Especial Performance e Saúde Redação 9 de agosto de 2012 (6) (3767)

Doping entre corredores amadores

O doping está diretamente ligado ao esporte de alto rendimento e o atletismo não foge a essa regra. A justificativa: a incansável busca da performance, da melhora de centésimos de segundos que podem representar uma vitória ou uma 10ª posição. Há quem diga que a indústria do doping está sempre um passo à frente das agências de controle. Tanto que o sangue de atletas está sendo guardado por anos até que exista a tecnologia necessária para a análise. Mas e entre os amadores? O que justificaria o uso de anfetaminas, hormônios, EPO?

Não há números para comprovar o uso de substâncias proibidas entre corredores e triatletas amadores, já que não há qualquer controle ou exames para eles nas provas. Inclusive entre os atletas de elite não são todas as provas, mesmo oficiais, que contam com os testes.

O problema não se restringe ao Brasil nem é algo recente. Vem de anos. "A busca por artifícios que vão melhorar o tempo é antigo. Acontece que hoje, com a internet, há um maior acesso às substâncias químicas. Ficou mais fácil, mas existe desde o tempo em que eu corria", afirma João Traven, um dos proprietários da Spiridon, que organiza, entre outras provas, a Maratona do Rio e a Corrida da Ponte.

Comprovando que o artifício não é recente, mas preocupa as autoridades, há quatro anos, em Berlim, na Alemanha, houve uma campanha contra o doping no esporte de recreação. Na época, o porta-voz do Ministério da Saúde, Klaus Vater, informou que havia uma espécie de competição entre os esportistas amadores. A justificativa: uma pressão por resultados (de amigos, das equipes…) leva os amadores a fazer uso de substâncias proibidas para melhorar o desempenho. Já naquela época, a intenção era mostrar, especialmente aos mais jovens, a possibilidade de efeitos destrutivos para a saúde causados pelo uso desses remédios.

Nas vésperas da Olimpíada de Pequim, na China, um dos organizadores dos Jogos afirmou que o uso de substâncias proibidas estava se espalhando dos atletas da elite para a população em geral. Migrando dos esportes competitivos para os sociais, dos veteranos para os jovens. Em agosto de 2008, autoridades antidoping chinesas localizaram 450 doses de EPO, testosterona e esteroides em uma vistoria a um campo de treinamento de uma escola esportiva em Lianoning.

 

ATÉ NOS KITS. No Brasil isso ocorre raramente, mas no exterior, principalmente em provas mais longas, incluindo as ultramaratonas, muitos kits de participação já vêm com comprimidos estimulantes e relaxantes musculares, por exemplo, que, mesmo que não contenham elementos considerados dopantes pelas leis internacionais, beneficiam bastante no desempenho, principalmente retardando o início das dores musculares.

Um dos poucos organizadores que mantêm a premiação nas faixas etárias em todas as provas que organiza, Traven se mostra triste com essa proliferação do doping, mas não há como fazer qualquer controle. "É como correr com o número de outra pessoa, outro problema cada vez mais comum, infelizmente, e que também merece uma matéria", afirma. "Tenho conhecidos que contam que tomam, destacam as novas drogas, seu ‘potencial' e ‘benefícios', como falam do lançamento de um novo tênis", afirma. Uma preocupação de Traven é durante suas provas. "Atrás do número, muitos colocam o tipo sanguíneo, se tem alergia a esse ou aquele medicamento, produto, mas ninguém escreve que tomou a substância proibida A, B ou C, e podem passar muito mal durante a corrida. Temos uma excelente equipe médica na Maratona do Rio, os profissionais sabem identificar os sintomas, mas é sempre uma grande preocupação."

Marcelo Apovian, o Lelo, que foi atleta olímpico de esqui e há anos é corredor amador, lembra que mesmo na elite, quando competia, era outro mundo, havia um rígido controle e o doping não fazia parte da cultura. "Via muito pouco", lembra. "No atletismo, como no Brasil não tem um controle rígido, a não ser com quem está no topo, a elite da elite, a situação é diferente", afirma. "Conversando com médicos, nutricionistas e técnicos que militam tanto entre amadores quanto profissionais, a afirmação é que os amadores se dopam mais até que os profissionais."

De acordo com Lelo, pelo que ouve, as histórias de doping envolvem diferentes grupos. Por exemplo, os amadores com tempos entre 31 e 33 minutos nos 10 km, com 25, 26 anos de idade, que brigam por vitórias em algumas provas menores, mas sabem que precisam baixar esse tempo para concorrer a premiações financeiras melhores, entrar em uma equipe mais estruturada, chamar a atenção de um treinador… "Há outros que disputam Ironman, Meio Ironman, correm 10 km para 38 minutos, que estão competindo dentro das próprias assessorias, querendo ser os melhores, chegar na frente…"

Separando esses grupos citados, há centenas de amadores que dividem os treinamentos com o trabalho, obtendo resultados de expressão, sem qualquer substância extra. São frutos exclusivamente da genética e do esforço pessoal, correndo entre 33 e 34 nos 10 km, 1h15 na meia-maratona e sub 2h40 na maratona. Geralmente, são pessoas simples, mas que se destacam nas corridas devido a uma preparação excelente.  

 

"COMECEI A CORRER, O QUE DEVO TOMAR?"

A nutricionista Juliana Soeiro, do Rio de Janeiro, percebe no seu dia a dia o crescimento da procura por elementos que melhoram a performance. Muitos, proibidos no Brasil. "A cada ano o consumo de suplementos sem orientação profissional vem crescendo. Segundo amigos professores de educação física e até por minha própria experiência no consultório, é mais do que comum a pergunta: ‘Comecei a correr, malhar ou qualquer outra atividade; o que devo tomar?'", diz. "Essa pergunta parece inocente, mas reflete a supervalorização que as pessoas vêm dando à suplementação."

De acordo com a profissional, no mercado existem inúmeros suplementos, sendo que os mais procurados, atualmente, são os que não têm aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "Dentre eles, vou destacar o Jack3d, Lipo 6 Black e OxyElite-Pro".

Jack3d:  Este suplemento é um dos mais consumidos. Se analisarmos seus ingredientes, encontraremos creatina, arginina, beta-alanina e cafeína, todos legalizados pela Anvisa. O problema aparece com a inclusão de dois ingredientes: Schizandrol-A e 1,3-Dimethylamylamine que são poderosos estimulantes do Sistema Nervoso Central, resultando em uma euforia e disposição acima do normal. Mas não se sabe como essas substâncias trabalham, tampouco seus efeitos colaterais e se causam dependência química. A Dimethylamine, inclusive, consta na lista de substâncias proibidas da Agência Mundial Antidoping.

Lipo 6 Black: Este suplemento também é proibido pela Anvisa, mas é muito consumido, pois se trata de um produto da classe dos termogênicos, ou seja, suplementos que prometem aumentar o gasto energético e acelerar o metabolismo. Os ingredientes que compõem esse tipo de produto são basicamente estimulantes, com a liberação de adrenalina e noradrenalina. A família Lipo 6 Black é constituída por um um hormônio mais conhecido como T2. Ele tem função de modular a atividade da glândula tireoide. O problema disso? Qualquer desbalanço hormonal pode induzir a quadros de doenças endócrinas.

OxyElite Pro: É outro famoso suplemento que entra em nosso país pela porta dos fundos, visto que não tem permissão para ser comercializado legalmente no Brasil. Contém menos substâncias ativas que o Jack3d e o Lipo 6. Ao analisar seus ingredientes, somos levados a acreditar que são extratos vegetais e como muita gente acha que extratos vegetais não fazem mal à saúde, o consumo acaba sendo grande. É um produto que, em sua propaganda, garante que queima gorduras, reduz o apetite e aumenta a energia nos treinos.

 "Tem muito suplemento sendo usado por aí. Citei os mais populares. Para quem procura saúde e bons resultados nos diversos esportes, recomendo que treine corretamente, se alimente bem e descanse. Inclua na alimentação a suplementação bem feita e orientada por um profissional capacitado", afirma Juliana.

Mas por que muitos amadores procuram o caminho mais curto? "Acho que querem resultado rápido, melhora na performance do dia para noite, mesmo que tenham que colocar a saúde em risco. Acredito também que as pessoas que estão tomando esses suplementos sabem exatamente os riscos que correm, mas por pura vaidade, arriscam a própria saúde."

 

O CAMINHO MAIS CURTO COBRA SEU PREÇO

O médico e corredor Dario Garcia, de Marília-SP, diz que o doping na corrida reflete também o que vem acontecendo na vida, de um modo geral. "Pessoas buscando o caminho mais rápido, aquele em que se emprega, aparentemente, o mínimo esforço e onde os resultados são, sempre, a glória. Tenho descoberto que muitos dos corredores amadores, em que via exemplos a serem seguidos no esporte, estão fazendo uso de substâncias, lícitas ou ilícitas, para melhorar seus desempenhos. Como sou apaixonado pela corrida e defensor do fair play, sempre que fico sabendo que pessoas que eu admirava correm ‘dopados', choco-me e envergonho-me."

De acordo com Dario, obter resultados por conta do uso de substâncias proibidas é jogar sujo. "Nós corredores amadores, que visamos performance, sabemos o quanto é duro alcançar os resultados que almejamos. São meses de treinamento, abdicações, sofrimento, dieta rigorosa, horas de sono perdidas, investimentos físico, psíquico e financeiro, tudo para que consigamos evoluir no esporte. Quem não está disposto a pagar essa conta não alcançará os resultados. Entretanto, sempre há um ‘atalho' que muitos buscam e o doping é a saída rápida e fácil para os que não querem construir sua evolução no esporte."

"Como médico, fico ainda mais estarrecido porque vejo pessoas saudáveis fazendo uso de substâncias desenvolvidas para tratamento de doenças graves, que guardam efeitos adversos que podem levar seus usuários à morte. Tenho conhecimento dos efeitos de muitas substâncias, consideradas doping ou não, e, no meio amador, algumas delas têm figurado com bastante frequência de forma indevida."

Entre as drogas que ouve relatos de uso por amadores, está a Eritropoietina (EPO), um hormônio glicoprotéico de origem renal, que estimula determinadas linhagens de "células-mãe" da medula óssea para que se diferenciem em hemácias. "Atualmente está disponível em quantidades ilimitadas, pois pode ser obtida por engenharia genética. Em 1987, descobriu-se a utilidade clínica de EPO na correção da anemia na insuficiência renal crônica. Utilizada por pessoas saudáveis, ela promove o aumento do número de hemácias no sangue, gerando maior capacidade de transporte de oxigênio. Isso significa, segundo alguns estudos, aumento de até 30% na performance", diz Dario. "Entretanto, os riscos do uso indevido podem cobrar um preço caro de quem o comete. Por aumentar a viscosidade do sangue, já que aumenta o hematócrito (porcentagem de hemácias em 100ml de sangue), aumenta os riscos de eventos tromboembólicos, como trombose venosa profunda e embolia pulmonar, e de morte súbita."

Outra substância usada é o Stanozolol, mais conhecido por um de seus nomes comerciais, Winstrol. É um esteroide anabolizante derivado da testosterona. "Muito conhecido por ter sido usada pelo canadense Ben Johnson, em 1988, na Olímpiada de Seul, em que foi medalha de ouro nos 100 m rasos (cassada depois). É um hormônio com forte efeito anabólico, promovendo o aumento de massa muscular. Por não acarretar retenção hídrica, como muitos derivados da testosterona o fazem, é utilizado no meio esportivo pela falsa ideia de que reduz o percentual de gordura", explica Dario. "De fato, ele promove o ganho de massa muscular, aumentando a capacidade esportiva de quem o usa. Mas sua administração está relacionada a danos hepáticos, renais e cardíacos irreversíveis, muitas vezes fulminantes. Sem falar na redução da produção endógena de testosterona, acarretando atrofia testicular."

Ainda fora do grupo das substâncias cujo uso é considerado doping, de acordo com Dario, a Acebrofilina tem ganhado destaque e sendo usada por muitos corredores amadores, como se fosse um "suplemento". "É um fármaco utilizado por pacientes que possuem doenças respiratórias, agudas ou crônicas, caracterizadas por broncoespasmo e hipersecreção de muco, como asma, bronquite, enfisema pulmonar etc. Ela age promovendo broncodilatação, aumento da capacidade de expectoração e fluidificação do muco produzido pelo trato respiratório. Em pessoas sadias, com o intuito de melhorar a performance esportiva, ela permite um aumento da capacidade pulmonar, ou seja, do volume de ar inspirado. Além disso, permite que a musculatura respiratória trabalhe menos, evitando sua exaustão. Os riscos do uso indevido são náuseas, vômito, diarreia, tremores, taquicardia e reações alérgicas."

Assim, diante desse grave contexto, Dario questiona como corredor e médico qual seria o objetivo das pessoas que fazem uso dessas substâncias. "Será que põem na balança os riscos a que expõem suas vidas e esses objetivos? Cedo ou tarde, os abusos cometidos vão lhes dar a conta a ser paga e verão que mais barato, bem mais barato, seria ter feito o caminho mais longo."

 

 

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6 Comments on “Doping entre corredores amadores

  1. Barbaridade! as pessoas estão pirando na batatinha. perdendo o prazer da corrida, a saúde e as vezes até a vida. Não é a toa que muitos atletas morrem durante as corridas. Alguns fazem uso dessas substâncias pra chegar minutos mais rápido. Pergunto: PRA QUE?

  2. Ótima matéria ANDRÉ SAVAZONI !!!
    É uma pena que muita gente utilize este meio para melhorar seu desempenho. Infelizmente, para estas pessoas, uma hora toda esta química terá os seus efeitos colaterais. Aí será tarde demais para parar.
    Abraços

  3. Matéria ótima!
    Meu vizinho sempre fica forte em um mês durante o verão. Ele diz que ficando inchado tomando hormônio de cavalo, vai pegar muita mulher. Eu, sem tomar nada, nem passando a comer mais carne, fiquei com o corpo definido, não inchado, em 5 meses. O que ele não entende é que exercício depois de um tempo fica vez mais prazeroso, fazendo bem à saúde se não tomarmos suplementos, mas fazendo naturalmente. O maratonista mais velho do mundo, Fauja Singh, tem 101 anos e nunca comeu carne, logo não tomar proteína não os exercícios, pois vegetais tem proteína, só que menos, logo demora mais pra ficar cheio que nem um boi antes de ser abatido. Mas e daí? Se ele tem 101 anos, ele tem saúde. Os bombados morrerão antes disso.

  4. Correção: logo não comer carne não atrapalha os exercícios.

  5. Maus orientados, esses atletas amadores buscam resultados imediatos sem se importar com a sua saúde. Em cada evento esportivo eles encontram pessoas que indicam essas substancias livremente e na falta de um treinamento planejado apelam para um remédio milagroso.

  6. São uns Manes,usar essas porcarias,alem do mais irão se ferrar em breve terão vida curta com certeza,bem problema deles,são emediatistas,corro á 34 anos nunca precisei dessa lixarada,apenas boa alimentação,bom sonho,simplicidade.Abraço João Curitiba

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