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Especial Performance e Saúde Redação 9 de agosto de 2012 (0) (627)

Marcha é alternativa à corrida

Quem faz seus longos de fim de semana na Cidade Universitária, em São Paulo, muito provavelmente já se deparou com alguns marchadores treinando por ali, dividindo o mesmo espaço com os corredores. E não é exagerado dizer que aquilo que antes era apenas uma modalidade de atletas de elite, e também para os que disputam as competições na categoria master, hoje já está começando a ser praticada também por amadores, que enxergam a marcha atlética como uma atividade tão motivadora quanto a corrida.

Diferentemente do que muita gente supõe, marchar não é simplesmente "rebolar". Pelo contrário. "Se você tentar rebolar, não consegue marchar", explica o paulista Diogo Gamboa, atleta da modalidade e técnico de atletismo. Diogo, que compete no alto nível desde 1999 e sempre esteve ranqueado entre os 10 melhores do Brasil, treina com Adauto Domingues (técnico de Marilson Gomes) e desde muito cedo tenta conciliar sua vida de atleta com a atividade paralela de treinador e dono de assessoria esportiva. O marchador é um dos disseminadores da modalidade na capital paulista, num trabalho com amadores e também com as categorias de base do atletismo.

Como a maioria, seu início da marcha não foi de livre e espontânea vontade. "Costumamos falar que geralmente você não escolhe a marcha. É a marcha que te escolhe", diz ele, que é filho de técnico de atletismo e que começou a treinar ainda bem jovem com Adauto, num projeto de Xerox. "Meu sonho era ser corredor de 3.000 m com obstáculos, mas eu sempre brincava nos treinos: ‘Olha, Adauto, eu sei marchar'. E ele dizia: ‘Não é que você sabe mesmo!'"

Ainda que tivesse o sonho de ser corredor, o destino não favoreceu que conseguisse a evolução necessária para seguir em frente com a corrida. "Havia um campeonato em Ipatinga e toda criança queria competir lá. Eu era o mais novo e não tinha possibilidade na corrida. Sobrou uma vaga na marcha. Fui 2º colocado e o Adauto falou todo entusiasmado que eu iria começar a marchar", lembra Diogo. Ele ainda até tentou se manter na corrida, mas algumas lesões o obrigaram a optar pela marcha. "Por meu pai ser treinador, eu nunca tive preconceito. Eu só não queria fazer porque não era atraído por ela, embora brincasse nos treinos. No entanto, sempre senti preconceito dos outros. E até hoje isso acontece."

Diogo diz que já passou por momentos complicados, mesmo na USP, onde é mais comum ver corredores e ciclistas treinando. "Tive proposta de patrocínio, sendo que na verdade era um senhor que estava cheio de segundas intenções. Ele me via marchando e imaginava outras coisas. Até pouco tempo, no ano passado, eu estava treinando na raia e passei por cinco rapazes. Eles começaram a me sacanear e xingar. Quando olhei para trás, entraram no carro e ficou só um. Minha intenção quando paro não é para arrumar briga. Acho que faz parte do marchador tentar instruir as pessoas também", explica o paulista, que faz questão de ressaltar que não foi o pioneiro a treinar na USP, onde grandes atletas do passado marcharam ali durante anos. "Hoje as pessoas já estão mais acostumas e sabem o que é marcha." 

MARCADOR DE RITMO, MARCHANDO. Sempre com o objetivo de divulgar a modalidade, ele foi marcador de ritmo na Meia-Maratona da Corpore deste ano para o grupo de 6 minutos por km. "Foi uma coisa engraçada. Muita gente achava absurdo, dizendo que eu não ia conseguir, até por desconhecer a realidade da marcha", explica Diogo, para quem 6 minutos por km nos 21 km é um ritmo tranquilo. "Hoje estou me aproximando dos 4:30/km nos 20 km de marcha. É rápido e as pessoas não têm noção." Diogo lembra ainda que uma das coisas que ajudaram para que tivesse respeito nos meio dos corredores foi a velocidade que conseguia imprimir. "Não estou desmerecendo, mas é óbvio que, se eu fizesse 7 minutos por km marchando, as pessoas iam falar que é uma caminhada rápida. Quando você passa abaixo de 5,  já te olham diferente."

Apesar de ter boas perspectivas quando competia nas categorias de base, Diogo nunca conseguiu apenas treinar. Desde muito jovem ele divide seus horários de treino com trabalho. Formado em Educação Física, hoje ele comanda sua própria assessoria, a Gamboa Sports, que iniciou em 2010 com corrida de rua e qualidade de vida e atualmente já conta também com atletas amadores praticando a marcha atlética. Paralelamente a seu trabalho na assessoria, Diogo dirige também um núcleo de um projeto da Federação Paulista de Atletismo, chamado Esporte em Ação, em Capão Redondo, e ainda é um dos técnicos do Centro de Excelência, também da FPA, onde trabalha com jovens até 22 anos visando auto-rendimento em provas de fundo, meio-fundo e marcha.

Quando perguntado como define um marchador no meio da garotada que começa no atletismo, Diogo brinca: "As pessoas dizem: se o cara não corre bem, não salta bem e não lança bem, vai virar marchador" Mas, com os anos de trabalho e a experiência como atleta, ele começou a criar um certo protocolo para identificar os marchadores. "Se não tiver uma capacidade aeróbia boa, não vai conseguir marchar. Precisa também ter uma qualidade de percepção do corpo porque é uma prova técnica. Não é uma caminhada rápida. A marcha está entre a caminhada e a corrida. Apesar de você conseguir fazer a pessoa marchar sem muita informação, não é um movimento natural. E quando chega num alto nível, a pessoa precisa ter uma certa afinidade com alguns movimentos mais complexos para conseguir a técnica perfeita." Além de coordenação e uma percepção cognitiva diferenciada, Diogo cita também a vontade e a persistência como características de um marchador.

"No início muita gente vai achar que é fácil, mas dá muita dor. Você vai utilizar uma musculatura que geralmente não usa com tanta intensidade. O tibial do marchador é muito desenvolvido em relação ao do corredor. Na corrida você não trabalha tanto a flexão plantar e a entrada de calcanhar com intensidade", completa ele, que ressalta que no nível amador não há necessidade de ter a técnica perfeita.

 

PARA QUEM NÃO PODE CORRER.  O treino de marcha para amadores surgiu meio por acaso, quando em 2010 foi com um grupo de corredores para a Meia-Maratona de Blumenau, que incluiu como evento paralelo uma prova de marcha. "A cidade tem tradição na modalidade. Os organizadores tiveram a ótima ideia de colocar uma marcha para amadores junto com a meia", conta. Uma aluna corredora, que acompanhava o marido na meia-maratona, soube da prova de marcha e se entusiasmou. "Ela já corria, mas teve alguns problemas com lesão e estava só caminhando. Ela perguntou se poderia fazer e eu a orientei. Tem gente que não pode correr, devido a lesões relacionadas a impacto. Já na caminhada muita gente se sente desmotivada porque é algo lento para quem já corre. A marcha entra no meio dos dois e você consegue treinar intenso, como na corrida. Vai fazer tiro e elevar os batimentos cardíacos, além de poder participar de provas em alta intensidade."

E foi depois de cinco anos dedicados à corrida que a bibliotecária paulista Adriana Lima Benjamim, de 37 anos, começou então a se enveredar pelo mundo da marcha. "Achei a estética do movimento bonita. Estava há 7 meses sem correr. Eu havia me machucado e fazia exercícios de fortalecimento para recuperação de uma lesão no quadril", lembra Adriana, que completou em maio um ano na nova atividade. "O próprio movimento é desafiador. A técnica não é a mesma da corrida. Muita gente acha que é uma caminhada mais rápida, mas não é. Exige consciência corporal, força e concentração. E isso que é o barato", diz a marchadora, que gostou tanto que hoje usa a corrida apenas para melhorar seu condicionamento cardiovascular e dar um suporte à marcha atlética. "Corro uma vez por semana apenas."

Adriana conta que não foi muito fácil a adaptação. "Parecia que havia um bloqueio. A entrada do calcanhar estendido não é um movimento que nosso corpo está habituado. Parece que as pernas têm molas e a atividade trabalha bastante o tibial." Adriana está tão contente com sua nova modalidade que já participou até dos Jogos Abertos, no ano passado, competindo 4.800 metros em pista, em Pindamonhangaba, interior de São Paulo. "Não fui nem penalizada (por flutuar, ou seja, ficar com os dois pés no ar ao mesmo tempo). Passei três marchadoras e senti um pouco o que é ser uma atleta", comemora ela.

No seu passado não muito distante como corredora, Adriana tem 52 minutos nos 10 km e 1h42 na meia-maratona como melhores marcas. Como marchadora, ela consegue fazer hoje 6 km a uma média de 5:40/km. Os treinos de marcha acontecem três vezes na semana para Adriana e tem praticamente o mesmo formato dos de corrida, com "rodagens", fartlek e treinos intervalados, além de trabalhos funcionais e de fortalecimento.

Treinando no Parque do Ibirapuera, Adriana chamou atenção de um outro corredor, que resolveu deixar sua prática de quase 30 anos de lado para apostar na marcha. O empresário paulista Antonio Mansur, de 54 anos, já tinha interesse pela modalidade. E ver Adriana marchando no parque só aumentou ainda mais seu desejo.

"Eu tinha passado por uma cirurgia e estava apenas caminhando. Já faz 6 meses que estou só marchando e é muito gostoso", diz o empresário, ressaltando que no começo não foi tão fácil por causa da técnica que é preciso adquirir, para não flutuar. A dor na panturrilha foi um dos seus principais desconfortos no início, mas hoje ele diz que dá para ser divertir bastante apenas com a marcha, que pratica duas vezes na semana. "Faço 5 ou 6 km a 7 minutos por km." O empresário não se preocupa muito com o fato de ser um dos únicos no meio de tantos corredores e caminhantes. "Você vai ‘rebolar' mesmo. Mas hoje as pessoas conhecem um pouco mais e não ficam olhando muito. O preconceito está mais dentro da gente mesmo."  

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