Em princípio quem se matricula em uma academia tem em mente que fará treinos e aulas em um lugar fechado, certo? Sim, mas até pouco tempo atrás. Notando uma busca cada vez maior pela corrida e por outro estilo de vida, as academias começaram a investir na criação de grupos que deixaram as esteiras para ocupar ruas e parques.
Nas cidades menores e que não contam com assessorias esportivas a presença desses grupos é ainda mais forte e muitas provas criaram premiações exclusivas para eles, como a Integração, de Campinas. A academia que mais levou alunos na última edição tinha 31 corredores. Não é muito ainda, mas o suficiente para notar um novo perfil surgindo nesses lugares até então só dedicados à musculação e aulas de ginástica. Na 10 Km Tribuna FM, em Santos, essa participação é ainda mais expressiva, com dezenas de academias, algumas com mais de 150 participantes.
Fabrício Andrade, professor de corrida da Cia Athletica, de Campinas, contou que os treinos outdoor começaram com 15 alunos na Lagoa do Taquaral. "Atualmente temos de 25 a 30 pessoas por treino. A ideia foi motivada pelo fato de hoje termos um expressivo número de alunos frequentando corridas, e em provas locais estamos com bastante participação. Na última edição da Track&Field Run Series no Galleria Shopping colocamos 102 alunos", comemora Andrade, acrescentando que apesar de oferecer os treinos fora da academia, a procura pelas aulas na esteira ainda é muito grande. São oito aulas na semana com 20 alunos cada. "Nossos encontros do grupo de corrida são realizados em parques (Taquaral notadamente) ou em áreas de fácil acesso e seguras, como no distrito de Joaquim Egídio. Estes eventos favorecem a integração entre alunos e professores, o que estimula todos a se sentir melhor, e é muito positivo", aponta Luiz Eduardo dos Santos Lucas, outro professor de corrida da academia campineira.
Uma das alunas do grupo é Valquíria Celina Garcia, 51 anos. "Comecei a correr com mais frequência e estímulo na academia. Sempre gostei, mas me faltava vontade e tempo para a prática. Foi então que, em face do estresse ocasionado pelo trabalho, por vontade própria, mas também por recomendação médica, resolvi frequentar a academia para disciplinar-me nos exercícios físicos. Não havia pensando em correr com assessorias esportivas nem me passou pela cabeça que mesmo na academia poderia fazer uma atividade outdoor. Mas lá comecei a ser estimulada pelos professores e a dar importância aos exercícios em geral e principalmente ao que mais gosto de fazer, que é correr. Participei de todas as provas realizadas em Campinas de 2010 e 2011 – Integração, da Lua, Serie Delta, Boldrini, Oba, Baton e 5 milhas – Valinhos", conta.
INTERESSES DIFERENTES. Na rede Bio Ritmo em São Paulo há grupos diferentes. "Temos o Bio Running Class, que é na esteira. Eles participam de corridas de rua e formam equipes para provas em revezamento ou correm em parques próximos às unidades. São aproximadamente 200 pessoas por unidade. Quem procura performance e quer fazer maratonas ou ironman vai para o Bio Running Plus. Estes recebem uma planilha individual e podem frequentar os treinos em seis pontos da cidade, com acompanhamento de professores especializados. Há treino em todos os dias da semana, exceto domingo e este grupo possui aproximadamente 60 pessoas. Algumas unidades, como a de Santana, possuem grupos de corredores que vão para pontos externos, com uma estrutura reduzida e sem acompanhamento personalizado. São pessoas que se unem para praticar, trocar experiência e principalmente se divertir", explica Ronaldo Martinelli, responsável pela área.
Martinelli, vale ressaltar, é treinador da assessoria 5 Ways, e demonstra como as academias têm levado a sério a história, contratando professores especializados para as aulas de corrida. Na Competition, outra rede da capital, a área de corrida fica a cargo do treinador Aulus Sellmer, da 4any1 Assessoria Esportiva, e articulista da CR.
ALÉM DO ISOTÔNICO. E se as academias estão ‘invadindo' a praia (ou os parques, melhor dizendo) das assessorias, por outro lado também se vê que as estas inserem na rotina elementos que eram até pouco tempo atrás restritos ao treino fechado, buscando complementar a corrida com exercícios utilizando bolas, elásticos, pesos, caneleiras e plataformas instáveis. Além das tendas com frutas, bebidas esportivas e colchonetes para apoio, esses outros ‘apetrechos' estão cada vez mais comuns. E a razão é simples: com a proliferação das assessorias, é preciso se destacar. Com isso, ganham os alunos que têm horror a treinar em ambientes fechados, sentindo-se desmotivados só de pensar nas três séries de 15 repetições da musculação.
"Eu não suporto academia, não é meu perfil. Já me matriculei várias vezes e não consegui levar adiante, ainda que eu saiba o quanto seria desejável. Já a corrida treino três vezes por semana, certinho, e em um deles faço os trabalhos de fortalecimento no parque com minha assessoria, que me ajudam muito. Para mim foi ótimo conseguir unir as duas coisas dessa forma", conta a médica Yolanda Satie Nakano, de São Paulo.
Uma das assessorias mais antigas a utilizar a estrutura de parques para trabalhar a musculatura de uma forma diferente e complementar às passadas foi a de Flávio Freire. "Hoje no circuito de treinamento funcional utilizamos mais de 40 tipos diferentes de materiais esportivos. Este trabalho é feito nos dias em que o aluno não corre ou nos treinos de curta duração e baixa intensidade. O circuito é uma modalidade que se baseia na utilização de toda a musculatura necessária para as atividades do dia a dia e no fortalecimento de músculos auxiliares importantes na corrida", explica Freire.
MUSCULAÇÃO COMPLEMENTAR. Em Florianópolis a Integral Assessoria Esportiva também leva um aparato ‘móvel' considerável para os locais de treino. "Nós utilizamos colchonetes, elásticos e bolas, pois são fáceis de carregar e com eles é possível realizar um fortalecimento das partes do corpo exigidas na corrida: membros inferiores (panturrilha, coxa e glúteos), musculatura das costas, abdome, trapézios e membros superiores. Muitos corredores não conseguem aliar a musculação em uma academia aos treinos de corrida, seja pela condição financeira ou pela falta de tempo, então tendo em vista que existia essa falta de fortalecimento muscular decidimos fazer, pois estes exercícios são muito importantes para evitar lesões musculares e articulares. Mesmo com aqueles que já fazem musculação, costumamos complementar com exercícios que não são realizados normalmente na academia", comenta Thiago Luiz Alves, que dá os treinos no Parque dos Coqueiros e na Beira-Mar Norte da capital de Santa Catarina.
O treinador Emerson Silva, da Record Sports de São Paulo também acredita que com certos elementos possa suprir a necessidade de alguns alunos na questão do fortalecimento muscular e leva seu aparato ao Parque do Ibirapuera. "Gosto de trabalhar com caneleiras, elásticos, cordas e bambolês. Com o elástico, por exemplo, podemos fortalecer bíceps, costas e ombro. Em seguida percebemos que muitos alunos precisam de um estímulo a mais para sentirem o efeito. Tudo depende da época do treino e do objetivo: se ele quer melhorar a performance nas corridas, a academia seria uma opção dispensável, mas se quer ganhar massa muscular e a corrida é somente para perder massa gorda, eu indico um trabalho paralelo com auxilio de equipamentos apropriados", sugere.