Texto e fotos: Fernanda Paradizo | feparadizo@gmail.com
Os Jogos Pan-Americanos de Lima 2019 ocorrem de 26 de julho a 11 de agosto na capital peruana e já no próximo sábado (dia 27), teremos a realização da maratona, com a participação de três brasileiros.
Wellington Bezerra da Silva, conhecido como Cipó, será o representante do País na prova masculina, que terá a largada às 8h30. Na prova feminina, que começa às 9h30, Valdilene dos Santos Silva e Andreia Aparecida Hessel representam o Brasil.
Antes de embarcar rumo a Lima, Wellington, que tem 31 anos, nasceu em Tupatinga, Pernambuco, e mora em Santana do Parnaíba, Interior de São Paulo, bateu um papo com a Contra-Relógio e falou sobre a expectativa da primeira participação pan-americana, sobre sua preparação e sobre o que espera da competição.
CONTRA-RELÓGIO: Qual a expectativa e a importância de representar o País em uma competição tão importante?
WELLINGTON: É o meu primeiro Pan e a preparação vem dando certo. Será minha segunda maratona no ano. Corri em Hamburgo e retifiquei minha marca com 2:13:34. Espero melhorar. Não acho difícil correr em cima do recorde dos Jogos, que é de 2:12:43. É uma questão de acerto. Sei das dificuldades e tudo vai depender do clima. Há adversários fortes, como os peruanos, que correm em casa. Os dois têm melhor marca que a minha (Cristian Pacheco, com 2:11:19, e Willy Canchanya, com 2:12:57). Mas cada prova é uma prova e estou com boas expectativas. O primeiro objetivo é trazer uma medalha para o Brasil. E o segundo, tentar ganhar a prova e quem sabe bater o recorde e assim melhorar minha marca. Sei que vai ser uma prova forte. Todos vão correr pensando já no índice olímpico, de 2:11:30. Se eu tiver a oportunidade de correr para esse tempo ou até abaixo, vou enfrentar. Isso vai dar para saber no desenvolver da prova. Sei das dificuldades. É uma responsabilidade imensa e será a primeira prova que terá direito a medalha em Lima. Posso ganhar a primeira medalha dos Jogos e também a primeira para o esporte brasileiro.
CR: Como foram os treinos? Ficou por aqui mesmo ou fez algum treino em altitude?
WELLINGTON: Nas últimas semanas, senti que minha preparação encaixou e estou sem dores. Acho que, das três últimas maratonas, a melhor preparação está sendo esta. Já fiz uma base para Hamburgo. Dei uma segurada e depois voltei a aumentar os volumes. Vem dando certo. Não fiz preparação em altitude. Estava cogitando ir para Campos do Jordão, mas houve alguns imprevistos. Mas, mesmo treinando em Santana do Parnaíba, em percurso bem variado, tantos os treinos longos quanto os intervalados deram bom resultado. Não senti falta de treino de altitude. O importante é que o trabalha foi bem feito. Estou na fase de lapidação, de descanso, soltando o volume. Mas creio que conta muito a experiência que adquiri nas 5 maratonas que corri até hoje.
CR: Você já citou os dois peruanos como destaques, até por correr em casa. Como você analisa o start list e o que mais sabe sobre os adversários?
WELLINGTON: Todos têm condições de briga, mas acho quem os donos da casa levam vantagem. Estes peruanos são dois jovens de 26 anos. Um deles (Willy Canchanya – 2:12:57) chegou na minha frente em Berlim. Ele foi o 9º e eu o 11º. Fiquei sabendo que o atleta peruano que ganhar uma medalha nos Jogos vai receber um apartamento na Vila Pan-Americana. Um incentivo e tanto. Temos ainda dois mexicanos (Juan Joel Pacheco – 2:10:58 e José Luis Santana – 2:13:20) e dois americanos (Augustus Maiyo – 2:12:40 e Aaron Braun – 2:13:16) com tempos melhores, além de um paraguaio (Derlys Ayala – 2:13:34), que está com uma marca igual à minha, de 2:13:34. A briga está forte, mas tenho que focar e correr em cima do erro deles também para buscar um bom resultado.
CR: Que lição tira de outras participações de brasileiros na maratona do Jogos Pan-americanos que tiveram êxito, como Vanderlei Cordeiro de Lima, Franck Caldeira e Solonei Silva? Fica alguma pressão já que é uma prova em que o Brasil tem 5 ouros? É uma competição diferente quando não importa o tempo, mas sim a vitória?
WELLINGTON: A maratona é uma prova que o Brasil tem tradição em medalhas de ouro no Pan. Temos 5 medalhas. A primeira em Indianápolis 1987, com Ivo Rodrigues. Eu não era nem nascido. Depois veio o Vanderlei em Winnipeg 1999 e Santo Domingo 2003, com dois ouros seguidos. Aí vem o Franck no Rio 2007, que coincidentemente foi o ano em que comecei a correr e essa conquista no nosso país me incentivou bastante para que eu chegasse ao atleta que sou hoje. Doze anos depois, sou o representante na nação. Acompanhei a vitória do Solonei em Guadalajara 2011 e hoje tenho a missão de trazer para a 6ª medalha de ouro para o Brasil. É uma prova que é difícil pensar em vitória, mas entro com o compromisso muito grande com o povo brasileiro de fazer o melhor. Entro primeiramente pensando numa medalha e depois em ganhar. Se o ritmo for forte desde o início, então serei obrigado a ditar um ritmo forte e buscar uma boa marca. Mas, se os atletas segurarem o ritmo, vou segurar e depois dos 30 km ver o que faço.
CR: O trajeto da maratona será de 4 voltas, com largada e chegada no Parque Kennedy, em Miraflores (veja o mapa). Já correu em Lima ou em alguma outra cidade do Peru? Sabe a temperatura que o espera?
WELLINGTON: O bom em correr em voltas é que temos a oportunidade de passar mais vezes no meio da torcida, mas, como não vai ter muita torcida brasileira, pode ser um pouco complicado. Já estive no Peru em 2013 para representar o Brasil no Campeonato Sul-Americano de Corrida em Montanha, em Cajamar, que fica a um pouco mais de 1h de voo de Lima. O clima de Lima é um pouco seco, mas a cidade está no nível do mar. No dia da prova, deve ficar entre 18 e 20 graus, que é a temperatura ideal para correr. Quero passar as voltas o mais ritmado possível. Penso algo entre 31:00 e 31:30 cada volta para correr em cima da marca.
CR: Fale um pouco sobre seu histórico em maratonas e qual o segredo para encaixar a distância?
WELLINGTON: A maratona dos Jogos será minha 6ª. Comecei minha história na maratona ainda em 2016, quando percebi que a única chance de estar em uma grande competição como Mundial e Jogos Pan-Americanos e Olímpicos seria nos 42 km. Foi quando quis entrar para a maratona. Fiz algumas tentativas fracassadas. Em 2016, entrei na Maratona de São Paulo e consegui ir só até o km 25. Abandonei, mas serviu para treino. Fui para o Rio e estreei com a 6ª colocação, mas com tempo ruim para o que imaginava: 2:24:37. Voltei a São Paulo em 2017 para ser coelho dos atletas do Cruzeiro até o km 21 e, na prova, percebi que estava em 2º. Fui embora e acabei chegando na 2ª colocação com 2:22:37. Ainda achava um tempo ruim porque já tinha 1:04:08 na meia-maratona e 29:15 nos 10 km. Eu me via correndo pelo menos abaixo de 2:20. Treinei forte para a Maratona de São Paulo de 2018 e fui o 2º colocado com 2:16:06. Para Berlim, já treinei mais especificamente e corri para 2:13:43, e também para Hamburgo, onde consegui 2:13:34. O segredo da maratona é tempo. Não acontece de uma hora para outra. Você vai ganhando experiência de uma para outra. Não tem que ter medo de rodar, de fazer tiros longos, de sair para rodar 2 horas. Se na sua planilha pede 3 tiros de 5000m para 15:20 ou um longo de 35 km, tem que ir lá e fazer.
CR: Você hoje é o 2º do ranking brasileiro e tem no currículo duas maratonas com tempos bem regulares: Berlim 2018 em 2:13:43 e Hamburgo 2019 em 2:13:34. Após a Maratona de Berlim, você comentou que treinou para correr entre 2:10 e 2:12, mas acabou fazendo uma prova um pouco mais lenta no início do que imaginava por conta do coelho. E mais para a frente, no km 37, sentiu uma contratura na perna, que o fez diminuir o ritmo. Que lição dessa prova de Berlim você tirou para Hamburgo, que o fez melhorar seu tempo?
WELLINGTON: A diferença da Maratona de Hamburgo para Berlim é que em Berlim fui muito bem treinado. Até o km 37 corria para 2:11 e 2:12, mas sofri com uma lesão, que veio comigo até meados da preparação para Hamburgo. Treinei menos por ser uma prova de primeiro semestre, que considero difícil para trabalhar em condições de correr em torno 2:12. Cerca de 15 dias antes de Hamburgo, fiz uma meia-maratona sozinho para 1:05:40. Se virasse, seriam 2:11:20. Cheguei em Hamburgo com muito frio e então decidi fazer uma prova progressiva. Em Berlim, havia passado a meia-maratona para 1:05:26. Em Hamburgo, passei em 1:06:13 e decidi manter porque naquele momento queria a vaga para os Jogos Pan-americanos e para o Mundial. Pensando no Pan, não vai ser fácil. Há 5 ou 6 atletas que vão correr abaixo de 2:15. Creio que para ganhar uma medalha terá que ser abaixo disso. A prova vai ser estratégica. Todo mundo vai correr esperando. Ninguém vai sair. Mas, após 25 ou 26 km, se eu estiver sobrando e todos segurando, vou embora em busca de melhorar meu tempo. Mas, se todo mundo estiver “se matando” e correndo forte, vou até onde aguentar para trazer uma medalha e, se possível, melhorar minha marca. E não é só a medalha que está em jogo. Há ainda o recorde sul-americano, de 2:12:43 (Jorge González, Porto Rico), marca de Caracas 1983, que todo mundo vai querer quebrar. São 36 anos de um recorde.
CR: E sobre o índice para Tóquio? Vai tentar a vaga? Tem alguma outra maratona programada para este ano?
WELLINGTON: Estou na briga. Infelizmente a IAAF baixou muito o tempo. Se fosse como nas últimas Olimpíadas, eu já estaria qualificado. Agora nos Jogos Pan-Americanos pode ser uma das minhas tentativas. E pode ser que corra uma maratona ainda este ano, em dezembro. Tudo vai depender da recuperação. Tenho o Campeonato Mundial ainda, no Catar, que estou qualificado. Tudo vai depender de patrocínio e apoio. Com a minha saída do Cruzeiro, estou sem patrocínio desde janeiro e fica difícil viajar para fora do país e não ter o retorno. Gastei para ir para Berlim e Hamburgo. Quem sabe se conseguir uma medalha nestes Jogos Pan-americanos não aparecem mais oportunidades de patrocínios e aí sim possa dar continuidade no projeto de estar em Tóquio, que não está muito longe. Com apoio, sei que é possível.