20 de setembro de 2024

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Notícias admin 4 de outubro de 2010 (0) (98)

Um desafio de 100 km nas montanhas da Austrália

 

Tendo participado de corridas em diversas modalidades nestes últimos 30 anos, optei por me inscrever numa prova dura de longa distância, a The North Face 100 Km, dentro do Blue Mountains National Park, na Austrália, em 15 de maio. Fui pesquisar detalhes do percurso (no site www.thenorthface.com.au/100) e fiquei surpreso com a variação radical da altimetria, o que me levou a planejar um treinamento que incluía muitas, mas muitas subidas, principalmente em terrenos acidentados, pois não tinha tanta experiência nesse tipo de situação.

Depois de 5 meses de treinos, incluindo sessões de musculação, visando a recuperação e fortalecimento de massa muscular, compensando os 10 kg mais magro do meu normal, embarquei para Sydney no dia 9 de maio, onde fiz muitos passeios, inclusive de bicicleta, para manter a forma. Dia 14 fui para a cidade de Leura com minha irmã Suzana e o marido Alan, que moram na Austrália e estavam lá para dar uma força nos check points permitidos durante o percurso.

A lista inicial de inscritos indicava 841 atletas entre solo e duplas, mas só largaram 649. Com uma mochila pesando 5 kg, com água, muitos suplementos, calça, luvas, gorro, micro farmácia e itens de segurança obrigatórios, como bússola, apito e lanterna, saímos em direção às montanhas. No trecho inicial com 1,5 km em asfalto, corri entre os primeiros, mas chegando ao início do percurso nas montanhas, com as intermináveis descidas em terreno estreito, muito acidentado e bastante perigoso, começaram a me ultrapassar os atletas mais acostumados com esse tipo de prova, e assim foi até o final do 1º trecho, chegando ao 1º check point no km 17, feitos em 2h23, tempo que faria pela metade no mesmo percurso em rua.

Comi pão com passas, tomei uma sopa, reabasteci o reservatório de água e parti para mais uma etapa, com um maravilhoso visual do parque, que lembra o Grand Canyon (EUA) com muita vegetação, degraus tanto em subidas como nas descidas, pequenas pontes com vista para enormes precipícios, que ao menor descuido, provavelmente levariam alguns dias para ser encontrado. Corre-se sempre com outros atletas, dando o maior incentivo um para o outro nos trechos mais difíceis.

O 2º check point, no km 38, foi o momento onde avaliei as condições de alimentação e percebi que estava bem, portanto, mais uma sopa, um pãozinho, um pouco de amendoim, passas, castanha que eu levava na mochila, reabastecimento de água e outros suplementos e segui para mais um trecho. No km 48, senti uma fraqueza que  conheço bem e sabia que não estava me alimentando adequadamente, por isso comi um pedaço de barra de proteína, um sachê de carboidrato em gel, que eu ingeria a cada 10 km, um pouco de castanhas, mel e fui em frente, mas cheguei no 3º check point um pouco fraco e com fome. Enfim, já estava correndo/andando há mais de 8 horas.

Como esse era o primeiro ponto onde se poderia ter apoio, fiz uma refeição mais demorada, com pão, sopa, café, bolo, bolacha, conversei um pouco com minha irmã e cunhado, que levantaram minha moral, reabasteci a mochila com água e fui para mais 13 km até a próxima parada. Como a corrida é um sobe e desce entre canyons, o visual é diferente, as dificuldades são maiores e o cansaço e as dores já apareciam para alguns atletas.

 

À NOITE, NO FRIO. Aparentemente um trecho curto, fiz essa etapa em 2 horas e cheguei ao 4º check point, começando a escurecer. Neste ponto é feita uma checagem dos equipamentos de segurança que deverão ser usados à noite, e como eram 17h30, todos os atletas já mudaram suas roupas para enfrentar o frio noturno de até 6ºC. Exagerando um pouco, vesti um moletom e mais um impermeável, além da calça leg, luvas, gorro e lanterna e parti para a etapa mais dura da competição, porque além da escuridão, as subidas não terminavam, com um trecho de subida com 15 km sem parar, se viam atletas estendidos no chão, por contusão ou fadiga mesmo.

Depois de percorrer os 22 km em 5 horas (!), cheguei ao último check point, no km 89, encharcado de suor pelo moletom desnecessário. Já eram quase 16 horas de prova para mim. Fiz mais uma refeição à base de sopa, pão, café, chocolate, fui ao banheiro e voltei a correr uns 10 minutos depois. Parecia que seria um trecho mais suave com algumas subidas, afinal largamos no alto e deveríamos chegar ao mesmo lugar. Engano meu e de muitos atletas, porque começou um trecho interminável de descidas, difíceis, com muito barro, pedras, pontes, escadas, onde cada km era feito em 20 minutos.

Quem desce tem que subir, portanto os 4 últimos km foram de subidas sem parar, sendo guiado pela lanterna fixada na cabeça. Já quase no fim, no km 96, levei um tombo e rolei na trilha, mas consegui cair me apoiando na mochila, evitando ralar todo o corpo que, apesar de exausto, já podia comemorar mais uma conquista e terminar a 1h50 de uma madrugada bem fria, mas com uma torcida aplaudindo a chegada dos participantes, depois de percorrer os últimos metros sobre um gramado bem cuidado e receber a medalha, que na verdade é uma grande fivela de cinto, e o diploma de finalização! Foram 100 km em 18:37:38!

Posso afirmar com a certeza de quem já correu muitas maratonas e ultras, incluindo a Marathon Des Sables no Deserto do Saara em 2003, que essa foi a mais difícil prova que participei, mas valeu cada km e todo o esforço no período de  treinamentos.

Claudio Zuccolo é assinante de São Paulo

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