Emílio Busoli, executivo de 45 anos, mora em Miami há um ano e meio. Desde que se mudou para os Estados Unidos sua vida profissional inclui de duas a três semanas por mês em viagens ao exterior. Adepto da corrida há cerca de dois anos, já fez duas meias maratonas, mas com tempos altos. Sem ritmo e exausto nas chegadas, decidiu há seis meses buscar orientação profissional. "Procurei um treinador experiente que pudesse me orientar onde quer que eu estivesse", comenta.
Ele encontrou em Raphael Bonatto, de Curitiba, o preparador que necessitava. Bonatto é praticamente um especialista em treinos a distância. Tem alunos na Nova Zelândia, Alemanha, Canadá, Estados Unidos e Europa, além de estados como Amapá, Pará e Amazônia. É claro que sem a tecnologia, esse trabalho seria impossível.
"Hoje em dia, com os sistemas de comunicação existentes, é extremamente fácil manter o contato com o atleta. Temos um grupo no Whatsapp, atendo via Skype, FaceTime e telefone 24h por dia à disposição. O trabalho flui com excelência, pois envio ficha de cadastro e ainda peço os exames clínicos de liberação. Também trabalho com vídeos e análises posturais, além de passar as técnicas de corrida através destas ferramentas", explica.
Nirley Braz, treinador em Brasília, também exige, dependendo dos objetivos do aluno, teste de ventilometria ou teste ergométrico, histórico esportivo e avaliação nutricional. Ele garante que aplicativos gratuitos como o Runkeeper ou Strava, além do Whatsapp e e-mail, permitem o contato necessário entre treinador e corredor. "É possível acompanhar e dar assistência personalizada ao aluno, mas GPS e frequencimetro são fundamentais para acompanhar a intensidade do treinamento", sublinha
COMPROMETIMENTO – No entanto, o requisito principal para que o treinamento obtenha resultado é o comprometimento do aluno. Tanto treinador quanto atleta precisam enviar relatórios com feedback semanais para análise e ajustes necessários. "Estabeleço minimetas de evolução nos tempos antes das competições principais, o que mantém sempre a motivação em alta", garante Bonatto.
Para Emílio Busoli, a estratégia tem dado resultado. Mas ele mesmo garante que é preciso foco e muita disciplina. "Minha planilha tem de quatro a cinco treinos por semana. Então, se estou viajando, corro na esteira do hotel. Tenho que encaixar o treino", afirma. Emílio mora em um condomínio sem iluminação nas ruas. Muitas vezes corre tarde da noite com uma lanterna e não é raro tomar alguns sustos no caminho quando passa por ele algum animal.
Ele recorda certa vez em que chegou a São Paulo, num voo às 6h da manhã vindo de Miami, e teve um dia de reuniões ininterruptas. À noite, um jantar de trabalho. "Eu só tinha 45 minutos de intervalo entre um compromisso e outro. Corri para a esteira do hotel e cumpri o treino. Após um banho rápido, cheguei ainda todo suado no jantar, porque você continua transpirando. Ninguém entendeu nada".
ACOMPANHAMENTO – O segredo do treino a distância, além de uma dose a mais de disciplina do corredor, é o acompanhamento constante do treinador. Para iniciar, Bonatto enviou a Emílio uma pesquisa de anamnese sobre saúde, atividade física e experiência em corrida. A partir desses dados, montou a primeira planilha. "Falamos toda semana. Ele manda a planilha por e-mail, depois trocamos mensagens nas quais envio sempre uma foto com os dados do Garmin sobre o percurso e meus batimentos cardíacos. Com base nisso, ele ajusta o treino. Diz, por exemplo, se estou correndo muito forte no início, corrige os tiros. Às vezes ele me telefona", conta o corredor.
Emílio garante que não sente a menor falta de contato pessoal com o treinador. "É prático. Ele cobra as metas, as próximas provas e adapta o treino. Não tenho que me prender a um dia da semana para treinar. Se eu viajar, faço o treino onde estiver e presto contas". Ele acha que se não viajasse tanto talvez optasse por participar de um clube de corrida. "É um treino mais solitário. Por outro lado, me obriga a focar nas metas. Correr com mais gente é motivador, mas dificilmente consigo um amigo para treinar junto, devido aos horários", diz.
A meta de Emílio é fazer a meia maratona de Chicago, em maio, abaixo de 2 horas. Pela evolução do volume de treino após iniciar o uso das planilhas, ele está no caminho. O tempo nos 10 km, que antes era de 1h06, já baixou para 1h.
BATER METAS – Luciano Kliemaschewsk Marinho, mais conhecido como Klima, tem 38 anos e é executivo em Valinhos, interior de São Paulo, treinado por Bonatto. A agenda cheia de viagens e reuniões, além de uma contusão, levou-o a optar pela orientação na corrida mesmo à distância. Com um temperamento competitivo, Klima treina para correr sua primeira maratona em abril, apesar de ter iniciado no esporte há apenas nove meses. Tudo começou após ser internado com dores no peito e de cabeça. Depois de um check-up, o diagnóstico foi stress e sedentarismo.
"Nunca gostei de esportes solitários, então comecei na corrida com um grupo do trabalho. Sem preparo, fiz uma prova de 5 km em 35 minutos. Fiquei incomodado vendo muitas pessoas passando por mim, enquanto eu andava, então defini que na semana seguinte faria outra prova com a mesma distância e reduziria o tempo para 32 minutos. Completei em 32:29 e postei no Facebook, feliz da vida. Porém um amigo comentou que fazia em 28 minutos e me desafiou. Pronto, era o combustível que eu precisava", conta.
De desafio em desafio, Klima fez sua primeira corrida de 10 km em 58 minutos. Porém, com o esforço e o despreparo físico, ganhou uma canelite que o levou a buscar finalmente a orientação de um treinador para corrida e musculação. O treino está surtindo efeito, pois já fez sua primeira meia maratona em 1h54. A meta agora é a maratona abaixo de quatro horas e os 10 km em 45 minutos. "Como pode ver, o acompanhamento, mesmo que a distância, foi fundamental para meu sucesso em relação às metas que tracei. Porém, disciplina e foco são fundamentais para garantir os resultados. Existem pontos positivos e negativos de se treinar a distância, mas no meu caso, com a agenda de viagens e reuniões, esse acaba sendo o melhor formato".
PRÓS E CONTRAS – A motivação, no entanto, é a chave para o sucesso do treino solitário. Quem não a tiver em alta dose é melhor aderir a um grupo. Nirley Braz acredita que treinar em grupo predispõe à melhor performance. "Entra em cena o fator motivacional extra e um pouco de competitividade saudável", pondera. Ele acredita que a presença física do treinador permite analisar melhor a biomecânica do movimento e perceber o nível de esforço do aluno, o que contribui para evitar possíveis lesões.
No entanto, elas podem ocorrer tanto no treino presencial como no à distância, dependendo se o corredor é mais afoito ou não. "Há alunos que acham que o volume apresentado não é suficiente e acrescentam alguns quilômetros.
Por isso, é importante acompanhar o treino pelos aplicativos, contanto que eles não sejam burlados e o aluno registre o esforço extra", afirma.
De toda forma, Nirley contraindica o treino sem a presença de um treinador àqueles iniciantes cuja consciência corporal para a corrida não esteja sedimentada. "É importante o corredor aprender como começar o treino, a fase de aquecimento, os alongamentos. Para isso, é necessário que ele aprenda um pouco de fisiologia, cinesiologia e nutrição esportiva. Isso proporciona uma vontade de conhecer o desporto com mais detalhes, o que leva a praticar a corrida com mais consciência e ânimo para permanecer correndo", conclui.