A notícia foi dada em Praga, capital da República Checa, em maio deste ano: o número de mulheres corredoras ultrapassa o de homens. Isto nos Estados Unidos, onde elas já representam 53% dos corredores. A autora da declaração foi Kathrine Switzer, conhecida como a mulher que mudou a história quando entrou secretamente na Maratona de Boston em 1967, época em que mulheres não podiam participar da competição. Os organizadores do evento tentaram parar Kathrine durante a corrida, mas seus colegas a protegeram e ela se tornou a primeira mulher a completar aquela maratona.
Quarenta e cinco anos depois do feito de Katrine, as mulheres continuam avançando no esporte. Embora no Brasil representem menos de 30% dos participantes em provas de rua, e notadamente de pequena distância, elas estão pisando firme no asfalto e, para muitas, uma forma de ingresso nas corridas tem sido as provas exclusivamente femininas. Cada vez mais esse tipo de competição vai se multiplicando pelas capitais do país e apesar de opiniões contrárias, que consideram os eventos puro marketing de organizadores, tem atraído um número crescente de inscritas.
KITS DE LUXO. A servidora pública Silvana Soares, de 46 anos, é uma estreante na corrida. Em busca de boa forma e melhor condicionamento, adotou o esporte no início deste ano e já participou de duas provas femininas em Brasília. "Gostei muito; a camiseta e o kit direcionados ao público feminino são supercharmosos. Um diferencial foi a recepção e entrega dos kits, onde foram oferecidos serviços bacanas como massagem, manicure e aula de pilates", relata Silvana. Ela revela o que mais atrai o público feminino a esse tipo de evento: os "mimos" oferecidos pelos organizadores e o receio das corredoras iniciantes de enfrentar uma prova mais competitiva com a presença masculina. "Vi muitas mulheres caminhando e outras com seus bebês. Acho que para muitas é um momento de celebração e de encontro com as amigas, onde uma incentiva a outra e onde é possível também deixar a vaidade falar um pouco mais alto", afirma Silvana.
E a vaidade feminina parece ser o atrativo maior para as provas exclusivas para mulheres. Cada organizador se esmera para oferecer o que elas mais gostam. Sem se importarem com o preço salgado das inscrições, as corredoras elogiam os kits, que incluem desde camisetas diferenciadas com cores bem femininas, até bijouterias, nécessaires, maquiagem, viseiras, bolsas e toalhas. Massagem, aulas de yoga e pilates, manicure, avaliações com nutricionista, massoterapia e alongamento são alguns dos serviços oferecidos nas feiras que antecedem a prova e mesmo no dia.
Apesar de não ser estreante no esporte, a professora Silvia Helena Lima e Silva, de 42 anos, aprova as corridas exclusivas. Com o tempo de 49 minutos nos 10 km, ela considera essas provas interessantes justamente pela disputa ser entre o mesmo sexo. Silvia diz que até alguns anos atrás a corrida era muito voltada para o público masculino. "Isso era motivo de preconceito. Quando comecei a correr as pessoas me criticavam, achavam esquisito uma mulher que adorava correr", conta. Mas para ela, o atrativo nas corridas femininas está no kit: "É maravilhoso, fashion, toda mulher gosta. Tenho várias amigas que adoram essas corridas, não perdem uma". Sílvia revela que pelo menos nas corridas femininas não existe o risco de se encontrar um homem correndo com chip da esposa, namorada ou amiga, como tem sido comum em provas com bons prêmios para as categorias.
MARKETING. Há 12 anos organizando provas em Brasília, o analista de marketing esportivo Leandro Naves Cavalcante nunca promoveu um evento exclusivo para mulheres. Ele diz não ser contra, mas prefere aqueles que agreguem homens, mulheres, portadores de necessidades especiais e até crianças. "Fica mais completo, porém mais trabalhoso", avalia. Mesmo em casos de corridas motivadas por campanhas específicas para mulheres, como o combate ao câncer de mama, ele acredita ser importante a participação masculina. "Até porque em campanhas educativas todos devem ser educados: maridos, pais e filhos", afirma.
Leandro considera as provas femininas a evolução natural da ocupação de um nicho do mercado que começou com as academias para mulheres. Ele destaca pontos da organização que são os diferenciais para a conquista desse mercado feminino, como banheiros de melhor qualidade e em quantidade adequada, sem a concorrência dos homens. Outro ponto importante é o tamanho das camisetas; há poucos anos, segundo ele, nem se faziam camisetas específicas para as mulheres.
No entanto, ele não acredita que os organizadores invistam em provas femininas apenas pela sensibilização para estas diferenças. A questão é mercadológica. Para Leandro, as mulheres gostam de se sentir a atração principal. "Pelo menos é isso o que se vende na publicidade de todas as provas. As mensagens emitidas são sempre assim: de levantar a autoestima, de dizer que o kit é luxo, Queen, que tem uma sandália exclusiva ou que haverá maquiagem nas provas. Elas têm a certeza de que os banheiros estarão limpos e que todos os seus outros desejos estarão sempre em primeiro lugar. A largada é só delas, não tem empurra-empurra ou gracinhas de homens abusados. Há mulheres que se importam muito com tudo isso, haja vista a quantidade de inscritas nesses eventos", avalia.
BANALIZAÇÃO. Mas há mulheres que não se empolgam em participar de provas femininas. Fabiane Ferreira Caldeira Garbi, de 33 anos, corre há oito anos e já disputou algumas maratonas. Para ela, o esporte é democrático e envolve a participação de todos. Ela acha positivo provas com bandeiras de campanhas específicas, como o câncer de mama, mas não gosta de circuitos exclusivamente femininos. "Prefiro a interação com homens porque me faz querer ser melhor. Já estive em algumas provas só para mulheres e pude perceber muitos homens vestidos de mulher, banalizando a corrida e banalizando as mulheres. Isso definitivamente não é legal", revela.
A mesma opinião tem a nutricionista e corredora Anna Lou Hathaway, de 26 anos. Também com meias e uma maratona no currículo, ela não tem vontade de participar de provas femininas e prefere os circuitos mistos, mas opina a favor. "Acho que os kits são atraentes e o fato de só ter mulher deixa principalmente as iniciantes mais à vontade. Há corredoras que têm vergonha de participar de provas mistas", comenta.
Para a técnica de planejamento Flávia de Holanda Schmidt, de 34 anos, corredora desde os 18 anos, as provas femininas podem ser positivas se funcionarem como "isca" para que mais mulheres sejam adeptas da corrida de rua. "Tenho algumas amigas que participam, normalmente atraídas pelos kits. E tenho outras que apenas se inscrevem para pegar o kit e nem chegam a ir à corrida. Preferem fazer o treino conosco no sábado mesmo", revela Flávia, que treina em assessorias esportivas com foco no melhor desempenho nas meias-maratonas. "Eu não participo de provas femininas nem das de 5 ou 10 km, que nos últimos anos viraram mais eventos que corridas em si. Atividade física para mim é mais que colocar um tênis e sair correndo; é um momento de concentração, de foco, de busca de superação", afirma.
Jogada de mercado ou não, a corrida para mulheres tem potencial para não só oferecer o que elas mais gostam, mas ser usada como bandeira para a conscientização de problemas recorrentes do mundo feminino. Para Leandro Cavalcante, o Brasil precisa avançar nesse aspecto, já que as campanhas de prevenção nas corridas deram lugar às campanhas de vendas de produtos. "Antes era a Corrida e Caminhada contra o Câncer de Mama. Hoje é a corrida com qualquer nome de entidade feminina para vender produtos de marcas direcionadas às mulheres", dispara. Talvez seja este um caminho ainda a se percorrer no Brasil.