Performance e Saúde Redação 16 de novembro de 2010 (0) (119)

Você precisa de nutricionista?

Ao ver o ultramaratonista americano Scott Jurek traçando pão com homus e burritos (tortillas recheadas, prato típico mexicano) em meio a uma árdua travessia pelas montanhas, o jornalista Christopher McDougall, autor do livro "Nascido para Correr", questionou: "você não come aquelas comidas de atleta?". A resposta do corredor foi: "gosto de comida de verdade". Jurek, na condição de esportista de elite, com patrocínio de grandes empresas e apoio de todo tipo de profissional, poderia contar com o "cardápio nutricional dos sonhos" e os mais variados suplementos. Mas, por conta própria, optou por tornar-se vegano – não consome nenhum produto de origem animal, nem ovos, queijo ou até sorvete -, seguindo uma dieta baseada apenas em frutas, verduras e grãos integrais. E garante que não lhe falta nada. Sua excepcional performance em provas duríssimas como Badwater e Western States parece realmente mostrar que não. Ou seja, apenas com "comida de verdade" o ultramaratonista tem ido longe.

Calma, não estamos sugerindo que você radicalize e faça o mesmo – até porque o menu de Jurek, convenhamos, é um tanto limitado. Mas, teoricamente, o caminho para ter uma vida saudável e boa performance não deveria ser parecido com esse, com refeições balanceadas e sem exageros? Por que algumas pessoas se espantam quando descobrem que não há segredo algum – além de uma dieta equilibrada (e treino, óbvio) – por trás de um atleta?

"Não é tão simples assim", diz Patrícia Davidson Haiat, nutricionista funcional, do Rio de Janeiro. "Muitos acham que tomar iogurte light o dia inteiro é ótimo. Só que de saudável isso não tem nada: ele é cheio de adoçantes de péssima qualidade, corantes, conservantes… Então, fica muito genérico falarmos em comer bem e sem exageros", argumenta.

 

A MAÇÃ PODE "ATRAPALHAR". Eis, então, que surgem muitas dúvidas na cabeça do corredor – desde o que quer simplesmente se equilibrar na balança até aquele que busca performance. Preciso de um nutricionista? Qual a hora de procurá-lo? O que ele pode fazer por mim? Muitos especialistas (e vários corredores também) defendem a idéia de que visitar um nutricionista é essencial desde o dia em que você calça o tênis pela primeira vez. Outros sugerem que a consulta seja feita diante de necessidades específicas, como emagrecer, ganhar massa muscular, ter alguma indisposição (fadiga exagerada, baixo rendimento) ou a preparação para um grande desafio. E obviamente um grande número não sente a menor necessidade de ter esse tipo de assessoria.

"Os dilemas e as dificuldades dos corredores se repetem, mas cada história é sempre a primeira. E, ao falar de hábito alimentar, é inevitável conhecer um pouco a história de cada um. Como explicar a um corredor experiente, por exemplo, que, embora sua dieta seja saudável, as sete porções de frutas ao dia podem ser o grande entrave para a perda de peso e melhora da performance? Tirar, incluir, trocar, refazer, contar, remexer, ganhar e perder: são decisões do nutricionistas que arrepiam muita gente. Mas é nosso papel reeducar. Sei que a dieta mexe com o dia-a-dia das pessoas, envolve prazer, vida social, humor, sono, disposição – por isso é uma relação tão complexa e tão importante", diz Suzana Bonumá, nutricionista esportiva há 10 anos, e autora do recém-lançado livro "A Dieta do Corredor", da Editora Academia (veja texto no fim desta matéria).

Ela conta que já ouviu de corredores coisas do tipo "mas eu tenho que reduzir justo a minha maçã?" e " eu como 40 caixas de gelatina por semana, não tem quase caloria, qual o problema?" E até "mas você está louca, ele vai morrer de fome!", da esposa de um de seus pacientes esportistas.

 

PERDA DE PESO E PARIS. O administrador de empresas Joaquim Cavalcanti, de 28 anos, do Rio de Janeiro, se dedicou com afinco aos treinamentos de sua primeira maratona, em Paris, em abril. Em relação à alimentação, buscou apenas balancear as refeições e adotou algumas "medidas de choque". "Cortei 100% do refrigerante. Foi um exercício bem interessante e exigiu muita força de vontade. Fiz essa escolha mais por um critério de disciplina e foco do que por questão nutricional. E cuidei da dieta procurando balancear o prato, reduzindo frituras em geral e optando por frutas na sobremesa – com pequenas escapadas. No lanche da tarde a escolha era uma barra de cereal. Outro cuidado foi reforçar o carboidrato nas vésperas dos longões. Seguindo esse plano e alinhado com a carga de treinos específicos durante os quatro meses de preparação, emagreci cerca de cinco quilos." Ele completou os 42 km na capital francesa em 4h22, mas acha que poderia ter ido melhor se tivesse perdido mais peso. "Agora penso em procurar uma nutricionista", diz, visando objetivos como meia maratonas e maratonas. 

Para a nutricionista Patricia Ramos, coordenadora do serviço de nutrição e gastronomia do Hospital Bandeirantes, de São Paulo, a alimentação do atleta não afeta somente seu peso, como também sua composição corporal e, claro, sua saúde. "A maratona é uma atividade capaz de modificar o equilíbrio fisiológico do atleta. Assim, para que o praticante tenha uma ingestão alimentar adequada e suficiente de carboidratos, líquidos e demais nutrientes, é preciso um planejamento criterioso. Deve-se ter uma perfeita organização das refeições pré e pós treino para que seus estoques de glicogênio (energia armazenada no músculo) sejam devidamente repostos, o que repercutirá em maior rendimento e menor chance de entrar em fadiga rapidamente. Se a alimentação não fornecer a quantidade calórica adequada, o corredor poderá ainda perder massa magra, o que é extremamente indesejável. Além disto, vitaminas e minerais antioxidantes devem ser usados com mais freqüência por quem quer se preparar para corridas de longa duração", considera a especialista.

 

COMPROMISSO SÉRIO. Antes de começar a correr, há um ano e meio, o professor de inglês Danilo Friolani, 33 anos, chegou a frequentar o grupo Vigilantes do Peso e diz que com as orientações recebidas pelos profissionais de nutrição melhorou muito sua dieta. "Participava das palestras uma vez por semana e seguia um plano recomendado por eles, atribuindo pontos aos alimentos. Ainda pratico muitos conceitos que aprendi lá", diz. Agora que se dedica à corrida três vezes por semana, ele pensa em buscar uma orientação mais personalizada. "Acho importantíssimo para ajudar na redução de massa gorda e ter melhor qualidade de vida. Com acompanhamento, você nota mais os resultados, melhora a auto-estima e sente mais garra para continuar. Acabo assumindo um compromisso não somente comigo, mas com o profissional contratado, mantendo uma disciplina maior", acredita.

A nutricionista Gabriela Guerrero, da Nutriessencial Consultoria, de São Paulo, defende a idéia de um acompanhamento nutricional desde o início da prática da atividade física, especialmente se o objetivo for perder peso. "É preciso um cardápio elaborado especificamente para esta finalidade. Além disso, o corredor deve ser constantemente reavaliado. Quando traçamos um plano de emagrecimento, precisamos fornecer ao praticante uma dieta que contenha menos calorias do que ele precisa, sem esquecer que é importante saber o que ingerir antes e pós treino, evitando erros que prejudiquem o desempenho."

 

MAIS ENERGIA. A analista jurídica do Ministério Público de Minas Gerais Jussara Tuma, de 26 anos, conta que comia pouco e com pouca qualidade. Praticante de atividade física quatro vezes por semana, começou a sentir fadiga e cansaço muscular com muita frequência. "Só depois fui ter a explicação: na falta de uma alimentação balanceada, meu organismo estava buscando a energia para a corrida nos músculos". Procurou uma nutricionista e diz que sua vida mudou. "Como meu foco não é perda de peso, meu plano visa o ganho de energia e a manutenção de massa muscular. Até minha performance melhorou muito!". Amiga da nutricionista, ela está sempre próxima à profissional – o que torna as "consultas" informais e frequentes. "Acabo fazendo um relatório quase diário da minha alimentação, tiro dúvidas, pego conselhos, tudo sem o formalismo de um consultório. Mas é feita uma avaliação mais criteriosa a cada três meses." Para a nutricionista Ana Beatriz Barrella, da RG Nutri Consultoria Nutricional, de São Paulo, esse acompanhamento de perto é fundamental. "Precisamos estar atentas ao estado de saúde geral do corredor", resume.

E seria possível mesmo melhorar a performance a partir do reforço do cardápio? A nutricionista e fisiologista do exercício Jaqueline Bernardini, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), garante que sim. "Se o acompanhamento nutricional for especializado em nutrição esportiva, há grandes chances de o desempenho ser mais favorável. Além disso, diminui-se os riscos de doenças desencadeadas por queda nas defesas imunológicas, o que deixa o atleta mais inteiro para os treinos. Mas o nutricionista tem o dever de adequar a alimentação de seu paciente".

 

ACOMPANHAMENTO GLOBAL. Corredor de nível avançado, com mais de 100 provas no currículo – algumas competindo como elite -, o analista de projetos Diego Ciarrochi, de 27 anos, de São Paulo, considera importante não só um acompanhamento nutricional, como também médico e até psicológico. "Já que iremos investir tempo e dinheiro no esporte devemos fazer o melhor, contando se possível com uma equipe multidisciplinar. Por muito tempo foquei esforços somente nos treinamentos e não dei a devida atenção para a dieta, que, segundo estudos, é tão ou mais importante do que os treinos. Especificamente com a nutrição vi meu desempenho melhorar muito, após o início das consultas. Considero que seja reflexo de um cardápio balanceado e adequado às minhas necessidades. Deixei de ‘treinar para comer' e passei a ‘comer para treinar'", diz o corredor, que treina seis vezes por semana e visa competições como maratonas e Ironman.

Além de cuidar da alimentação do corredor, o nutricionista é ainda o profissional que pode indicar suplementos de acordo com as necessidades de cada um. "Atualmente existe uma série de produtos – à base de proteínas (whey protein, BCAA), sachês de carboidratos -, vendidos livremente em lojas de produtos esportivos que prometem milagres. Mas, na maioria das vezes, eles não vêm. Alguns produtos são de péssima qualidade, pois a proteína está misturada a outros compostos. Além disso, para quem não gosta do sabor da proteína e opta pelos pós aromatizados, ainda leva para casa adoçantes e corantes que não fazem nada bem. Só o nutricionista conseguirá montar um plano alimentar adequado e indicar os melhores suplementos de acordo com a atividade e seus horários", alerta Patrícia Davidson Haiat.

 

NÃO PERCA O PRAZER!

A alimentação saudável traz benefícios e seguir algumas orientações podem colocá-lo nos eixos. Mas sabemos que comer é um prazer – não se esqueça disso. Tome cuidado para não virar um corredor obsessivo por dieta e achar que um simples pedaço de chocolate ou de pizza pode colocar tudo a perder. E um refrigerante ou uma cerveja de vez em quando não vai ser o fim do mundo!

 

UMA DOSE DE EXPERIÊNCIA

Muitos, mas muitos corredores passaram pelo consultório da nutricionista Suzana Bonumá nos últimos 10 anos. Nesse período, Suzana, que também é especialista em fisiologia do exercício, acumulou muita rodagem a ponto de publicar o livro "A Dieta do Corredor" (Editora Academia, 176 pags., R$ 24,90). Ele serve como ótima orientação geral para os corredores que não tem tempo ou dinheiro para personalizar uma dieta com uma nutricionista.

O livro vai desde explicar a importância de se comer corretamente, até como fazer sua própria bebida isotônica. Há um capítulo interessante chamado "Queixas comuns dos corredores", em que Bonumá soluciona problemas simples, como fraqueza durante a corrida ou cansaço ao longo do dia. (Sérgio Rocha)

Trecho: "Na prática, existe certa confusão quanto às recomendações de nutrientes para esportistas. Parte dessa confusão reside no fato de elas serem baseadas em atletas. (…) Confie, acima de tudo, nas respostas do seu corpo, mas considere a possibilidade de mudar sua rotina alimentar de acordo com seus treinos"

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