Um tênis, um short de corrida e uma camiseta são as únicas coisas que a maioria das pessoas precisa para desembarcar em qualquer lugar do mundo e sair correndo. Ainda que seja tentadora a ideia de poder correr em locais diferentes, é necessário atenção para não se colocar em situações de risco ou de ficar perdido por algum tempo. Reunimos alguns corredores que viveram momentos embaraçosos e que fazem aqui seus relatos, aproveitando para dar dicas para que outros não passem pelos mesmos problemas.
DUAS JARRAS DE CALDO DE CANA. O advogado carioca Pedro Alquéres tem 10 maratonas e sabe muito bem o que é correr cada vez num lugar. "Sempre aproveito para treinar quando viajo", diz ele, que com frequência trabalha por dois ou três dias em outras capitais do Brasil, e geralmente também está fora do Rio nos fins de semana.
Segundo Pedro, até agora não esteve em lugar onde não pudesse correr, mesmo que isso exigisse encarar subidas íngremes, trilhas, corridas no meio da cidade ou por favelas. Sem a preocupação de ter um GPS para guiá-lo ou qualquer outra parafernália eletrônica, o advogado se considera um purista entre os corredores, o que de certa forma até facilita sua vida de corredor-viajante.
"Levo apenas um tênis e um short, o que até facilita muito em viagens. Normalmente, saio do hotel e vou descobrindo rotas para correr. Isso é até uma forma de conhecer os arredores e me localizar nos lugares onde estou. Em algumas raras ocasiões pesquisei sobre determinada região, para saber se existia algum parque ou trilha para corrida."
Apesar do espírito mais aventureiro, de sair correndo em direção ao desconhecido, Pedro confessa que já se perdeu várias vezes pelo caminho. "Na Patagônia, saí para trotar durante uma hora e voltei três horas depois, exausto e gelado de frio. Na minha lua-de-mel, em um resort no litoral de Santa Catarina, saí para uma corrida de 3 horas, contando encontrar algum bar para comprar água. Após 2h30 de corrida, numa estrada deserta, sol a pino, vi uma banquinha de caldo de cana. Mesmo não gostando muito, bebi duas jarras!"
Dicas do Pedro: Acorde cedo e saia para explorar os arredores. Nas primeiras horas da manhã, as ruas são mais vazias, ideais para quem quer conhecer o local. E, terminando cedo, podemos depois tomar um bom café da manhã e aproveitar tranquilo o motivo da viagem, trabalho ou lazer. Outra coisa que é importante é a segurança em lugares desconhecidos. Sugiro avisar no hotel ou pousada que está saindo para correr e até mesmo perguntar se há perigo em correr em determinados locais. Já escutei várias histórias de amigos assaltados correndo em lugares desertos.
UMA MARATONA INESPERADA. Quem também tem uma história interessante é a dupla de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, Ricardo Halah e Maximilian Borges. Os dois amigos saíram para um treino de 20 km, como parte da preparação para a Maratona do Rio de 2010. "Pegamos a estrada em direção a Bonfim Paulista (distrito de Ribeirão)", lembra Ricardo, comentando ter avisado a esposa que chegaria cerca de 2 horas depois, mas não foi bem isso o que aconteceu.
"Na estrada para Bonfim, encontramos um casal de corredores que nos acompanharam por alguns metros e neste pequeno trecho eles nos contaram sobre uma estrada de terra logo depois de Bonfim e que este trajeto era muito bonito e muito bom para treinar", lembra Ricardo, que, junto com o amigo, resolveu apostar na nova rota e seguir adiante num trajeto que acreditava ser mais animador. A dupla completou 10 km bem antes do que esperava e, com sol fraco, temperatura agradável, o que é coisa rara nessa região, revolveu então ir mais para frente. Chegaram a 15 km e a estrada, com vários sítios, fazendas e canaviais, parecia não dar em lugar nenhum. Foi somente perto do km 20 km, quando o treino deveria já estar finalizado, que os amigos chegaram a Cravinhos, uma pequena cidade da região. O jeito foi continuar correndo para voltar ao ponto de partida. O treino totalizou 4h30 e foi batizado como "1ª Maratona Ribeirão-Cravinhos".
Dicas do Ricardo: Quando corremos em rodovias vamos sempre pelo acostamento na contra-mão, para ficarmos de olho nos carros e caminhões. Depois daquela "maratona", procuramos manter o trajeto previamente combinado e devidamente informado aos familiares, inclusive sobre o tempo estimado de duração. Além disso, não custa levar celular e dinheiro.
COM A ROUPA CERTA. Corredor há 18 anos, o comerciante Andrei Luis Goelzer Bratz, de Carazinho, RS, também tem que se virar para dar conta da planilha de treinos, já que viaja com frequencia tanto a trabalho quanto para competir. "Digo que nunca viajo de férias, pois sempre encaixo uma prova, e normalmente os destinos são definidos por interesse em determinada corrida. Viajo pelo menos 3 vezes por ano para fora do país, e ultimamente tenho frequentado bastante os vizinhos da América do sul, pela comodidade e preços em conta, principalmente na Argentina, que tem uma grande variedade de provas", diz Andrei.
"Sempre tento correr quando viajo, mas nem sempre consigo fazer exatamente o treino que gostaria, então adapto como posso e nestas circunstâncias qualquer coisa que se faça é lucro. Certa vez, na parada de um vôo em Los Angeles, aproveitei para treinar, tomei um banho e embarque no último minuto". Para dar conta desses treinos extras, ele procura sempre ter na maleta de mão roupa e tênis apropriados.
Os trajetos em locais ainda desconhecidos são escolhidos por pesquisas antecipadas ou mesmo in loco, perguntando nos hotéis, onde geralmente as pessoas dão boas dicas, principalmente de onde não ir. Mesmo tomando os devidos cuidados para se orientar em relação ao percurso, Andrei gosta de sair sem rumo, principalmente em treinos de rodagem, para descobrir a cidade e suas nuances, lugares que às vezes não são percebidos quando de carro ou outro meio.
Mas nem sempre as coisas não saem como planejado. Andrei lembra uma vez quando estava hospedado num hotel em Canela, na Serra Gaúcha, e resolveu sair para fazer um treino de 19 km. "Como Gramado é ali pertinho, sai faceiro na chuva já com a distância e roteiro estipulado, porém sabia que teria que rodar uns quilômetros dentro da cidade para fechar a distância. Aí que foi o problema. Comecei a rodar pelas ruas arborizadas e muito parecidas de um bairro até que me perdi completamente. Comecei a correr por dedução (diga-se teimosia, pois era só procurar no GPS) e não havia nenhuma alma viva que pudesse informar", conta Andrei, que depois de vários quilômetros encontrou uma rua conhecida e descobri que estava no sentido completamente oposto ao que pensava ir.
Em cidades mais complicadas, ele procura levar um mapinha, daqueles dados no hoteis mesmo, dinheiro, documento e principalmente o endereço do hotel para casos extremos. No quesito segurança, à noite, ele procura evitar lugares muito arborizados e fechados em parques e praças, como também ruas de pouco movimento e lugares ermos. "Prefiro correr em lugares movimentados e até com trânsito de automóveis, coisa que evitaria normalmente, mas assim as probabilidades de ser atacado diminuem bastante", explica ele.
Dicas do Andrei: Correr é de uma logística extremamente simples, que toma pouco tempo e é maravilhoso para explorar lugares desconhecidos. Requer apenas vontade e um pouquinho de planejamento para evitar problemas, que podem aparecer se você não é acostumado a viajar ou a sair sem rumo em uma cidade desconhecida. O GPS é a melhor opção para um treino em um lugar desconhecido, pois temos sites onde podemos baixar os percursos pré-existentes e criar novos de acordo com a nossa vontade. Outra dica é saber o clima e levar indumentária adequada, pois, com o equipamento certo, se treina em qualquer lugar.
OLHO VIVO, PARA NÃO SER ATROPELADO. O engenheiro paulista Roberto Shigueo Suzuki vive em Miami e viaja pelo menos duas vezes por mês a trabalho, já acumulando a quantia 3,5 milhões de milhas. "Normalmente viajo por toda a América Latina, mas os destinos mais comuns são México, Brasil e Chile. Minhas viagens duram em média 3 dias", conta o corredor, que, mesmo viajando bastante faz questão de se manter sempre em dia com a planilha. Para dar conta de suas corridas regulares, ele recorre a pesquisas para encontrar lugares com boas recomendações de treino. "Algumas vezes, consulto colegas de trabalho que conhecem o local e pergunto nas recepções dos hotéis onde me hospedo.
No geral, o pessoal não conhece muito de corrida, mas tento me informar a respeito de parques nas imediações e locais que devo evitar", explica Roberto, que tem especial preocupação quando está longe de casa com acidentes que possam ocorrer. Por isso mesmo, ele redobra os cuidados e fica sempre alerta quando corre um lugares desconhecidos. "Na Austrália e na Nova Zelândia, por exemplo, o sentido do trânsito é inverso ao nosso. Nesses dois países, eu olhava duas vezes para cada lado antes de atravessar a rua e mesmo assim acabei correndo na contra-mão em uma ciclovia e quase fui ‘atropelado' por uma senhora que vinha no sentido correto." Apesar de sempre estudar o percurso antecipadamente, Roberto confessa que já se perdeu algumas vezes. "Os hotéis em geral têm mapas que podem ser muito valiosos nessas situações. Se você não domina o idioma local, é bom levar o nome, endereço e telefone do seu hotel anotados", recomenda.
Dicas do Roberto: "Por mais curta que seja a viagem, não deixe de levar seu material para correr. Consigo levar a roupa de trabalho e de corrida para uma viagem de 3 dias dentro de uma mala de mão. Consulte a temperatura e as condições do seu destino para levar a roupa adequada. Como medida de segurança, avise a recepção do hotel do percurso que pretende fazer e em quanto tempo pretende retornar. Leve um pouco de dinheiro para poder tomar um táxi ou comprar uma garrafa de água. Correr na rua é uma das melhores formas de conhecer um novo lugar.
REFERÊNCIAS, PARA NÃO SE PERDER. Para manter os treinos em dia, a veterinária paulista Vanessa Villarinho Bley, que mora em João Pessoa, corre há cerca de 10 anos e é também triatleta, sabe muito bem o que é treinar cada vez em um lugar. Como viaja toda semana a trabalho, especialmente para capitais do país, onde costuma ficar de terça a sexta, correr cada vez num lugar já virou parte da sua rotina. "Sempre dá para correr, em todos os lugares já tenho os hotéis que ficam próximos a praia ou a parques. Também uso as academias nas cidades, pagando por dia. Nunca deixei de correr em nenhuma cidade. É só querer que arrumamos um percurso diferente!" Além das indicações no hotel, Vanessa aproveita o fato de trabalhar na rua para já analisar onde é possível correr. Com todos os cuidados, Vanessa diz que nunca se perdeu numa corrida."Tento ir sempre pelo mesmo caminho e calculo o treino no tempo! Não uso GPS. Muitas orlas e parques têm marcações de quilômetro."
Dicas da Vanessa: Correr é o esporte mais fácil de praticar. Aonde quer que você vá viajar, coloque um par de tênis na mala, ou dois. Vai que chove e você fica sem! Sempre leve dinheiro para a corrida, um boné e uma garrafa de água e curta as pessoas, as cidades e as ruas diferentes! Correr faz você conhecer bem melhor a cidade em que está. E seu coração, mente e pulmão agradecem também.
VOLTAS E MAIS VOLTAS. Corredor há seis anos, o paranaense André Augusto Choma viaja pelo menos duas vezes ao mês. "Considerando o ano inteiro, fico fora de Curitiba mais de 100 dias", conta ele, que é consultor e viaja para locais variados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Santiago, Bogotá e Washington, entre outros, e sempre quando pode procura encaixar uma prova nas viagens. André tenta manter a planilha de treinos, mas confessa que nem sempre dá para ter a mesma qualidade, precisando às vezes encurtar suas corridas. Normalmente ele procura correr próximo ao hotel, também se valendo de mapas para saber se existe um parque próximo ou outros locais para correr. "Quando não acho seguro ou tranquilo sair, acabo ficando na esteira mesmo. E mesmo não havendo problema, prefiro dar mais voltas em locais próximos ao hotel do que sair para locais distantes."
Apesar de nunca ter enfrentado situações que o colocassem em risco nesses treinos, o corredor diz já ter passado por situações fora do comum, como quando morou em Angola, na África. "Quando saía para correr lá, sempre usava meu MP3 player. Algumas pessoas mexiam comigo, mas eu nem olhava, nem escutava o que estavam falando. Um dia, saí sem o aparelho, e aí pude ouvir: ‘maluco, doido, pega'. Mas claro que era só brincadeira."
Dicas do André: Vá preparado para fazer os seus treinos – e isso normalmente quer dizer viajar com uma mala maior, para que caibam as roupas e, principalmente, os tênis. Use a internet para fazer contato com corredores do local e pegar dicas. Saia correndo com identificação, e sempre leve um pouco de dinheiro para comprar água pelo caminho. Procure correr por perto, e leve um mapa se achar necessário. Corra prestando atenção, pois afinal, você estará em um lugar desconhecido. Se você gosta de participar de provas quando viaja, pesquise na internet antes, pois em muitos lugares é possível "encaixar" uma corrida no treinamento.