Especial Performance e Saúde Redação 10 de outubro de 2012 (0) (164)

Bebidas esportivas x água

A propaganda é das melhores – "Quer manter-se hidratado? As bebidas esportivas são sempre as melhores e mais eficazes opções. Não importa o nível ou intensidade da atividade física que está praticando. Repõem sais minerais, têm sabor agradável, contêm carboidratos…". A partir dos anos 80, o marketing passou a mostrar que você deve beber antes de sentir sede. Que ao senti-la, já está ficando desidratado. Mas não é de água que estão falando.

Agora, surge mais um trabalho que revela que os isotônicos podem não ser assim tão "mágicos", como mostra a publicidade. Principalmente se tomados fora da atividade física intensa. Estudo publicado no British Medical Journal (BMJ) afirma que a teoria acaba sendo bem diferente da realidade. Vale o mesmo para uma recente pesquisa das melhorias de desempenho geradas por produtos ligados à área esportiva, que carecem de fundamentação científica.

Segundo o estudo da BMJ, os isotônicos não têm poder extra nem hidratam melhor que um copo de água. A tese ganha força se analisarmos as pesquisas de Tim Noakes, professor de ciência do esporte da Universidade da Cidade do Cabo, fundamentados no livro "Water Logged", recém-lançado e sem tradução para o português.

Na corrente oposta está o poder de marketing das grandes empresas, como a Coca-Cola (Powerade), a GlaxoSmithKline, GSK (Lucozade), e a PepsiCo (Gatorade). Segundo a ideia principal defendida pelos fabricantes, quando você sente necessiade de tomar líquidos durante a prática esportiva, a água é insuficiente para hidratá-lo e as bebidas esportivas são muito mais eficientes. Será mesmo?

 

EXAGERO NA HIDRATAÇÃO. O trabalho da BMJ mostra que o fanatismo pela hidratação, a partir da década de 1980, que leva ainda treinadores a recomendarem que os corredores bebam água a toda hora, deve-se muito aos trabalhos financiados pela GSK, Coca-Cola e PepsiCo. Entre as críticas da BMJ a esses estudos estão o tamanho das amostras e conflitos de interesse dos autores. Um dos grandes problemas é a falta de trabalhos independentes para verificar a eficácia das bebidas esportivas. A pesquisa sugere que, mais uma vez, marketing e má ciência podem criar mitos, levando o público a mudar os hábitos de consumo.

A crítica de Noakes é ainda mais contundente. "Nos últimos 40 anos os seres humanos foram levados, principalmente pelos departamentos de marketing das empresas que vendem bebidas esportivas, a acreditar que eles precisam beber para ficar ‘à frente da sede para estarem perfeitamente hidratados'. É preocupante quando os médicos precisam nos lembrar que a água é o suficiente para saciar a nossa sede."

No estudo global, os pesquisadores não encontraram evidências de melhora sobre a força, resistência, velocidade ou redução da fadiga muscular em dezenas de produtos ligados ao treinamento analisados. "Todas as empresas dizem que têm uma base científica para estes produtos", disse o autor Matthew Thompson, cientista sênior na Universidade de Oxford. "Isso soa bem até você olhar para ele com um ponto de vista científico objetivo."

Thompson e os colegas examinaram a publicidade de bebidas esportivas, suplementos orais, calçados, roupas e dispositivos como pulseiras e meias de compressão, publicada em 100 revistas de interesse geral e 10 de esportes e fitness na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Os pesquisadores excluíram revistas de fisiculturismo e propagandas para perda de peso, produtos para a pele e beleza, e equipamentos como bicicletas e máquinas de exercícios. Sites também foram analisados. No total, os pesquisadores examinaram 615 anúncios em revistas. Foram pedidas respostas para diversas empresas quanto a eficácias comprovadas cientificamente do que estavam oferecendo.

A análise envolveu 104 produtos, incluindo bebidas esportivas e shakes de proteína, e estudadas mais de 400 alegações de saúde publicadas em anúncios. Os pesquisadores afirmaram que há "falta de provas" nas propagandas. Deborah Cohen, responsável pelas investigações no BMJ, afirmou que "estas mensagens enganam e filtram os conselhos de saúde todos os dias". Os autores também alertaram que as proteínas dos shakes não são melhores do que as do leite, por exemplo. "A ausência de evidência de alta qualidade é preocupante", afirmaram.

A análise foi publicada online na revista BMJ Open. Em uma das respostas recebidas, um fabricante de bebidas e comprimidos de proteína informou que a publicidade era baseada em um estudo comparativo sobre o efeito de diferentes dietas no metabolismo de ratos publicado em 1930…

 

DESIDRATAÇÃO. "As empresas de bebidas esportivas criaram um mercado através da criação de uma doença chamada ‘desidratação', que precisa ser tratada ou evitada com essas bebidas caras. Caras não apenas no custo, mas também na ingestão de açúcar e calorias", afirmou o professor Thompson.

A investigação da BMJ descobriu que as empresas têm patrocinado cientistas, que passaram a desenvolver toda uma área de pesquisa dedicada à hidratação. Esses mesmos cientistas aconselham influentes organizações de medicina desportiva, que desenvolveram diretrizes dirigidas a conselhos de saúde. Essas diretrizes influenciaram a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar, a agência da União Europeia que fornece aconselhamento independente sobre a saúde relacionada à comida e à bebida. E eles têm espalhado o medo sobre os perigos da desidratação.

De acordo com Noakes, a indústria de bebida esportiva difundiu a ideia de que a ingestão de líquidos é tão importante para o desempenho atlético quanto o treinamento apropriado. "Tornou-se comum para os atletas que a razão pela qual foi mal durante uma prova não era porque havia treinado pouco ou muito, mas porque ele tinha desidratado. Essa foi uma medida do sucesso da indústria em atletas condicionados a acreditar que o que eles beberam durante o exercício era tão importante e determinante para o desempenho como a sua formação", disse.

O estudo completo, denominado "The truth about sports drinks", publicado dia 19 de julho, pode ser lido em http://migre.me/amMnk.

 

PARA GATORADE, ESTUDO É DISTORCIDO E TEM POUCA
SEMELHANÇA COM A REALIDADE

A Gatorade do Brasil informou, via assessoria de imprensa, que mantém contato constante com renomados profissionais da área da saúde, principalmente nutricionistas e médicos do esporte, para saber a opinião deles sobre as informações técnicas em temas de hidratação e nutrição esportiva e, além disso, sobre a existência de fundamentações científicas para eles. "Assim, podemos dizer que o Gatorade Sports Science Institute vai além de informações de estudos desenvolvidos com o apoio da marca, mas também informações científicas críveis endossadas por renomados profissionais de instituições estaduais e federais no Brasil e também instituições globais", afirma a empresa.

De acordo com a Gatorade, "segurança e desempenho do atleta são prioridade há décadas e por isso mantemos os mais altos padrões éticos e científicos em nossas pesquisas". A empresa afirma que qualquer alegação ao contrário disso não tem mérito e contrasta com as ações feitas para educar melhor os atletas e desenvolver a compreensão científica do desempenho atlético. "A esmagadora maioria dos especialistas concorda que a hidratação é muito importante para os esportistas e as necessidades de líquidos variam de atleta para atleta. A descrição recente de Gatorade, do GSSI e de nossas práticas de pesquisa, publicada pelo British Medical Journal, é distorcida e tem pouca semelhança com a realidade."

 

NOVOS PRODUTOS. A Gatorade acaba de trazer para o mercado brasileiro a linha G Series, composta com produtos indicados pela marca para momentos diferentes da atividade física: antes, durante e depois, classificados pelos números 01, 02 e 03, respectivamente.

O Gatorade Prime 01 tem mais carboidratos, aproximando-se da composição de um gel, mas líquido. O número 02, denominado Perform, é o produto encontrado normalmente no mercado, enquanto o Recover 03 conta com uma combinação de proteínas e carboidratos. A distribuição do G SeriesTM em todo o território brasileiro é de responsabilidade da Probiótica.

Consultada pela CR, a Coca-Cola não se pronunciou a respeito do Powerade.

 

 

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