geralmente com idades entre 14 e 16 anos – há casos de atletas mais velhos, mas não é comum – os jovens chegam à Pé de Vento vindos principalmente de famílias pobres do Nordeste e do interior de Minas, em busca de uma oportunidade no esporte. Em Petrópolis ou em Itamonte, os atletas treinam em dois períodos e os mais jovens são incentivados a estudar e completar ao menos o 2º grau. O acompanhamento destes corredores é minucioso e quando algum deles apresenta um potencial que o caracterize como uma jovem promessa olímpica, a Pé de Vento procura estreitar o relacionamento com a família, mas sem qualquer ajuda ou interferência do Comitê Olímpico Brasileiro.

Além dos treinos, quando têm a oportunidade de interagir com os atletas de elite, os mais jovens têm também um calendário oficial de provas, onde a Pé de Vento marca presença. José Cícero Eloy (veja boxe) acompanha este trabalho de perto. "Existem para eles provas importantes, embora com distâncias menores, que seguem as exigências da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), como os Estaduais, o Brasileiro e o Sul-Americano de Pista e de Cross Country", diz Eloy.

 

DE RONALDO DA COSTA A THIAGO ROZÁRIO

São raros os casos em que um atleta jovem chega à Pé de Vento indicado por alguém ou já com alguma bagagem de alto rendimento. Para saber o real potencial deste atleta, o treinador Henrique Viana, e os demais profissionais da equipe, seguem um protocolo de avaliação para estabelecer uma referência do seu possível sucesso no atletismo.

"Este protocolo analisa inicialmente o primeiro resultado do atleta, e se baseia no que ele fazia de atividade física nesta época. Depois coletamos todos os seus resultados até a presente data com toda a variação do seu treinamento. Também avaliamos o seu biotipo, sua vontade de correr e até seu QI. E após seis meses é feita outra avaliação para confirmar tudo."

Já passaram por este protocolo atletas como Artur Castro, Ronaldo da Costa, Luis Antonio dos Santos, Éder Moreno, Franck Caldeira e recentemente os gêmeos Gilmar e Gilberto Silvestre Lopes. Entre os mais jovens, recém-chegados à equipe, Thiago do Rozário André, 17 anos, que treina em Itamonte, já é visto como uma joia rara. O jovem recebeu nota máxima (85) e manteve a nota seis meses depois. Para se ter uma ideia de onde Thiago pode chegar, basta comparar sua nota com a de atletas que começaram sua trajetória de sucesso na Pé de Vento.

Ronaldo da Costa recebeu inicialmente nota 82 e após seis meses 85. Os gêmeos Gilmar e Gilberto, hoje com 23 anos, receberam inicialmente 82,5 e permaneceram com esta nota após seis meses. Franck Caldeira, que este ano correu a maratona olímpica, recebeu 82,5 e subiu para 83. Os resultados de Rozário tornam a comparação inevitável. "Parece um africano de primeira linha", afirma Henrique Viana.

Os números fazem da Pé de Vento uma das maiores formadoras de talentos de fundo do Brasil. Segundo dados da equipe, o índice de sucesso desde o mirim até o sub-23, incluindo as categorias Menor e Juvenil, é de praticamente 100%. E o resultado deste excelente trabalho de base reflete-se no ranking nacional: este ano, no ranking dos 10 mil metros em pista para adultos, os quatro primeiros colocados são da Pé de Vento.

Nas categorias de base a Pé de Vento também ocupa lugar de destaque. Na categoria juvenil, Thiago Rozário – com idade para a categoria Menor – está em segundo lugar no ranking nacional com 15:01 nos 5 mil metros. No feminino, Jéssica Ladeira é a primeira no ranking juvenil dos 5 mil metros, com 17:44.

E mais, segundo dados da Pé de Vento, entre os 12 melhores maratonistas brasileiros de todos os tempos, 6 formaram-se na equipe. Sendo cinco entre os dez melhores e três entre os cinco melhores.

 

CORREDOR POR ACASO: A HISTÓRIA DE JOSÉ ELOY

Pode-se dizer que o pernambucano José Cícero Eloy, hoje com 37 anos, não foi uma das borboletas que visitaram o jardim da Pé de Vento em Petrópolis.  Ao contrário da grande maioria dos atletas da equipe, que chegam por conta própria, Eloy entrou para a Pé de Vento de forma inusitada, embora sua origem seja bem parecida com a dos demais atletas.

Nascido em Garanhuns, PE, Eloy desembarcou no Rio já adulto com o sonho de ser jogador de futebol. Não conseguiu, trabalhou numa padaria e de lá foi para um grande frigorífico. Ele mesmo faz questão de dizer, com o seu jeito simples e bem-humorado, que passou "alguns anos da sua vida carregando linguiças nas costas".

Numa de suas folgas, Eloy resolveu conhecer a Cidade Imperial junto com o irmão. Nunca teve a pretensão de ser corredor, tampouco sabia que tinha algum potencial. Mas, ao saber que haveria uma corrida rústica em Petrópolis, não pensou duas vezes. Mesmo sem o material adequado – estava de bermuda e ‘conga', Eloy alinhou e largou com os outros atletas. "Não fazia a menor ideia de que aquela largada mudaria minha vida", afirma Eloy.

Ele largou e meio na loucura manteve-se na ponta da prova ao lado de Eder Moreno Fialho, atleta da Pé de Vento e então um dos melhores fundistas do Brasil. O fato, de imediato, incomodou o treinador Henrique Viana, que acompanhava a prova para fazer algumas fotos do seu melhor atleta na época. "Não era uma prova importante. Era algo festivo e a vitória do Eder era tida como certa e tranquila. Mas a presença daquele corredor desconhecido, de bermudas, fez com que eu não conseguisse fazer as fotos do Eder", conta o treinador.

Eloy correu até o km 6 lado a lado com Eder e completou a prova, de 10 km, em 40 minutos. "Quebrei no caminho e não consegui acompanhá-lo", diz Eloy. O fato chamou a atenção do treinador da Pé de Vento que logo saiu à procura daquele corredor desconhecido que quase acabou com a festa de sua equipe, e logo na cidade que a acolheu. "Não consegui encontrá-lo e já havia desistido", conta Dr. Henrique.

Mas parece que Eloy tinha um lugar reservado na equipe. "Dr. Henrique acabou me encontrando no banheiro e perguntou se eu queria entrar para a Pé de Vento. Eu fiquei espantado e perguntei: O que é Pé de Vento?", conta Eloy, que aceitou  o convite e pouco tempo depois já estava fazendo os 10 km em 28:37.

Hoje, José Cícero Eloy, formado em Comunicação Social, com inglês e espanhol fluentes, é uma referência para os jovens atletas da Pé de Vento e além de ajudar na parte técnica trabalha no setor de Comunicação e Marketing da equipe. "Nada mal para quem chegou aqui no Rio com uma enorme timidez, matutão e sempre foi bicho do mato. Costumo dizer que o atletismo me descobriu e hoje eu tento retribuir com o meu trabalho", completa Eloy. 

 

HENRIQUE VIANA, MÉDICO-TREINADOR

O treinador da Equipe Pé de Vento, Henrique Viana, é um dos profissionais mais respeitados e vitoriosos no atletismo de fundo no Brasil. Ele começou a correr em 1975, quando estudava Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Praticava esportes como vôlei, tênis de mesa e futebol. Mas nada de corrida. Tive a oportunidade de participar de uma competição interna da universidade e me inscrevi nestas modalidades. Mas decidi me inscrever também na corrida, já que todos diziam que eu levava jeito. Venci a prova e não parei mais de correr", conta o treinador, hoje com 63 anos.

Alguns anos depois, Henrique Viana mudou-se para Petrópolis e logo organizou um grupo de corridas com os amigos. O amor pelo esporte o fez inaugurar uma loja de artigos esportivos, batizada de Pé de Vento, que mais tarde daria nome também à equipe. Até então, o treinador sequer pensava na possibilidade de criar um grupo de alto rendimento. "Não imaginava que tudo tomasse esta proporção. Na época, queríamos apenas criar um grupo com uma identidade própria. Embora buscássemos melhorar nossa performance, não pensávamos em ser o que somos hoje."

Mas com apenas três anos de existência um dos atletas da Pé de Vento era destaque nacional. Em 1986, Artur de Castro chegou a ser considerado o melhor fundista do Brasil, conseguindo vitória em praticamente todas as provas de rua que disputava. De lá pra cá foram dezenas de pódios nas principais competições no Brasil e atletas de destaque no cenário internacional.

Nessa época, Henrique Viana, médico do esporte com especialização em Medicina Ortomolecular, acumulava as funções de médico e treinador da equipe. Ainda encontrava tempo para, durante 17 anos, dar aulas na Faculdade de Medicina de Petrópolis.

Veja também

Leave a comment