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Minha primeira corrida de orientação

Tempos depois de ter largado o atletismo de pista, comecei a treinar para triatlos, e após algumas provas curtas me inscrevi num meio ironman. Sofrendo com o sol no dia da prova, abandonei ao final do percurso, sabendo que três meses mais para frente teria o ironman inteiro para completar. Na primeira vez que vim para a Cidade do Cabo, na África do Sul, a mesma história. Três semanas depois de ter completado o ironman local, ouvi falar de uma tal Two Oceans. Tendo recém completado o ironman, e sem ter treinado um dia após a prova, achei que o desafio de 56 km dessa maratona não poderia ser tão grande sim, e achando que jamais voltaria ao país, resolvi me inscrever.

Passeu a metade da prova em 2h30 exatas, portando com previsão de completar em 5 horas, quando quebrei de maneira espetacular. Forçado a caminhar na segunda metade, vi passarem por mim, incapaz de reagir, os "ônibus" (grupos que seguem os marcadores de ritmo) das 5h30 e 6h00, e fechei a prova em 6h15. Ironia ou não, hoje o portão do prédio em que moro fica em frente à linha de largada da prova. Esta mostra do meu passado atlético serve para a explicar porque aceitei o convite de um amigo para participar de uma corrida de orientação noturna, sem nunca ter feito nada parecido. Foi em setembro deste ano, quando, após uma conferência na Escócia (matérias deste mês e de outubro na seção Fsiologia), segui para uma cidadezinha no interior da Noruega, onde realizei parte dos estudos do meu projeto de doutorado.

Sogndal é uma vila, como a maioria das cidades norueguesas, de aproximadamente 3 mil habitantes, e a população quase dobra durante o período letivo na universidade local. Banhada pela fiorde Sogn Fjorde (fiordes são braços do oceano que se estendem para dentro do continente) e cercada por montanhas que se cobrem de neve nos meses de inverno, o lugar é um paraíso para corrida durante os meses mais quentes. Apesar do tamanho da cidade, o clube local de corrida de orientação possui mais de cinquenta membros ativos, que se reúnem uma vez por semana para treinar e competir.

Quando estávamos prontos para sair de casa, eu apenas de calção e camiseta de manga longa (frio de mais ou menos 6°c lá fora, mas enfim, íamos correr), meu amigo perguntou aonde eu achava que estava indo. Foi o primeiro sinal de que teríamos uma longa noite pela frente. Ao perceber meu total despreparo para a empreitada, recebi uma forte recomendação para correr pelo menos de calças, que eu indevidamente recusei, pensando apenas na questão da temperatura.

Chegando no ponto de encontro marcado pelo grupo, aproximadamente 20 pessoas, incluindo crianças desde os 7 anos de idade, já se aquecia. Foram oferecidos dois percursos, o de iniciantes, de aproximadamente 1,2 km, e um mais experiente, de 3,7 km. Eu estava pronto para aceitar o de 3,7 km, afinal que raios de corredor iria recusar um percurso daquele tamanho? Mas meu amigo escolheu por mim, e me colocou nos 1,2 km. Por piedade, ele resolveu me emprestar a lanterna que iria utilizar, e me esperar para começar sua prova. Enquanto a minha lanterna era uma lâmpada dessas de colocar em bicicletas, a dele era como uma de mineiros, com uma bateria acoplada a um colete, e que iluminava quase tanto quanto um farol de carro. Seguindo uma breve explicação sobre como ler mapas e de como validar o chip nos pontos de controle, larguei.

 

VITÓRIA, SOBRE AS MENINAS… As corridas de orientação não possuem largada única, e os corredores devem dar um intervalo mínimo entre si, para que não possam simplesmente seguir seus oponentes. O trecho dos iniciantes se mantinha por trilhas maiores ou menores, mas sempre trilhas. Enquanto eu me perdia de um lado para outro entre trilhas, bifurcações e trocas de relevo no mapa, meu amigo corria de um lado para outro tirando fotos da minha desgraça. Os pontos de controle, infelizmente, não ficavam diretamente nas trilhas, mas alguns metros mata adentro, e se camuflavam na vegetação. Dos cinco postos de controle, o quarto me deu trabalho, e levei tanto tempo para encontrá-lo que acabei denunciando minha posição, e a do controle, para quem vinha atrás. Encontrados os cinco controles, um sprint até a chegada, para completar meus primeiros 1,2 km de orientação noturna em 9:46, exausto. Apesar de ter cometido alguns erros de navegação, bati todos os meus oponentes por pelo menos quatro minutos, o que teria sido um grande feito se não fossem todas meninas entre 7 e 10 anos de idade, ajudadas pelos pais.

Algum tempo de descanso, e resolvi seguir meu amigo no percurso experiente, deixando a navegação por conta dele. O trecho era formado por 3,7 km divididos em 12 postos de controle. Em corridas de rua nós possivelmente tenhamos tempos semelhantes hoje em dia, mas no meio do mato, fora das trilhas, foi quase (totalmente) impossível segui-lo. A corrida até o primeiro posto de controle deu-se de forma desvairada. Não havia trilha nem estrada, apenas troncos, galhos, e vegetação escondendo buracos. Naqueles 4 minutos de corrida devo ter torcido os tornozelos umas três ou quatro vezes, caído em cinco buracos e me arranhado em um sem número de galhos, que depois de um tempo parei de contar. O primeiro ponto ficava no alto de uma colina, algo como 30 m acima do nível de onde começamos a correr, e que eu jamais teria encontrado por conta própria. Nesses quatro minutos iniciais meu colega já havia aberto uma distância de mais de 10 m, e a luz de sua lanterna desaparecia em meio à vegetação fechada. Gritei para ele que estava desistindo da empreitada, e que estava retornando para o início da prova. O que me apresentou o próximo problema: para onde era a chegada? O óbvio foi virar 180 graus e começar a descer a colina. Mas são tantos troncos, galhos e buracos que é impossível manter uma linha reta. Fui seguindo a lua, que sabia estar em linha com a largada. Na altura em que cheguei à estrada principal, descobri estar há mais ou menos 200 metros para à direita de onde deveria, um desvio imenso, dada a curta distância que caminhei. Sim, caminhei, porque passada a adrelina de estar na prova, fazer o caminho de prova se revelou ainda mais difícl, com o medo de tropeçar em alguma coisa no caminho, o que acontecia a cada segundo passo, mais ou menos. Quinze minutos depois de ter desistido, finalmente cheguei de volta à largada, e nessa altura meu colega já estava quase de volta dos outros 11 postos de controle, imensamente menos arranhado do que eu, protegido pelas calças que eu havia recusado. Um gole de café quente oferecido pela "organização", e em entregando nossos chips tivemos de imediato nossas parciais impressas e nossa "colocação".

Sei que hoje em dia muitos dos corredores escolhem participar de provas grandes, de preferência com uma camiseta tecnológica, medalha e alguns milhares de participantes. Basta olhar nas fotos da revista para confirmar isso. Mesmo o movimento que tenta fugir dessas provas tradicionais, acaba escolhendo provas de montanha, com centenas de participantes, kit bacana etc. Também gosto de participar deste tipo de corridas vez que outra, mas foi uma sensação diferente e talvez até melhor correr aquela "prova" com um punhado de participantes, organizada pelo grupo local que se reúne uma vez por semana para praticar seu esporte favorito, com pais levando seus filhos de primeira e segunda série para correrem mato adentro, onde você não precisa se preocupar com o flanelinha cobrando estacionamento, com o engarrafamento pós-prova, com os milhares de corredores impedindo que você faça o seu próprio ritmo, onde você não irá ganhar uma camiseta e medalha que – encare – vai se juntar às dezenas de outras que você já possui em alguma gaveta obscura.