Quando o treinamento atinge uma barreira, e o corredor deixa de evoluir – ou até mesmo passa a regredir – existem três possibilidade: manter os treinos (aumentando ainda mais a carga ou diminuindo), trocar o sistema de treinos ou mesmo de treinador, o que em verdade é uma forma mais extrema de alterar a preparação. Aumento ou redução da carga é a possibilidade de que tratamos com mais frequência, pois normalmente é a decisão menos dramática e que naturalmente é adotada primeiro. Falhando esta, eventualmente chega o momento em que o corredor ou corredora passa a considerar mais seriamente se está treinando da forma correta ou com a pessoa certa.
Um argumento a favor da "troca" é que normalmente quando um corredor resolve modificar seu sistema de treino é porque o atual é claramente inadequado. Logo, o mais provável é que qualquer mudança de direção possivelmente terá efeito positivo sobre o rendimento. As chances sempre estarão a favor desse resultado se a mudança ocorrer no momento em que o corredor percebe que está estagnado.
Vamos considerar, por exemplo, o caso de uma corredora: ela busca auxílio pois, após alguns anos, sua performance começou a diminuir, mesmo que esteja treinando cada vez mais ao longo dos últimos meses. O óbvio neste caso é fazer um levantamento do histórico de marcas e de treino da corredora. Se ela vinha fazendo determinada quilometragem semanal e seu tempo de maratona passou das 4h20 para quase 5h, o treinador irá tentar algo diferente, possivelmente propondo uma redução do volume e manipulação da proporção de intensidade dos treinos. Quando já sabemos que algo deu errado, é muito mais fácil olhar para trás, perceber as falhas e mudar de direção.
VIÉS COGNITIVO. Contudo, tão interessante quanto o porquê e como uma mudança de treinos pode nos ajudar, é entender porque deixamos de ver que nosso treinamento não está adequado. Todos nós sofremos dos chamados viés (ou tendências) cognitivos, pequenas distorções nas nossas maneiras de pensar e ver o mundo, que nos levam a interpretações muitas vezes errôneas.
Um exemplo clássico de viés cognitivo é a nossa tendência a achar que somos mais inteligentes do que realmente somos. Se perguntadas, a maioria das pessoas acha que é mais esperta que as demais ao seu redor, uma impossibilidade matemática. No mundo da corrida, treinadores tendem a acreditar que sua maneira de prescrever planilhas é a correta, e utilizam seus atletas "de sucesso" como uma forma de confirmar sua posição, enquanto os corredores que falham são vistos como problemáticos (e não o treino em si). Isso acaba por prevenir que o treinador considere realmente a possibilidade de que sua orientação seja problemática.
Os corredores, por sua vez, com frequência são afetados pelo chamado "efeito de manada" (se funciona para os outros, tem que funcionar para mim). O primeiro treinador de cada indivíduo, em um último exemplo, é mais uma mostra disso: nossa primeira informação sobre algum assunto tende a virar nossa âncora, nosso ponto de referência, e qualquer outra visão sobre o tema passa a ser comparada com ela. Se o seu primeiro técnico for um maluco completo, infelizmente essa será sua primeira noção de como é o treinamento "normal", e uma periodização muito mais adequada em um primeiro momento irá parecer estranha ou até errada.
Pense numa corredora fazendo 120 km semanais para correr uma maratona em 4h30 se deparando com um grupo que corre 50 km para tentar atingir o mesmo resultado. A reação natural dela será de descrença, até que perceba que isso é efetivamente possível e até recomendável. Existem diversos outros exemplos de viés cognitivos (e muitos profissionais mais aptos para discutir a questão), mas o importante é que o corredor ou corredora tente perceber que sua visão sobre o treinamento ideal é distorcida por diversos fatores, e que, justamente por isso, devemos sempre estar abertos a conhecer novas possibilidades de treinamento, que desafiem o nosso entendimento atual.
PRINCIPAIS ERROS. E quais são os principais erros ou falhas na periodização para as quais deveríamos estar atentos? Em ordem aproximada de importância, temos: excesso de carga (geralmente volume), falta de estímulo de alta-intensidade e de repouso adequado entre os ciclos de carga, e a não preparação específica pré-prova (fase de polimento).
A lista segue, mas dentro de uma periodização simples estes são possivelmente os fatores que possuem o maior potencial para afetar positivamente ou negativamente a performance. Aquele corredor que treina em excesso, ao perceber que algo está errado e mudar de direção, irá notar um salto de desempenho muito maior do que, por exemplo, outro que passe a adicionar exercícios de musculação em sua rotina.
Um fator importante a ser considerado é que, quanto mais próximo do treinamento "ideal" o corredor estiver, menor a chance de que uma troca será positiva. Considere a questão da intensidade: hoje em dia acredita-se que o treinamento adequado conte com cerca de 20% do volume realizado sob a forma de treinamento intervalado de alta intensidade, enquanto os 80% restantes são realizados em baixa intensidade. Uma pessoa cujo treino seja baseado somente em rodagens terá muito a ganhar com a inclusão de séries intervaladas, mesmo que apenas 5-10% de seu volume. Por outro lado, aquele corredor que já realiza 5-10% de seu volume em alta intensidade será muito menos beneficiado com uma mudança para os 20%, pois seu organismo já está parcialmente adaptado.
Acima de tudo, porém, é preciso frisar que a mudança não deve acontecer simplesmente em função da mudança. Mudar por mudar até pode ter alguma pequena influência nos resultados do corredor, em função de um maior comprometimento e ânimo renovado, da mesma forma que começar uma nova dieta toda segunda-feira (para abandoná-la na terça) faz com que as segundas-feiras sejam mais disciplinadas que o resto da semana.
É importante que estas mudanças sejam feitas de forma fundamentada, na busca do planejamento "ideal" de cada um. O treinamento é um longo processo de tentativa e erro, e devemos estar sempre atentos para novos caminhos e possibilidades, aprendendo com as provas anteriores e construindo nosso próprio sistema ao longo dos anos.