Na verdade, muitos dos que recentemente adotaram essa nova forma de correr decidiram experimentá-la inspirados por "Nascido para Correr" (Editora Globo, 383 pags., R$ 50 – veja resenha na edição de junho da CR). O assunto é controverso e tem alimentado boas discussões entre os corredores.

O livro começa com uma pergunta: "Por que meus pés doem ao correr?" A investigação dessa dúvida pessoal do autor é o tema central do livro, que alterna a história de uma aventura de McDougall com índios mexicanos Tarahumara, que correm grandes distâncias há gerações sem se lesionarem, usando apenas sandálias rústicas, com dados tirados de pesquisas e conversas com médicos, fisiologistas e treinadores.

O principal debate levantado pelo livro foi o questionamento da validade da tecnologia dos tênis de corrida modernos, que segundo o autor foram "inventados" no início dos anos 70, com o calcanhar dos calçados elevado, o que teria alterada a biomecânica do movimento da corrida, não mais pousando inicialmente com o peito do pé, mas sim com o calcanhar. O autor lembra que nesses últimos 30 anos, as lesões entre os corredores não diminuíram e, portanto, os tênis de corrida não evitariam as lesões.

A proposta, então, seria correr descalço, ou com um tênis mínimo (que não tenha amortecimento e somente uma proteção para os pés) já que o impacto causado nas articulações – quando se pousa com o calcanhar – desapareceria, ao mudar a forma de correr, e dessa maneira o risco de lesões cairia, tornando a prática da corrida mais natural e prazerosa.

O livro acabou se tornando uma referência para o movimento que tem ganhado força de algum tempo para cá, o dos corredores descalços ou com tênis mínimos, fato que levou a CR a publicar em março último uma extensa reportagem sobre o tema ("Correr descalço ou quase: uma tendência?" – leia no site da revista).

 McDougall não é um jornalista qualquer. Ele escreve regularmente para o próprio Times e também contribui para a revista Men's Health americana. Leia a seguir, uma entrevista exclusiva com o autor.

Contra-Relógio: Você imaginava que seu livro se tornaria uma espécie de "Bíblia" para os corredores "descalços"? Há várias pessoas que dizem terem começado a correr descalço ou com tênis mínimos após o lerem…

Christopher McDougall: Quando eu o escrevi, minha esperança era que ele pudesse lembrar as pessoas de que correr é realmente divertido, e não algo dolorido. Eu acho que várias pessoas estavam na mesma situação que eu já estive, ou seja, cansadas de se lesionarem e descobriram que trocar de tênis não era a resposta. Então eu estou muito feliz por ter conseguido levar uma "mensagem de esperança" para elas e por mostrar que o equipamento que elas procuravam estava em seus próprios corpos

Você sabe que a maioria dos corredores é cético em relação a se correr descalço. Eles acham que para correr dessa maneira é necessário ser "biomecanicamente perfeito" e que alguém com sobrepeso nunca deveria tentar correr sem tênis apropriados.

Os seres humanos têm corrido descalços por 2 milhões de anos e os tênis modernos de corrida existem há 30. Eu diria que a balança da história pende para o lado do pé descalço. Eu sou exatamente o oposto dessa noção de que apenas as pessoas de canelas finas e "biomecanicamente perfeitas" deveriam correr descalças. Eu sou um sujeito grande, e ortopedistas me diziam repetidamente que minhas pernas esquisitas significavam que eu deveria usar palmilhas especiais e tênis com controle de movimento (para pronação severa). Estou bem longe de ter canelas finas ou de ser biomecanicamente perfeito, e mesmo assim minhas lesões desapareceram depois que parei de usar tênis de corrida. O mesmo pode-se dizer da maioria das pessoas que correm descalças. Elas começaram a correr sem os tênis porque eles simplesmente não funcionavam.

Quando nós conversamos a respeito de correr descalço ou com tênis mínimos com as grandes marcas de tênis de corrida, a única que nos afirmou que "acredita" que isso seja saudável foi a Nike, que segundo seu livro, seria a responsável por ter elevado o calcanhar dos tênis (que faz com que a mecânica do movimento da corrida tenha sido alterada).

Pois é. É irônico que a Nike seja a primeira empresa que tenha feito um tênis que imitaria o correr descalço, apesar dele não ser muito bom. O Nike Free ainda apresenta o calcanhar elevado e amortecimento, então apesar de todo o marketing, ele não é nada parecido com o correr sem tênis.

Quanto tempo você acha que vai demorar para que as marcas mudem de mentalidade no desenvolvimento e design dos tênis?

Isso já está acontecendo. A maioria das grandes companhias tem tênis mínimos em desenvolvimento na prancheta ou mesmo em produção.

Você diria que a "dor no topo ou peito do pé" que alguns dos que correm descalço ou com tênis mínimo sentem é relacionada com a falta de fortalecimento muscular? Você diz no livro que Eric Orton mandou um programa de condicionamento para que você entrasse em forma para começar a correr. Você ainda faz isso?

Não acho que essa dor seja relacionada à falta de fortalecimento. Eu acredito que a dor no topo do pé (assim como todas as outras dores dessa região) vem da falta de técnica. Correr suavemente é uma arte e leva certo tempo para ser dominada. O programa que Eric me enviou foi ótimo quando eu estava aprendendo a correr da forma correta e não fiz mais desde então.

Alguns corredores precisam de objetivos para ajudá-los a sair da cama e ir correr. Você correu na primeira edição da Ultramaratona do Copper Canyons (82 km), descrita no seu livro. Você ainda participa de corridas ou pretende participar de alguma grande prova como a Maratona de Nova York, por exemplo?

Quanto mais você corre, mais agradável fica correr. Na minha experiência, quanto mais eu passava a gostar de correr, gradativamente ia perdendo o interesse por provas. Eu ainda participo de corridas, mas é cada vez mais raro. O que mais gosto de fazer é, em um dia qualquer da semana, sair pela porta de casa e correr o mais distante e rápido que eu puder.

Você diz no livro que os índios Tarahumaras, do México, nunca aquecem ou se alongam antes de correr. Eles simplesmente correm.  Que rotina você segue antes de correr? Quanto você corre em uma semana?

Minha única rotina de alongamento antes de correr é esticar meu braço para tomar mais uma xícara de café. Não há evidência de que alongar músculos sem se aquecer seja benéfico e eu acho que isso faz mais mal do que bem. Eu aqueço correndo inicialmente bem devagar. Minha rotina de corrida é absolutamente impulsiva – eu vou na direção que me dá na cabeça naquela manhã e continuo indo até que algo me chame de volta para casa, como trabalho ou almoço.

O que você achou do estudo do Dr. Daniel Lieberman, de Harvard, publicado na revista Nature de janeiro de 2010, que afirma que correr descalço seria menos lesivo que correr com tênis de corrida?

Muito bom e muitíssimo embasado. Dr. Lieberman e seus co-autores estão afastando rapidamente o medo que sempre foi associado com esse esporte, desde a criação do tênis moderno de corrida. Eles demonstraram que nós não devemos temer correr longas distâncias. Isso é de fato o que nós, seres humanos, fazemos de melhor.