Especial admin 6 de dezembro de 2010 (2) (137)

SOS Nino corredores solidários, no ritmo do coração

A matéria da CR repercutiu imensamente e foi referência para inúmeros veículos e diferentes mídias impressas, radiofônicas e internet. Ele ficou conhecido como o carroceiro corredor, um guerreiro que apesar de suas condições de vida se esforçava também em aprender a ler e escrever. Casado, pai de duas crianças, sustentava a família como catador de material reciclável pelas ruas do bairro. Nino nunca desanimou e continuava treinando para outras provas.

Então, no dia 24 de setembro, após um treino com seu grupo no Parque do Ibirapuera, ao retornar para seu barraco de madeira, Nino avistou a fumaça e o incêndio na Favela Real Park, uma das muitas na cidade de São Paulo. Chegando lá nada restava de sua modesta casa, onde a revista tinha feito a reportagem que ficou famosa.

Eu estava no trânsito quando fiquei sabendo pelo rádio que um incêndio acontecia na favela, mas, só caiu a ficha quando logo em seguida recebi um telefonema do amigo corredor e fotógrafo Vinicius Nunes, que me perguntou se o Nino morava lá. Rapidamente mudei de direção e fui ao encontro dele para saber de sua situação. Lá chegando me deparei com um cenário de destruição, pessoas desesperadas corriam de um lado para o outro, crianças se amontoavam nas esquinas com suas mães chorosas. A fumaça estava densa e baixa, um ambiente que misturava desespero e tristeza. Muitos moradores retornavam do trabalho e de longe só podiam acompanhar o trabalho dos bombeiros.

Ao entrar na favela, próximo a um caminhão de bombeiros avistei Nino, ainda com a roupa do treino, desolado e em choque. Ele queria saber como estava seu barraco, mas, por segurança, não tinha acesso porque os bombeiros ainda trabalhavam no rescaldo. Rapidamente caminhei até o militar responsável e me identifiquei como jornalista e pedi a colaboração para registrar em fotos o pouco que restou do barraco de Nino; compreensivo, ele nos deixou ir até o local. Refiz então o mesmo caminho da matéria de um ano atrás e chegamos onde antes era a casa de Nino. Tirei a foto do corredor de entrada e ao invés de uma casa, uma cortina de fumaça e destruição. Logo, Nino passou à frente, parou onde antes era a sala e começou a cavar com os pés um monte de cinzas e eu perguntei: o que você procura aí? Sua resposta, parafraseando Milton Nascimento, me trouxe na garganta uma sensação do sabor de vidro e corte: "Quero ver se encontro alguma medalha." Logo meus olhos se encheram d'água, tentei disfarçar e saí, chamando-o. Ele não veio, e quando retornei para buscá-lo tinha nas mãos uma medalha suja de cinzas e derretida, e desferiu-me a seguinte frase: "É minha única medalha que sobrou; não tenho mais nada, só meus amigos da corrida! O que vou fazer agora?"

Eu vazio e sem respostas naquela hora me preocupei em tirá-lo de lá. Ao descermos a ladeira, sua esposa veio em disparada e segurando nas mãos uma chave abraçou-o chorando, dizendo. "Fiquei só com a chavinha de casa, é tudo o que nos sobrou; o que vamos fazer agora?"

Na profissão de jornalista, o repórter, por mais resistente que seja, sente tudo, as emoções são sempre ao vivo. Eu então lhe disse que faria tudo para ajudá-lo. Minha primeira ação foi tirá-lo daquele cenário, enquanto sua esposa levava as crianças para a casa da patroa. Convidei-o para ficar em minha casa, mas, ele não quis deixar o lugar onde depositava o papelão, que lhe renderia no máximo R$ 150, nem eu lhe pagando o dobro do valor. Diante de toda aquela situação, ele se hospedou provisoriamente na casa do cunhado e eu segui pensativo em como poderia ajudá-lo.

 

CAMPANHA DE EMOÇÕES E RESULTADOS. "Vamos lá corredores, sejamos solidários. Essa é uma das marcas de nosso esporte. Estar ao lado do próximo. Como numa largada!" Com esse apelo lancei no twitter a campanha SOS Nino, que começou a tomar corpo, levando informações sobre o acontecido e indicando sobre como participar. No meu blog coloquei fotos que havia tirado daqueles momentos. Em uma das postagens no blog Nino comentou: "Perdi tudo de uma hora para outra e ainda tenho prestações da Casas Bahia para pagar do fogão e de uma cama; não sei o que fazer. Só a corrida me dá esperança e vou recomeçar!" Ao ler o blog, um grupo de corredoras, quatro tenentes femininas da Polícia Militar de São Paulo, que treinam na mesma equipe de corrida de Nino pediram o ele o carnê com prestações e logo se incumbiram de pagá-lo; as prestações vão até maio.

Quem também abraçou a causa foi a jornalista da CR Fernanda Paradizo, que contatada pelo departamento de marketing da Santa Constância conseguiu a doação de mais de uma centena de camisetas para a comunidade Real Park. Ana Paula Alfano, editora executiva do Diário Popular, foi outra jornalista corredora que ajudou na divulgação da campanha. Pelo blog do Harry, chegou a Paty Camargo, representando a Daslu, que levou pessoalmente doações e depois enviou um caminhão com roupas, alimentos e gêneros de primeira necessidade. Durante todo o tempo, Nino tem se encarregado de organizar, distribuir e encaminhar o que recebe. "Foram mais de 300 famílias afetadas. Quero agradecer por tudo que está chegando para a comunidade, desde chupetas até uma geladeira. Tudo é muito bem vindo porque após o incêndio ficamos sem nada, só com a roupa do corpo!"

 

CORRIDA PELA VIDA. Para arrecadar mais doações, o técnico de Nino, Wanderlei Oliveira, da Run For Life, teve a idéia de realizar uma prova de 3.000 metros, denominada "Corrida pela Vida", que contou com a presença do comandante geral da Polícia Militar de São Paulo, o coronel Álvaro Camilo, e de Hudson Camilli, comandante da Escola de Educação Física da Polícia Militar. A largada para a corrida SOS Nino Favela Real Parque aconteceu no sábado, 2 de setembro, às 8h30 na pista de atletismo da Escola da PM. Participaram alunos e tenentes, e vários voluntários. Ao todo, 40 corredores deram sua contribuição, entre eles Edson Bergara, personagem de matéria especial em setembro na CR.

A corrida resultou na arrecadação de donativos que lotaram cinco automóveis. Os corredores da Run For Life, além das doações, se uniram no transporte, pois Nino ainda não tinha onde guardar e a Federação Paulista de Atletismo disponibilizou uma sala para que pudesse guardar todas as doações que após a separação foram distribuídas pelo próprio Nino.

Um encontro foi organizado pelo corredor e twitteiro Antonio Colucci, no restaurante temático 4Runner Café, que foi outro ponto importante de arrecadação, recebendo doações de todos os lados da cidade. Até quem já foi ajudado colaborou, como foi o caso de duas crianças da AEC Kauê, que estiveram no encontro e doaram mantimentos. No domingo, a tenda Twittersrun também recebeu doações na corrida do Circuito Adidas. No mesmo dia, acontecia a Meia Maratona das Pontes, onde tive a oportunidade de conhecer Sérgio Xavier, editor da revista Placar e da Runner's Brasil. Xavier sabia do SOS Nino e gentilmente convocou pelo blog Correria seus leitores, que sensibilizados fizeram doações de Salvador, Curitiba, Amapá, Rio, Santos, entre outras cidades, para a conta bancária de Nino.

 

CONFIANÇA AUMENTA COM AS PASSADAS. Desde então estou acompanhando o dia-a-dia de Nino e percebo sua luta e perseverança. Continua treinando cedinho e sai todos os dias recolhendo material reciclável pelas ruas do bairro Morumbi. Perguntei-lhe como consegue ter cabeça para continuar treinando e ele foi enfático "A corrida é o que me restou; é o que me dá confiança e onde encontrei amigos de verdade!"

Perguntei a ele sobre os depósitos em sua conta corrente, se já dava para pensar em algo, ao que ele respondeu: "Sim, recebi mais do que em 10 meses catando material nas ruas. Estou aguardando se vou poder continuar morando no mesmo lugar. Se vou poder construir onde morei por 30 anos. Minha vida acontece aqui nesse bairro; é onde trabalho, estudo e tenho meus filhos na escola, e próximo de onde minha mulher trabalha."

Dois empresários corredores, ao saberem do problema de Nino, lhe adiantaram seis meses de aluguel, de uma casinha no bairro. Ajudei na finalização do contrato e quando fui lhe visitar, no mês passado, vi um caminhão descarregando uma cama, dois colchões, televisão, roupas e alguns mantimentos, Ao encontrá-lo, ele já estava doando quase tudo para os moradores da favela, comentando: "Já ganhei televisão, fogão, panelas, roupas; por isso, tudo que chegar e já tivermos, vou doando, pois não sou só eu o necessitado aqui não!"

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