Sempre tive convicção de que minha principal obrigação na vida é a de concretizar os sonhos, divididos entre pessoais, profissionais e esportivos. Exatamente nessa ordem. No último grupo, o foco é nas corridas, especialmente nas maratonas, tão odiadas por uns e tão queridas por outros. Todos os anos minha mente inquieta monta uma viagem para que nossas férias – ao lado de meu marido – sejam inesquecíveis.
Em 2012, decidimos por Amsterdã para aproveitar o percurso plano e rápido que todos elogiam. Mas como ir à Europa e correr apenas uma maratona considero um desperdício, resolvemos que faríamos também a de Veneza, na semana seguinte. Entre as duas provas, uma visita a Roma e seus arredores. Tudo perfeito… na teoria, já que em agosto Cersio descobriu fraturas por estresse nas duas tíbias, o que o impediu de treinar como desejava e precisava.
Ficamos tristes porque sabemos que o resultado em uma maratona depende principalmente do treinamento, mas também confiantes de que no final tudo daria certo. A data da viagem chegou rapidamente e, ao desembarcarmos em Amsterdã, a temperatura estava em torno de 10°C.
O dia da maratona amanheceu chuvoso e frio, com temperatura variando entre 6°C e 7°C. Mas o que não esperávamos é que com a chuva e o frio, o vento também fosse aparecer. E não sei por que, mas deve haver uma explicação "científica": na maioria das vezes o vento sopra sempre na direção contrária dos maratonistas.
Como a primeira metade da prova é praticamente dentro da área urbana, não sentimos tanto a força do vento, mas a partir do km 20, quando o percurso retorna à região central, depois de percorrermos uma área mais retirada e não menos linda de Amsterdã, não teve jeito: vento no peito até o final da prova, que tem largada e chegada dentro do Estádio Olímpico, construído em 1928. O trajeto é realmente lindo e plano, mas para quem vai em busca de marcas pessoais, cuidado, pois mesmo largando em baias conforme o tempo previsto, há afunilamentos nos primeiros quilômetros devido à grande quantidade de pessoas. Consegui encaixar meu ritmo somente depois do km 8, terminando em 3h49, e o Cercio em 3h05. Primeira etapa vencida.
VENEZA ALAGADA. Ao chegarmos em Veneza, nos deparamos com a cidade alagada e com muito frio. O tempo chuvoso e as cheias do Mar Adriático forçaram todos a usar botas de borracha até o joelho para conseguir andar. Por sorte ficamos hospedados na localidade de Mestre, próximo à retirada do kit e de onde saem ônibus da organização, levando os inscritos para a largada.
No dia da maratona a temperatura estava marcando 4°C, céu nublado e novamente muito vento que, claro, sopraria contra os atletas. Nossa torcida agora era para que não chovesse antes da largada a fim de que o sofrimento fosse amenizado e apenas os pés, e nenhuma outra parte do corpo, estivessem congelados antes de começarmos a correr. Mas a chuva veio. Na verdade acho que não eram pingos d'água, mas pregos pontiagudos vindos do céu, tamanha a força com que batiam em nossos rostos e braços.
Depois de mais de uma hora de espera, a largada foi dada e saímos na localidade de Stra. Veneza por um lindo percurso que margeia um rio até a marca da meia-maratona, seguindo então para Mestre, Parque San Giuliano e para a ponte sobre o Grande Canal, na entrada de Veneza. O vento contra quase que impedia todos de correr. A chuva não dava trégua e o esforço era apenas para não parar. Foram 4 km de sofrimento intenso até chegarmos ao último trecho da prova – Veneza propriamente dita. Aí começaram as pontes sobre os inúmeros e famosos canais. A organização reveste as escadas com um tipo de tablado de madeira que, com a chuva e o cansaço com que todos chegam a essa altura da maratona, tornam-se propícios às quedas.
O final da maratona não pôde ser na Praça de San Marco devido ao alagamento, mas em um local bem próximo. Eu não sabia qual seria minha reação ao cruzar a linha de chegada, se iria rir, chorar, desmaiar, morrer ou sei lá, mas foi apenas a de parar, tamanho o esforço e o sofrimento. Veneza foi a prova que mais me desafiou até hoje, incluindo as ultras que já completei, pela sensação de frio de -2°C, pelo vento contrário, pela quase certeza de que não iria conseguir…
Apesar das dificuldades, a organização foi impecável, montando tendas para a imediata troca de roupas após a chegada, guarda-volumes separados (masculino e feminino) e servindo chá quente no ponto de onde pegaríamos o transporte de volta. Creio que esse chá deva ter salvado vidas. Essa edição da Maratona de Veneza foi considerada a mais severa de todas pela condição climática adversa. Concluí em 3h50 e o Cercio em 3h10, jurando nunca mais voltar. Mas hoje, pensando bem…"