Correr a Two Oceans Marathon, na África do Sul, tem se tornado uma excelente opção para quem quer se aventurar numa corrida de 56 ou 21 km desafiadores, com muitas ladeiras, tempo-limite e pontos de corte, de acordo com a passagem em determinados quilômetros, para ambas as distâncias.
Sempre realizada no sábado antes da Páscoa, este ano 130 brasileiros completaram os percursos e aproveitaram o feriado da Semana Santa para conhecer a encantadora Cidade do Cabo.
Com ofertas de passagens aéreas a menos de 1.000 dólares, se compradas com antecedência, a cidade oferece muitas opções de hospedagem e seus preços são muito vantajosos. Para se ter uma ideia, a agência de viagem Kamel vendeu todos os seus pacotes em apenas uma semana ao oferecer hospedagem em hotel 4 estrelas, passagem aérea, traslado ida e volta para o aeroporto e para a largada, jantar de massas, área vip na chegada para corredores e acompanhantes, seguro viagem, kit com camiseta e bolsa – e tudo isso a partir de 1.600 dólares.
E viajar com a South Africa Airlines foi uma grata surpresa. Com aviões modernos e com mais espaço entre as poltronas, a companhia oferece excelentes opções de jantar (já nem lembrava como era comer sem os pavorosos talheres de plástico das empresas aéreas americanas e algumas europeias), café da manhã e os famosos vinhos sul-africanos.
A viagem exige o certificado internacional de vacinação contra febre amarela, que deve ser tomada no mínimo 10 dias antes de embarcar. No aeroporto era possível ver diversas pessoas barradas por não cumprirem esta exigência.
As inscrições para as provas podem ser feitas pelo site www.twooceansmarathon.org.za e as vagas para a meia-maratona esgotam-se rapidamente (16 mil inscritos). Mas até 35 dias antes ainda era possível fazer inscrição para os 56 km (11 mil inscritos), no valor de 110 dólares para duas as distâncias.
FEIRA GENEROSA. A entrega dos kits foi realizada em um moderno centro de convenções, próximo da maioria dos hotéis. Com patrocínio da Adidas, o kit oferecia sacola e camiseta, além de diversos "brindes" que sumiram dos materiais distribuídos nas principais competições internacionais. A loja com produtos da prova oferecia muitas opções, e praticamente todos os fabricantes de marcas esportivas tinham estandes na feira, que era bem grande e interessante.
Os corredores estrangeiros ganhavam mais uma camiseta Adidas e estavam automaticamente e sem custo adicional inscritos na Corrida da Amizade, que aconteceu na sexta-feira, e foi uma ótima opção para conhecer um pouco mais a cidade, já que seu trajeto de 6 km iniciava e terminava no Waterfront, o maravilhoso porto reformado com suas centenas de lojas e restaurantes, passando pela praia e pelo bonito estádio de futebol que foi reconstruído para a Copa do Mundo em 2010. Na chegada, lanche e show de música e dança com crianças.
A meia-maratona tem duas largadas: às 6h e às 6h10, dependendo do curral para o qual você for designado após o envio de comprovação de tempo para os organizadores. Entretanto, independente do seu horário de largada, só ganharão medalhas aqueles que completarem a prova até o horário das 9h20 de acordo com o relógio da organização e não pelo tempo do chip. De qualquer forma, mais de 3 horas para terminar.
A disputa de 56 km larga às 6h30 e os corredores devem completar em até 7 horas, também pelo relógio dos organizadores.
Portanto, recomenda-se acionar o cronômetro ao som do canhão que anuncia o início e não ao passar pelo tapete do chip de cronometragem.
Recebemos dois números que deviam ser colocados na frente e nas costas das camisetas, obrigatoriamente, e estes informavam a quantidade de participações nestas provas e a sua faixa etária (de 10 em 10 anos); e quem já correu 10 vezes ou mais a Two Oceans recebe o Blue Number, como o Green Number da Comrades.
Vi muitos corredores com mais de 20 participações e outros que ostentavam orgulhosos o emblema do Green Number nas blusas, além de bonés e camisetas da Comrades. Muitos participam da competição como treino para a famosa ultramaratona, que acontece 40 dias após e tem percurso de 89 ou 87 km.
POUCO PÚBLICO. Não se vê muito gente nas ruas e muito menos nas estradas, mas os poucos são bastante animados.
Os percursos são os mesmos somente até o km 3 e, depois, a partir do km 15 ou 50 até a linha de chegada de ambas as provas, no campo de rúgbi da Universidade de Cape Town.
Autoproclamado como o trajeto mais lindo do mundo, a meia-maratona margeia alguns quilômetros pelo Oceano Índico enquanto a ultra tem, ainda, uma linda vista do Oceano Atlântico. Entretanto, corre-se boa parte dos trajetos por ruas do comércio e residências, além de rodovias.
Este ano, infelizmente, o evento teve problemas de abastecimento na ultra, faltando água e isotônico do km 28 até o 40, exatamente numa das partes mais difíceis, onde os corredores enfrentam os 5 km íngremes e sinuosos da Chapman's Peak.
Coca-Cola era oferecida nos postos de hidratação, além de água e isotônico em saquinhos de 100 ml, mas em alguns pontos encontrava-se somente o refrigerante em garrafa; como não havia copos, os corredores revezavam as garrafas de boca em boca, numa tentativa de aplacar a sede e o calor de 25 graus. Uma pena, pois o número de corredores que foram retirados da prova por não passarem nos pontos de corte do km 42,2 e do 46,1 foi maior que nos anos anteriores, segundo depoimento de experientes corredores locais. Na meia-maratona não houve problema de abastecimento, mas ladeiras de arrepiar.
Após o km 42 temos mais 4 km de subida da Constantia Neck e um enlouquecedor sobe e desce até a chegada.
Embora as ladeiras sejam muitas e difíceis, temos mais descidas e estas ajudam bastante a recuperar o tempo perdido nas subidas. É grande o número de africanos que andam nas subidas e descem "como loucos".
Os marcadores de ritmo cantam palavras de incentivo e nas caminhadas alternadas com corridas nas ladeiras orientam os corredores a alongarem os braços para cima, tornando o "ônibus", como é chamado o grupo, muito divertido de participar e de ver.
Na chegada, o locutor faz a contagem regressiva dos segundos finais para o tempo-limite e os corredores que ultrapassam o pórtico de chegada depois do tempo não ganham medalha (como na Comrades…).
Apesar dos contratempos ocorridos este ano, as provas são maravilhosas e desafiadoras. O que me remete a uma frase que vi na camiseta de uma atleta do técnico Branca, de São Paulo: "Tá com medo? Por que veio?".
* DENISE AMARAL é do Rio de Janeiro
De novo, 3 minutos mais rápida
Havia corrido lá em 2012 e adorado, mas queria voltar, fazer novamente os 56 km, desta vez sem chuva, para ter a oportunidade de apreciar a belíssima paisagem da Cidade do Cabo sob o sol. E lá estava eu novamente na Two Oceans Marathon, sentindo toda a energia daquela que se intitula "a mais bela ultramaratona no mundo".
Em casa temos um lema: por mais duro que o treino seja, no final tem que ser divertido. Por isso, a última coisa que ouço do Cesar, meu marido, antes de sair para treinar, é "divirta-se". Foi o que ele me disse quando o deixei no hotel naquele dia 19 de abril, às 5 horas. Prometi que era exatamente o que faria. A prova começou no escuro, às 6h30, mas depois de 5 km já corríamos com iluminação natural. Quando vi a ferrovia, sabia que o primeiro dos dois oceanos que fazem parte do cenário estava próximo. Foi aí que senti o primeiro trecho complicado da disputa: rajadas de vento contra, que passavam dos 40 km/h. Não era fácil, mas sem alternativa respirei o ar da manhã, apreciei a paisagem do Oceano Índico em toda a extensão da Kalk Bay e segui em frente. Os primeiros 21 km são em leve descida, alternando partes planas com discretas subidas.
Depois de cerca de 10 km pelos subúrbios de Cape Town, na altura do km 30, uma curva revelou o Atlântico. Olhando para trás era possível ver a Chapman's Bay e à frente a temida subida da Chapman's Peak. A estrada tem ao todo 114 curvas e o trecho de subida supera os 5 km contínuos. Mas o visual compensa qualquer dificuldade. Do lado esquerdo um penhasco despenca em direção ao mar; do lado direito um paredão de pedra, que em alguns momentos lembra uma onda que se petrificou quando começou a quebrar. Junto com a chegada este é o momento mais emocionante da prova. É possível ver 5 km de corredores serpenteando pela montanha e não dá para deixar de imaginar que você terá que correr muito até se transformar naquelas pessoas pequeninhas que estão lá na frente, no topo da subida. Nesse momento lembrei o quão difícil foram os treinos, da canelite que me atormentou por mais de um mês, obrigando-me a substituir o asfalto pela piscina e pela bicicleta ergométrica. Das madrugadas correndo no escuro, nos dias de calor forte, quando o sol parecia ser o pior iminigo e principalmente da condromalácia de nível 3, minha companheira inseparável de treinos e competições.
SÓ COCA. E foi justamente neste trecho, o mais bonito, que a organização pecou. Os postos de hidratação só ofereciam Coca-Cola. Para mim, que não tomo refrigerante, foi terrível. Depois do terceiro posto, cedi e tomei um copo. Neste momento ao meu lado corria o gaúcho Pedro Soares, que diante da minha reclamação confessou estar tomando refrigerante numa prova também pela primeira vez. Corredores perguntando aos voluntários sobre água era a frase mais comum.
Depois, reclamações sobre o ocorrido encheram o site da organização, que se justificou afirmando que por se tratar de um parque optou pelo uso dos copos que são oxi-biodegradáveis, já que os saquinhos plásticos nos quais eram servidos a água e o isotônico não possuíam essa característica. Melhor não lamentar a Coca e continuar correndo, afinal ainda faltavam 20 km para o término. Entre eles a longa subida da Constantia Neck.
Estava muito bem até o km 30, com uma vantagem de 8 minutos em relação ao tempo feito em 2012. Mas quando cheguei à marca da maratona, essa vantagem havia sido reduzida para apenas 1 minuto. Não entendi o que estava errado, os músculos anteriores da coxa doíam, assim como o da virilha. Parei, apliquei gelo e mudei um pouco a estratégia. Aliviava nas descidas, quando eu mais sentia dores, e acelerava nas subidas e nos trechos planos. Cumpri a Constantia e mesmo assim no km 50 tinha a desvantagem de 1 minuto. Aproveitando o apoio que vinha do público e a sensação de estar perto do fim, acelerei. Ao entrar no campo de rugby da Universidade de Cape Twon, vibrei ao ouvir o narrador dizendo meu nome, "Suzi Pissinini, from Brazil". Já participei de muitas corridas, mas foi a primeira vez que tive esse prazer. Fechei com o tempo líquido de 6:05:16, 3 minutos mais rápida que em 2012. Depois da prova, a última decepção com a organização. Na sacola com o tradicional lanchinho não tinha água ou isotônico para beber, só Coca-Cola. Antes de voltar para o hotel, ainda deu para ouvir a contagem regressiva indicando o término da corrida. Para aqueles que não passaram pela linha de chegada antes que o cronômetro marcasse 7 horas, a disputa estava encerrada. Agora é esperar a próxima Two Oceans, dia 4 de abril do ano vem.
PRÊMIO MILIONÁRIO. Buscando deixar a competição mais rápida, um dos patrocinadores ofereceu o prêmio de 1 milhão de Rands, cerca de 470 mil reais, a quem conseguisse bater os recordes, que duram mais de 20 anos. No masculino venceu Lebenya Nkoka, de Lesotho, com 3:09:52 e, no feminino, a russa Nina Podnedsnova com 3:40:07. Tempos insuficientes para alcançar as marcas de Thompson Magawana, com 3:03:44, obtida em 1988, e de Frith van der Merwe com 3:30:36, em 1989. Noventa e três brasileiros se inscreveram para a 45ª edição do evento, que teve suas 11 mil vagas preenchidas. Na meia-maratona foram 16 mil inscritos.
(por Suzi Pissinini, assinante de Londrina)