Com a correria e agito diários, costumamos dizer que um ano passa em um piscar de olhos. E a sensação é realmente essa mesmo. Olhamos para trás e visualizamos algo que parece tão próximo, mas que está dez, doze meses atrás.
Um piscar de olhos que pode mudar uma vida. Um piscar de olhos que acaba com uma família. Um piscar de olhos que altera toda uma realidade. Um piscar de olhos que traz o medo, o susto, a insegurança, a incredibilidade.
Há um ano, no exato horário que escrevo esse texto, Martin Richard saía de casa, todo feliz, ao lado da mãe e da irmã. Aos 8 anos de idade, normalmente, o pai é o grande ídolo. Pai que estava um pouco distante, descendo e subindo as ladeiras da Maratona de Boston. Em algumas horas, Martin abraçaria o ídolo, o exemplo, próximo à linha de chegada. Uma alegria ímpar, que nunca será transcrita com palavras.
Orgulhoso, cheio de si, feliz, viu o pai chegando. Saiu da calçada para abraçá-lo já na rua. Sorrindo e dando um último olhar, voltou caminhando em direção à mãe e à irmã. E o pai, virando para a frente, retomava o ritmo para os últimos metros antes de cruzar a famosa “finish line” da centenária Boston. Da maratona das famílias. De gerações e gerações. De sonho de consumo dos apaixonados pelos 42 km. Da medalha mais desejada e guardada com carinho.
Porém, em um piscar de olhos, Martin foi embora. O amarelo e o azul, cores tradicionais da alegria de Boston foi embora junto com o garotinho. Deu lugar ao vermelho. Do sangue. Da dor. Ao preto. Do luto. Da tristeza. da morte. Das lágrimas. Com a explosão de duas bombas, Martin, infelizmente, era uma das três vítimas fatais. A irmã e a mãe, integravam as centenas de feridos.
Martin foi embora ainda com aquela sensação de felicidade. Não deve ter sentido absolutamente nada. Felizmente. Nem deu tempo. Em um piscar de olhos, despediu-se da vida. Com as lembranças do abraço no pai, da festa que as ruas de Boston tornam-se anualmente há 118 edições ininterruptas na terceira segunda-feira de abril.
Hoje, após exato um ano, que passaram em um piscar de olhos, choro como chorei nos dias seguintes. Mas um misto de choro de tristeza e de superação. É bonito demais ver como o ser humano, tão egoísta, tão individualista, tão sem valores em diversos momentos, une-se nas adversidades. O mundo das maratonas mudou. Boston mudou. Os moradores mudaram. Durante um ano estão trabalhando para mostrar que sentiram o baque, que a ferida ficará para sempre, mas que são mais fortes. Que nada irá derrubá-los.
Na tristeza dos dias seguintes, nos pedidos de desculpas dos moradores de Boston e região a cada conversa com eles pelas ruas, eu tive a certeza que estaria de volta. Que precisava fechar esse capítulo. Não com a imagem que ficou de um ano atrás. Mas com a tradicional alegria de 118 anos.
Daqui a seis dias, em 21 de abril, nas proximidades da linha de chegada, terei o olhar tão apaixonado como o do Martin vindo do Pedrinho, de 5 anos, e da Vitória, de 9 (quase dez, como ela gosta de falar). E celebraremos juntos. Na vida toda que eles têm pela frente, na alegria, no amor, na certeza que temos de seguir em frente, de cabeça erguida. Lutando para que quando eles forem adultos, tenhamos um mundo um pouco melhor. Que não acabe em um piscar de olhos. E que, se for para acabar em um piscar de olhos, que atrás dele tenhamos milhares de momentos para festejar.
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O melhor texto que já lí aqui no blog. Parabéns. Estaremos com vc em pensamento, na torcida.
Que texto fantástico André! Parabéns!
André, seu texto é muito bonito. Mas ele tem um erro que, acredito, você vai querer corrigir. O pai do Martin Richard não estava correndo. A família estava toda junta (pai, mãe e três filhos, o Martin era o do meio), assistindo a chegada da maratona. A mão ficou cega de um olho, o pai ficou com sequelas em um dos ouvidos, e a irmã mais nova perdeu uma perna. O irmão mais velho não sofreu nada, pelo menos fisicamente (psicologicamente, vai imaginar…). É interessante porque eu também sempre li que a família estava esperando o pai chegar. Mas se você ler essa fantástica reportagem do Boston Globe (http://www.bostonglobe.com/metro/2014/04/12/loss-and-love/a19pcWz6WF5nNozPPItwYI/story.html) vai ver que esse é um erro que vem sendo repetido pela imprensa há mais de um ano. De qualquer forma continuo achando o seu texto muito bonito. Você devia escrever com mais frequência…
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Obrigado, Francisco
Caramba, vou até checar de novo os dados. Pois sobre o pai, eu estava em Boston e vi matérias na televisão após a prova, na sequência, e depois em jornais e revistas, sobre o tema, com essa história do abraço ao pai. Inclusive nos dias após a prova isso foi repetido à exaustão… nunca tinha lido algo diferente.
Abraço
André
Correção: a *mãe* ficou cega de um olho.
Um piscar de olhos!? Isso dá o que? Uns dois segundos!? 😉