O que leva as pessoas a fazer ultramaratonas? As razões são diversas, mas duas costumam aparecer com mais freqüência: a busca de novos desafios e o prazer de enfrentar a longa distância. Mas existe uma outra, que é certa massagem no ego, pela sensação de superioridade em relação aos demais corredores. Quantas vezes em entrega de kits fui abordado por corredores que se apresentavam como "eu sou ultramaratonista", ao que eu respondia, "eu sou jornalista".
A razão primeira para se ir para a ultra é relativamente óbvia e coerente para quem já fez algumas maratonas e quer saber como é passar dos 42 km. Só que, curiosamente, muitos não procuraram melhorar suas marcas na distância clássica, o que requereria treinos de velocidade, mas sim optam por aumentar apenas a quilometragem. Por outro lado, existem aqueles que sequer fazem uma maratona e logo pensam em uma prova de 24 horas. É verdade que esta ou as de 48 horas têm a vantagem de não exigir qualquer distância mínima a ser percorrida, bastando participar correndo, caminhando, descansando etc.
Me lembro quando, há 20 anos, comentei em uma reunião social que iria fazer uma maratona. A reunião parou e todos me olharam surpresos, não acreditando que eu enfrentaria tão longa distância. Hoje em dia, com a popularização das maratonas e o ingresso em provas "apenas para completar", este fato acabou se banalizando, daí talvez certo crescimento do interesse pelas ultras.
A MARCANTE COMRADES. De qualquer forma, ser capar de fazer percursos longos é mesmo muito legal, como constatei quando decidi que iria correr a Comrades, na África do Sul, para comemorar meus 60 anos. Na verdade, queria, como jornalista, verificar na prática a dificuldade de se preparar para uma ultra e, naturalmente, saber como era a sensação do desafio vencido.
Durante 4,5 meses (janeiro a meados de maio) treinei para os 89 km da mais famosa ultra do mundo, seguindo um planejamento bastante simples. Fazia apenas rodagem, ou seja, treinos em ritmo confortável, três vezes por semana, aumentando em 20 minutos meus longos a cada domingo, o que significou começar com 2 horas e chegar ao meu último de 8 horas, realizado sem grande dificuldade. Mas durante todo o treinamento uma coisa foi fundamental: eu coloquei na cabeça que queria muito completar a Comrades (que tem tempo máximo de 12 horas) e dessa forma, saía para treinar sempre muito animado.
A participação na Comrades é mesmo sensacional, pela multidão correndo (quase 20 mil, a absoluta maioria completando) e assistindo, e alguns dias depois de ter completado (em 10h50) já havia decidido fazer o percurso em subida (87 km) no ano seguinte, quando fechei até melhor, em 10h10. Ao final, a sensação é mesmo de superioridade, o que acabou se reforçando nos meses (e anos) seguintes, durante entregas de kit, em que era obrigado a falar aos leitores como tinha conseguido tal feito, mesmo sendo eu um sexagenário. Explicava, então, que não tinha sido difícil, que era uma questão de ir aumentando a quilometragem aos poucos etc, e apesar da maioria não acreditar nessa facilidade, convenci dezenas a ir à África do Sul.
E continuo com a mesma posição de que fazer ultras é mais fácil do que melhorar a marca em uma determinada distância. É deixar de treinar qualidade e trocar por quantidade. Quem tem 4 horas em maratona como melhor resultado, sabe o quanto será difícil baixar para 3h45, enquanto fazer várias provas de 42 km ou de maior distância em ritmo confortável representa uma meta muito mais acessível. Apenas como exemplo, nas semanas finais para a Comrades, fazia praticamente três maratonas por semana: na terça 30 a 35 km, na quinta 35 a 40 km e no domingo de 50 a 70 km. E na segunda, quarta e sexta, 1 hora de musculação geral e mais meia hora de esteira. Meus únicos treinos fortes foram a participação nas maratonas de Floripa e Porto Alegre, quando aproveitava que eram "só" 42 km, para treinar um pouco de ritmo.