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Performance e Saúde admin 12 de outubro de 2014 (0) (99)

Treinar também o cérebro?

O que limita nossa performance? Na resposta para essa pergunta, escondem-se os segredos do treinamento físico. É o raciocínio do elo mais fraco, em que a parte mais limitada de um sistema é aquela que precisa ser melhorada para que toda a corrente possa ser considerada mais forte.
Nas instruções de corrida, por muito tempo, pensava-se que a capacidade aeróbica era o tal elo mais fraco, e o foco da preparação era quase que exclusivamente a melhoria do sistema cardiorrespiratório. Conforme as técnicas de treinamento evoluíram, mais ênfase passou a ser dada a outros fatores, como a distribuição de ritmos ao longo da prova, economia de movimento, técnica de corrida, velocidade máxima, etc. Mais recentemente, o papel do cérebro na regulação do esforço e performance tem chamado a atenção de cientistas e treinadores.
Por exemplo, existem estudos mostrando aumentos de força máxima a partir da visualização mental de exercícios. Isso mesmo, simplesmente a partir de "imaginarem-se" treinando, os participantes do estudo obtiveram índices de aumento de força similares aos dos que efetivamente realizaram protocolos de treinamento. Esses trabalhos, contudo, são normalmente realizados com grupos musculares pequenos, pouco utilizados no dia a dia, e por isso não podem ser imediatamente extrapolados para o que aconteceria se apenas nos imaginássemos numa sala de musculação! Nos estudos citados, o exercício consistia em movimentar o dedo mínimo da mão. Limitações à parte, a conclusão permanece que o sistema nervoso pode ser "otimizado" e reprogramado para melhorar a performance.
Utilizando ideias sobre o papel da mente sobre a regulação do desempenho, surgiu um novo paradigma sobre treinamento físico, tendo o cérebro como parte central da performance (e não o sistema cardiovascular), defendido por Tim Noakes em Lore of Running, e depois por outros autores como Matt Fitzgerald (Brain Training for Runners).

A INFLUÊNCIA DA DOR. A teoria é de que a performance não é controlada puramente pelos limites da fisiologia, mas sim por quanta dor e desconforto o cérebro (cérebro aqui é uma generalização de partes específicas do sistema nervoso) estaria disposto a tolerar durante o exercício. Assim, o rendimento esportivo nunca é máximo em termos absolutos da capacidade fisiológica, e sim apenas em relativo à nossa tolerância ao desconforto causado pelo quanto o exercício se aproxima do nosso potencial total.
Sendo assim, esses autores propõem séries e estratégias de organização de treinos que visam não apenas trabalhar a fisiologia (consumo de oxigênio, força e resistência muscular, etc.), mas também trabalhar a tolerância mental ao desconforto e dor causados pelo exercício.
Se por um lado tais ideias de certa forma iniciaram uma pequena revolução na maneira de encarar os limites do exercício e o treinamento em si, uma quebra de paradigmas muito maior está atualmente sendo proposta por um cientista italiano baseado na Universidade de Kent, na Inglaterra.
Samuelle Marcora defende que o desempenho é ainda mais dependente do cérebro do que jamais se supôs, e pretende provar isso utilizando estudos semelhantes aos primeiros que mencionamos, nos quais se pode constatar que melhoras de performance em testes de ciclismo e corrida são obtidas adicionando-se séries "mentais" ao trabalho já normalmente realizado pelo atleta.
Marcora já havia demonstrado que atletas submetidos a exercícios cognitivos – que demandam esforço mental ao invés de físico – cansam mais rapidamente ao realizar testes de corrida ou ciclismo. A partir disso, o autor deduziu que tarefas que demandem atenção mental, como, por exemplo, contas matemáticas ou tarefas de atenção (veja mais no box) poderiam ser um estímulo suficientemente grande para serem aproveitadas como séries de treinamento.

CONCENTRAÇÃO. Em um de seus últimos trabalhos, o pesquisador utilizou o chamado "Brain training" como estímulo adicional ao planejamento de ciclistas. Durante 12 semanas, um grupo deles treinou 3 vezes por semana enquanto realizava tarefas cognitivas. No estudo, os atletas viam uma sequência de letras em uma tela de computador, e sempre que uma sequência específica aparecesse, eles deveriam clicar em um botão, que os obrigava a manter a concentração na tela, além do esforço de pedalar. Ao mesmo tempo, um segundo grupo realizou as mesmas séries de ciclismo, porém sem os exercícios no computador.
Ao final da pesquisa, ambos os grupos apresentaram melhoras semelhantes em seu consumo máximo de oxigênio, um indicador de capacidade aeróbica (ou "puramente" fisiológica). Contudo, quando submetidos a um teste de performance, em que deveriam pedalar com uma mesma carga até o máximo de sua tolerância, os participantes do grupo de treinamento mental conseguiram superar o grupo que treinou apenas fisicamente. A conclusão dos autores do estudo é de que a carga mental extra ao realizar os exercícios de computador serviu para "acostumar" o cérebro a tolerar níveis mais altos de desconforto ou de esforço, que depois se traduziu em ganho de performance.
Os resultados iniciais parecem promissores, e tratando-se de uma intervenção que demanda apenas um pouco mais de tempo por parte do corredor, literalmente sem a adição de esforço físico, este tipo de trabalho pode vir a ser de grande ajuda para amadores e profissionais em busca de melhores resultados. Caso algum leitor da CR queria experimentar o "Brain Training", fica o convite para entrar em contato pelo email fernando@evenfaster.com.br, para que possa obter mais informações.

TREINO MENTAL

Os exercícios de "treino mental" utilizados por Marcora se baseiam em tarefas de cognição e atenção. São tarefas extremamente monótonas e simples, como assistir a uma sequência de letras aparecerem na tela e ter que pressionar uma tecla específica a cada vez que surgir um A depois de um X, mas não um X depois de um A.
São tão chatas que é fácil perder a concentração e, segundo o pesquisador, este é justamente o ponto: treinar a mente para manter a concentração por longos períodos, e assim tolerar melhor a monotonia da corrida, principalmente aqueles quilômetros no meio de uma prova onde é fácil deixar o ritmo escorregar. Em conversa conosco, Marcora sugeriu que os exercícios podem ser realizados de três formas:
1) Completamente separados do treino, como uma sessão extra no dia;
2) Durante o treino (em esteira), como no estudo mencionado na matéria;
3) Imediatamente antes de uma sessão de treino, como uma maneira de sobrecarregar o cérebro antes do estímulo físico.
A sugestão é que esses exercícios devem ser inseridos de maneira gradual na rotina de treinamento, iniciando com séries de 10 minutos e estendendo para períodos de até 60 minutos. Os exercícios podem ser alternados entre as diferentes sessões, mas o ideal é realizar apenas um exercício por sessão. Quanto mais chato e maçante, melhor.
Alguns exemplos de exercícios podem ser encontrados abaixo:
http://www.quizengine.co.uk/brain_training/practice/flanker_v3_solo.html
http://www.quizengine.co.uk/brain_training/practice/ax_v4_solo.html
http://www.quizengine.co.uk/brain_training/practice/go_nogo_v5_solo.html

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