Na edição de janeiro, publicamos o relato de Rodinei Pereira, um de nossos assinantes. Corredor de longa distância, aos 60 anos ele resolveu correr 3 maratonas em 3 semanas, fora do país. Devido à idade, embora fizesse exames urológicos semestralmente, poucos dias antes de viajar foi surpreendido com o diagnóstico de câncer de próstata. Liberado pelo médico, viajou, correu as três provas, voltou e concluiu o tratamento indicado. Em recuperação no momento, garante já estar pensando em repetir a dose e correr novamente 3 maratonas seguidas no fim deste ano.
O relato em questão provocou comentários de outros leitores. Então, objetivando esclarecer as dúvidas levantadas, entrevistamos dois urologistas a respeito do assunto: José de Anchieta Machado Nóbrega, médico do Hospital Bandeirantes, SP, e Luis Henrique Rodrigues Tanure, responsável pelo Serviço de Urologia do Hospital Paulistano e médico assistente do Serviço de Urologia do Hospital Beneficência Portuguesa, SP.
As perguntas foram objetivas e voltadas para as possíveis inter relações entre corrida e próstata. Aproveite e tire você também as suas dúvidas.
Genética, alimentação, estilo de vida… No geral, quando comparados entre si, sedentários e esportistas estão igualmente propensos a ter problemas de próstata ou um dos grupos torna-se mais vulnerável em relação ao outro? Qual e por que?
Luis Henrique: Estudos recentes mostram que pessoas sedentárias têm uma maior possibilidade de ter câncer, não só câncer de próstata (CaP), mas também outros tipos de câncer. Não se sabe muito bem o porquê, mas a atividade física serviria para manter o peso adequado que, segundo a Sociedade Americana de Câncer, seria um dos fatores de risco. No câncer de próstata, acredita-se que um dos fatores seria a manutenção dos níveis hormonais elevados que, após os 40 anos de idade, começam a diminuir, e que serviria como uma proteção para a mesma.
José de Anchieta: No quesito genética, sabe-se que filhos de pais que apresentaram câncer de próstata possuem 5 vezes mais chance de apresentar o problema no decorrer de suas vidas. Com relação à atividade física, é sabido que a obesidade pode ser um fator de risco e dessa forma a prática de exercícios é benéfica na prevenção.
Comenta-se que entre esportistas os problemas de próstata costumam ser mais comuns em praticantes de ciclismo e de equitação. Supostamente a razão seria o contato da região contra o selim ou a sela. Outros, ao contrário, acreditam que tais práticas, por massagearem a região, reduzem os riscos. Há fundamento em alguma dessas afirmativas?
LH: Sabe-se que a prática do ciclismo e da equitação pode elevar os índices de Antígeno Prostático Específico (PSA). Mas este fato não significa que estas práticas sejam prejudiciais à próstata. O que se sabe é que os praticantes, tanto o de equitação como o de ciclismo, podem ter uma chance maior de ter prostatite, que é uma infecção da próstata, provocada pelo atrito sobre a mesma.
JA: Não há fundamento nessa afirmação. A próstata localiza-se abaixo da bexiga e não sofre o impacto direto nesses casos: o que se sabe é que os ciclistas de alta performance podem ter prejuízo de ereção por pressão no períneo e, consequentemente, na porção mais interna dos corpos cavernosos.
Correr também pode provocar alterações na próstata? Por que? Nesse caso seriam elas benéficas ou maléficas?
LH: Toda atividade física é importante para a próstata, desde que de forma regrada e rotineira (não esporádica). Quanto às corridas, existe um único trabalho publicado em 2008 pela revista Medicine & Science in Sport & Exercise, que afirmava que os que corriam apresentavam um risco menor de sofrer do crescimento benigno da próstata. O risco diminuiria quanto maior a distância percorrida por semana e também quanto melhor a performance em um teste de 10 km. Portanto, as alterações são sempre benéficas e a explicação é relacionada à manutenção dos níveis hormonais.
JA: Recentemente foi verificado efeito benéfico em corredores de 10 km para a prevenção do CaP; os motivos podem estar relacionados às alterações hormonais, como também o já mencionado combate à obesidade.
Classificando os corredores em velocistas (curta distância) e fundistas (médias e longas distâncias), qual dos dois grupos está mais propenso a enfrentar problemas de próstata devido ao esporte? Por que?
LH: Teoricamente, por tudo o que foi colocado, não existe nenhuma incidência aumentada em relação a problemas prostáticos em corredores. Nem de fundistas, nem de velocistas. Ao contrário, tanto um quanto outro têm suas próstatas protegidas pela prática do esporte, aliado a uma boa alimentação, que é normal em quem pratica o esporte (uma dieta rica em fibra, verduras, legumes, frutas e cereais integrais).
JA: Não vejo correlação, até o momento, entre fatores de risco e modalidade de corrida praticada.
Após certa idade, o recomendável é que sejam feitos exames de próstata (toque retal e PSA) anualmente. O fato de fazê-los com defasagem de 6 meses (por exemplo, toque em março e PSA em setembro) – e assim ter duas avaliações em momentos distintos dentro de um mesmo ano -, confere alguma segurança maior ao paciente?
LH: Não confere. Normalmente se faz os exames juntos por questão de praticidade e porque são complementares. Tanto o toque retal quanto o PSA são indicativos de que algo não vai bem com a próstata. Nenhum faz o diagnóstico de câncer de próstata. Apenas indicam quem vai e quem não vai ser submetido à biópsia de próstata. Apenas ela é capaz de dizer quem tem câncer.
JA: Não há indícios de maior segurança para o paciente em se distanciar os exames; a boa prática urológica recomenda a avaliação prostática anual para todos os homens acima de 45 anos (40 anos para filhos de portadores de CaP) e, se houver necessidade de menor prazo devido a eventuais alterações em exames, o urologista determinará que periodicidade é indicada para cada caso.
Considerando a evolução normal da doença e as características e intensidade do esporte que praticam, ciclistas, triatletas e cavaleiros deveriam procurar fazer seus exames com periodicidade ainda menor?
LH: Não. A Organização Mundial de Saúde recomenda que os exames sejam feitos uma vez ano a partir dos 45 anos para quem não tem casos de câncer de próstata na família, e para quem já tem casos de câncer de próstata, iniciar a partir dos 40 anos. Em situações em que existe uma forte suspeita de que o paciente pode ter câncer, porém ainda não manifesto, ou em populações específicas, estes exames podem ser realizados a cada seis meses, mas estes casos são a minoria e devem ser sempre analisados pelo médico que acompanha o paciente.
JA: Não vejo essa necessidade.
Além dos já conhecidos exames de toque e PSA, há modernamente algum outro que também deva ou possa ser feito de forma preventiva?
LH: Existem muitas pesquisas pelo mundo tentando descobrir outros marcadores tumorais que sejam mais fidedignos que o PSA e que seja menos desconfortável que o toque retal, porém ainda não se conseguiu nada mais confiável que a somatória dos dois exames. Eles podem, eventualmente, errar, portanto a somatória dos dois é mais precisa.
JA: Nos dias de hoje, esses são os exames que dispomos para a detecção precoce do CaP. Outros exames mais sofisticados, com PSA mais sensível, ainda não estão disponíveis para a prática clínica.
Em que casos a ultrassonografia de próstata é indicada?
LH: A ultrassonografia vem melhorando muito quanto à qualidade de imagem e sua precisão na hora de medir o volume da próstata e a heterogênicidade da mesma. Pode servir para medir o tamanho e o grau de obstrução provocado pelo aumento da próstata, bem como se existe ou não infecção na mesma; porém não é totalmente confiável e depende muito do operador do ultrasom.
JA: Para aferir volume prostático e em casos de suspeição do CaP para biópsia trans-retal da próstata.
Por ocasião da realização dos exames de PSA, somos recomendados a não pedalar, evitando assim possíveis alterações nos resultados. Em certos casos, e pelas mesmas razões, deveriam também ser evitadas as corridas ou sua interferência é desprezível?
LH: Existem estudos que mostram elevação dos níveis de PSA após corridas de longas distâncias (maratonas e meias), porém estes estudos necessitam de maiores comprovações. Eu já tive um paciente que colheu um PSA um dia após uma prova de rua e que teve seu PSA elevado. Posteriormente refizemos o exame e ele veio normal. Uma boa conduta seria que os corredores evitassem treinar ou correr, de três a cinco dias antes de colher um PSA, assim como se recomenda não pedalar, montar a cavalo, manter relações sexuais ou ser submetido ao toque retal neste período.
JA: Creio que não há interferência das corridas no resultado do PSA. Há ainda controvérsia quanto ao exame ser realizado logo após toque retal, relação sexual, cavalgada e isso necessita de mais estudos para comprovação.
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sou o altor da primeira corrida sobre a saude do homem