Especial Notícias Redação 1 de julho de 2012 (0) (97)

Instituto Vanderlei Cordeiro de Lima: esperança nas passadas do ídolo

Um grupo marchando, outro saltando barreiras, arremessando, muitos correndo e alguns fazendo exercícios. Uma parte já com pinta de atleta, uns apenas felizes por estarem ali.

A prática é realizada em uma pista impecável, sob comando do conhecido técnico Ricardo D'Angelo e seu mais famoso pupilo, o medalhista olímpico Vanderlei Cordeiro.

A estrutura pode dar inveja até a alguns atletas de elite: pista oficial de 400 metros com piso sintético emborrachado, áreas para provas de salto em distância, em altura, triplo, com vara, arremesso de peso, lançamento de dardo, disco e martelo. A pista tem certificação classe II e pode receber competições internacionais. Conta também com arquibancada para mais de duas mil pessoas, sala de musculação, consultórios e vestiários.

Tudo começou em 1997, com a Orcampi, núcleo de atletismo de base de Campinas e de onde surgiram destaques como a saltadora Fabiana Murer. O foco era rendimento e a descoberta de novos talentos. Em 2008 houve a criação do Instituto Vanderlei Cordeiro de Lima, com um projeto mais amplo, não apenas de performance, mas de inserção social pelo atletismo. Assim, a equipe Orcampi foi englobada pelo IVCL e ficou com a área dos atletas de alto nível. "Entre 10-20 atletas da seleção brasileira saem daqui. No Mundial do ano passado foram 6 e no Pan-Americano 7", conta D'Angelo.

Até 2010, quando houve a inauguração do CEAR e a mudança do projeto para lá, funcionava nas dependências da Unicamp, que ainda é uma das parceiras do Instituto.

Apesar do time de ponta que cuida dos atletas de rendimento, durante a conversa com Vanderlei Cordeiro percebe-se o brilho nos olhos ao falar do outro núcleo, a escolinha, que atualmente está com 120 participantes. O objetivo não é apenas formar futuros campeões, ainda que essa seja uma conquista frequente. A ideia principal é, por meio do esporte, proporcionar vivências únicas para essas crianças, a maioria vinda de regiões carentes da região metropolitana de Campinas.

Para Vanderlei, é a chance de mostrar a elas o que o esporte pode proporcionar, e não há exemplo maior que sua própria vida. "Para mim é uma realização pessoal poder proporcionar isso às crianças. E uma forma de me manter, de alguma forma, próximo às pistas, porque para um atleta é impossível ficar longe por muito tempo e infelizmente a ‘aposentadoria' chega cedo demais pra gente", diz.

Até pouco tempo atendiam crianças a partir de 11 anos, mas hoje já recebem as menores por causa da grande procura de uma comunidade de baixa renda ao lado do Centro de Treinamento – muitas vezes as crianças chegam até lá para buscar uma pipa que caiu e se interessam ou, devido às condições socioeconômicas, buscam a entidade primeiramente interessadas no lanche fornecido pós treino.  Uma contrapartida é que só podem frequentar se estivem indo à escola.

"Muitos dos nossos atletas têm irmãos menores, e para que estes não ficassem em casa sozinhos, começaram a trazer para participar das atividades também, e formamos um grupo especial com o objetivo de trabalhar de forma lúdica e recreativa, e já despertar o prazer pela atividade física", explica a psicóloga do projeto, Simone Meyer Sanches, há 8 anos no projeto e presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte.

É o caso de Higor Dias Ramos, 15 anos, que participa desde 2011 e levou o irmão mais novo. O tímido garoto de Sumaré adora os dias de treino de salto com barreiras, mas torce o nariz quando o trabalho é salto em distância. "O que eu faço aqui é muito mais que só uma atividade, não dá para explicar. Meus pais ficam muito contentes, porque eu era muito agitado e agora canso aqui e fico mais tranquilo em casa", brinca.

Uma pesquisa indicou que a maioria passava o período que hoje estão no projeto em casa vendo televisão ou na rua. Também se constatou aumento dos hábitos de saudáveis, como a melhora na qualidade da alimentação – deixando um pouco de lado salgadinhos e outras guloseimas. Outro benefício apontado é a aceitação do corpo, pois o atletismo favorece muitos biotipos, já que abrange provas que englobam magros, fortes, mais altos e mais baixos. "Temos que ressaltar o que cada criança tem de bom para que elas não sejam olhadas somente pelos "talentos" que possuem ou não, mas pelo desejo que elas possuem de aprender e de se desenvolverem, como atletas e como pessoas", explica Simone.

 

TRÊS FRENTES DE ATUAÇÃO.  O centro está estruturado em três grandes núcleos: educacional, profissionalizante e esportivo. A seriedade do projeto fez com que passasse incólume pela recente enxurrada de denúncias envolvendo as ONGs esportivas.

Vanderlei, que mora no Paraná, é presença frequente no Instituto e isso facilita a credibilidade com os patrocinadores. "Nossa maior dificuldade é a captação de renda. Temos excelentes parcerias, mas se houvesse mais recursos poderíamos chegar a atender 400 crianças e dar melhores condições aos atletas em desenvolvimento. A quase totalidade do orçamento chega pela Lei de Incentivo, e os principais patrocinadores são CPFL, Unimed Campinas, Samsung, 3M, Fundação DPaschoal, banco Original e BM&F Bovespa. Temos 10 profissionais e para nossa satisfação muitos são ex-atletas daqui que fizeram faculdade e agora trabalham conosco", conta D'Angelo, que foi treinador-chefe do Brasil nos Jogos Olímpicos de Pequim.

 

UNINDO FORÇAS. Perguntados em momentos distintos e separadamente sobre qual a maior lição que tiveram no Instituto, três adolescentes deram a mesma resposta: terem ouvido do próprio Vanderlei para nunca desistir. Um deles foi Geovanne Jacobi Santana, 17 anos, morador de Sumaré que treina há três anos e tem paixão pela marcha atlética. "Um professor de educação física viu que eu levava jeito e me indicou. Hoje, se não fosse isso, eu não saberia o que fazer da vida. Apesar de ser normal encontrar o Vanderlei aqui, não deixa de ser uma inspiração muito forte, sempre", disse, antes de partir para seu segundo tiro de 5 mil metros.

De fato, a importância do IVCL para os participantes é tocante. A psicóloga Simone conta sobre casos que mobilizaram muito a equipe, como o atleta que luta contra a leucemia há quase dois anos e continua treinando e competindo. "Quando fui visitá-lo no hospital, logo após o diagnóstico e início do tratamento, vi que ele estava com o uniforme da equipe. Acho que foi uma comprovação do quanto a sua identidade está atrelada ao ‘ser atleta'. Em um momento em que a vida estava totalmente alterada pela doença, a base da sua identidade se mantinha. Ele ainda está em tratamento, porém já retornou aos treinos e até as competições", relata a psicóloga.

 

FORMAÇÃO COMPLETA. "Buscamos oferecer formação integral ao jovem, mesmo que não tenha potencial atlético. Se tiver, vai treinar corretamente, mas seguindo uma periodização adequada para sua idade. É muito fácil errar a mão e forçar demais um jovem, aplicando cargas incorretas com desejo de resultados, mas não é isso que queremos aqui. Consideramos a idade biológica e cronológica e as diferenças de gênero – até porque na adolescência as meninas são mais precoces e se saem melhor nas atividades físicas", explica D'Angelo.

Os participantes treinam três vezes na semana, e recebem uniforme, transporte para competições, inscrições, suporte nutricional, apoio psicológico, fisioterapia, planos de saúde e bolsas de estudos em alguns casos. Muitos acabam optando por carreiras ligados ao esporte como Educação Física, Fisioterapia, Nutrição e Psicologia.

"Nosso propósito é o de educar pelo esporte. Oferecemos ótimas oportunidades para que esses jovens descubram que existem várias opções na vida. Quantos nunca tinham saído da cidade ou do estado e por conta de competições até já saíram do país! Claro que encontramos atletas que vão se desenvolver no futuro, porém educar, fornecer valores e saber que alguns tiveram sucesso na vida pelo que pudemos transmitir nos da sensação de dever cumprido. Sabemos que do total que entra em prática esportiva apenas entre 10 e 15% se torna atleta de destaque. Isso nos dá uma grande responsabilidade. Atletas sairão, porém se fizermos cidadãos melhores, atingimos nosso objetivo", aponta o treinador Evandro Lázari, ele mesmo um dos que começou como atleta da Orcampi, formou-se em Educação Física e fez mestrado em Ciência do Esporte na Unicamp e é também treinador do Clube de Atletismo BM&FBovespa.

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