Sem categoria admin 1 de dezembro de 2011 (1) (122)

Vem chegando o verão…

Com a chegada da primavera – na verdade cada vez mais parece que pulamos do inverno direto para o verão – iniciamos mais uma vez o ciclo de preparação para os treinos e provas no calor. O horário de verão ajuda para quem treina logo cedo, mas deixa os treinos do final da tarde mais quentes. É preciso repensar as rotas de treino, passar por parques com bicas d'água, quem sabe até comprar um cinto de hidratação. Soluções para a corrida no calor não faltam, o que falta talvez seja um pouco mais de informação para os corredores sobre quais são os perigos reais de se exercitar no calor e quais medidas preventivas devem ser tomadas.

Existem dois mecanismos que agem de maneira relacionada e reduzem nossa capacidade física em situações de estresse térmico. O primeiro deles é o aumento da temperatura corporal, e ligado a ele surge o segundo, que é o aumento da quantidade de batimentos cardíacos.

De toda a energia produzida pelo organismo, apenas cerca de 20% é efetivamente aproveitado para tarefas como a produção de força e movimentos. Os outros 80% são perdidos na forma de calor. O acúmulo deste eleva nossa temperatura interna, e surge a necessidade de enviar o calor que é produzido internamente para fora, pois a temperatura do organismo é uma variável fundamental para o bom funcionamento de todos os processos bioquímicos.

Enzimas e reações químicas necessitam de uma temperatura ótima para ocorrer, e aumentar a temperatura muitas vezes inibe completamente alguns processos. Em situação de repouso, a temperatura normal do corpo humano é em torno de 37°C. Uma elevação de 1 grau já será o suficiente para que ocorram os sintomas típicos de febre. No entando, durante o exercício nosso corpo é muito mais tolerante, e temperaturas tão altas como 40,5°C já foram registradas, sem que o corredor apresentasse qualquer sintoma de mal-estar.

Para atenuar o aumento da temperatura interna, o corpo precisa realizar trocas térmicas com o meio externo, e para isso retira o calor das partes mais profundas e o leva para a periferia, onde consegue transferi-lo para o meio externo. Este trabalho é feito pelo sangue, que ao circular pelos vasos sanguíneos mais profundos é aquecido pelos tecidos ao seu redor, retirando seu calor. O sangue então é desviado da musculatura para os vasos mais superficiais e próximos à pele, onde é resfriado. A eficiência deste mecanismo irá depender da diferença de temperatura entre o corpo e o meio externo, e por isso quanto mais quente for o dia, menor será a diminuição da temperatura.

 

PELO SUOR, O RESFRIAMENTO.  Para manter a pele resfriada e continuar a retirada de calor do sangue, utilizamos o suor. As gotículas da transpiração retiram o calor da pele pela evaporaração, mantendo-a mais fria que o interior do corpo. Esse mecanismo de retirada de calor é um dos mais eficientes do mundo animal, porém coloca duas sobrecargas distintas no coração: primeiramente, é necessário desviar o sangue dos músculos para a pele, aumentando a quantidade de sangue que deve ser bombeada; em segundo lugar, parte da água que compõe o suor vem do plasma, que é a parte líquida do sangue. Com menos sangue, o coração precisa bater ainda mais para suprir a demanda dos músculos e da pele. Quando se compara o exercício realizado no calor com aquele feito em clima frio, os batimentos cardíacos iniciam de forma semelhante nas duas situações, porém chegam a ficar até 25 batimentos por minuto mais altos no calor.

Mesmo com estes mecanismos de perda de calor funcionando muito bem, é natural que nossa temperatura corporal aumente de forma gradual com o decorrer da atividade física, e a proporção deste aumento é ditada pela relação entre nossa taxa metabólica (ou velocidade de corrida, neste caso), e pela capacidade do corpo de perder calor para o meio externo.

Nosso cérebro "calcula" em que velocidade conseguiremos correr para que possamos chegar ao fim da corrida, sem atingir níveis de temperatura considerados críticos, e de acordo com as mudanças de nossa temperatura corporal influencia nossa sensação de cansaço para que sejamos obrigados a correr mais devagar (se necessário), e assim diminuir a produção de calor, permitindo que a temperatura corporal também se estabilize em limites aceitáveis.

Se a temperatura ambiente estiver mais elevada, nossa capacidade de perda de calor pelo suor é reduzida, e nossa temperatura corporal sobe mais rapidamente que antes, dando início ao processo de nos sentirmos "mais cansados", que acabamos de ver mais precocemente. O cansaço causado pelo aumento da temperatura corporal se soma à elevação dos batimentos cardíacos, que aumentam ainda mais nossa percepção de esforço e tornam os primeiros treinos no calor tão desagradáveis.

 

PERDA DE SAIS? TUDO BEM!  Muito se fala sobre os perigos de se exercitar no calor. É verdade, com a temperatura acentuada, nosso corpo perde fluidos, sais minerais e tende a ganhar temperatura com mais facilidade. No entanto, nosso corpo é programado para se defender automaticamente destas situações, e um dos maiores riscos à nossa saúde na verdade é não dar ouvidos ao nosso organismo e tentar ser mais esperto do que ele.

Sobre a perda de água e sais minerais com o exercício físico, é importante que se entenda uma coisa: nosso corpo não está preocupado com a perda de massa corporal, ou com a perda de líquidos ou de sais isoladamente, ao menos não no curto prazo, como durante o exercício. O mais importante é manter a osmolalidade plasmática, ou seja, a "concentração" de sais e outras moléculas no sangue e nas células. Destes sais, o sódio é o principal dele, e muitas vezes se utiliza a concentração sanguínea de sódio como representante da osmolalidade do plasma.

Nosso sangue possui cerca de 140 mEq/L de sódio. O sódio em nosso suor quando muito chega na casa dos 60 mEq/L, e por isso na verdade quando desidratamos o normal é que nossa concentração de sódio (o que realmente importa) suba, e não que desça.

Se o corredor tentar repor todo o volume de peso perdido durante a prova, aí sim sua concentração de sódio tenderá para baixo. Aliás, tentar repor TODO o peso perdido diurante uma corrida, independente do líquido utilizado, irá dissolver a concentração de sódio do organismo, pois mesmo as bebidas esportivas possuem concentrações de sódio muito baixas quando comparadas ao sangue.

 

DESIDRATAÇÃO É NORMAL. Este é um perigo muito maior que a "desidratação". Se nossa concentração de sódio diminui, as células tendem a inchar, e isso pode levar ao mau funcionamento de diversos órgãos, num quadro conhecido como hiponatremia (baixos níveis de sódio) induzida pelo exercício. O corpo humano foi feito para perder líquido durante o exercício, e se analisarmos todos os corredores de uma prova, não por acaso veremos que os campeões geralmente são os mais desidratados e mais super-aquecidos, sem que isso lhes acarrete qualquer malefício.

Até o início dos anos 70 se acreditava que beber durante uma atividade física era um sinal de fraqueza. Com a invenção de uma famosa bebida esportiva, o paradgima se inverteu completamente, e o mundo científico passou a correr em busca da fórmula mágica da hidratação, aquela que permitisse que os atletas aumentassem ao máximo suas performances.

A verdade é que até hoje nenhum estudo conseguiu demonstrar que qualquer tipo de guia forçada de hidratação seja superior a simplesmente beber de acordo com a sede. Esta, aliás, é recomendação atual de diversos orgãos médicos relacionados ao esporte, inclusive a Associação Internacional de Diretores Médicos de Maratonas: Se tiver sede, beba! Se não tiver, não beba!

Costumava-se pensar, e ainda há quem diga, que a sede é um mecanismo "atrasado", pois já estamos desidratados quando sentimos sede. Isso depende do que se está chamando desidratação. Se entendermos esse estado simplesmente como a perda de peso corporal, diremos que a sede é atrasada; mas este é um conceito equivocado. Nosso corpo possui "reservas" de água que pode perder antes que isso afete nosso estado hídrico.

A sede é sensível a mudanças na osmolalidade plasmática, essas assim importantes para o funcionamento correto do organismo, e até que essa variável seja afetada dificilmente sentiremos sede. Para proteger a temperatura corporal, nosso corpo transpira, e ao não repor todos os líquidos perdidos durante o exercício ele protege suas concentrações de sódio.

 

ADAPTAÇÃO AO CALOR. Com a mudança brusca de temperatura, a primeira coisa a se fazer é repensar os volumes e principalmente as intensidades de treino. Uma corrida fácil pode se tornar insuportável se realizada a 30 graus, e é importante lembrar que quanto mais destreinado, ou de menor nível atlético, mais o corredor irá sofrer até que seu corpo se adapte às novas condições climáticas.

A aclimatação ao calor inicia logo na primeira sessão de atividade física, e acredita-se que sejam necessárias sessões diárias de cerca de duas horas – não necessariamente consecutivas – para desencadear o processo de adaptação. Com cada nova sessão o organismo irá otimizando sua resposta à temperatura elevada.

Os quatro principais indicadores de que nosso corpo está mais tolerante ao calor são o aumento da taxa de sudorese, a diminuição da frequência cardíaca e da temperatura corporal, e obviamente a melhora de performance. As melhoras na frequência cardíaca, sudorese e temperatura corporal levam entre 10 a 14 dias para atingir seus níveis máximos, e este é considerado o período  ideal para aclimatação dentro de um ciclo de treinamento, porém a performance pode levar ainda mais tempo para voltar aos níveis mais altos.

Veja também

One Comment on “Vem chegando o verão…

  1. Muito bom o artigo. Mas e no meu caso que treino no nordeste, só temos duas estações: Calor com chuva e Mais calor com mais chuva, rsrsrs… Nossa oscilação térmica é entre 30 e 33. Clima muito bom para adaptações térmicas.

Leave a comment