Performance e Saúde admin 6 de janeiro de 2017 (0) (770)

Treinamento por zonas: uma novidade antiquada?

A organização do volume de treino em zonas de frequência cardíaca (FC) ganha popularidade conforme mais e mais corredores passam a utilizar frequencímetros em seus treinos. Além de simplesmente monitorar a FC, estes equipamentos possuem ferramentas para auxiliar o usuário a administrar a intensidade de seus treinos. Uma destas ferramentas é a divisão da FC em diferentes zonas de intensidade, de maneira a informar ao usuário sobre os efeitos de cada treino realizado.
O conceito de dividir a intensidade não é novo; tabelas dividindo as faixas de esforço em diferentes "zonas" de adaptação existem há décadas. A novidade está na facilidade de uso do método por parte dos corredores e na quantidade dos que passaram a falar de seus treinos em termos destas faixas.
Dentre os diversos modelos existentes, uma tabela muito popular é a oferecida pelas duas maiores fabricantes de frequencímetros, a Polar e a Garmin, e que divide as zonas de treino em cinco faixas de intensidade. Para facilitar o entendimento, no restante da matéria iremos nos referir somente à nomenclatura utilizada pela Garmin (Z1 – Z5); no entanto, essencialmente as duas descrevem as zonas de treino da mesma forma, apenas utilizando palavras diferentes, como se vê no quadro 1.

ZONAS DE FREQUÊNCIA CARDÍACA
% de FCmax Polar Garmin
50-60% Muito Leve (20-40 min) Z1
60-70% Leve (40-80 min) Z2
70-80% Moderado (10-40 min) Z3
80-90% Intenso (2-10 min) Z4
90-100% Máximo (menos de 5 min)) Z5

COMO FUNCIONAM AS TABELAS
Para fazer uso destas tabelas da melhor maneira possível, é preciso primeiramente entender a teoria por trás delas. As disponibilizadas pela Garmin e Polar utilizam uma fórmula para determinar a FC máxima (FCMAX) do usuário, e partir daí calculam os percentuais das diferentes faixas. A equação utilizada é a famosa FCMAX = 220 – idade. Um corredor de 40 anos, por exemplo, teria sua FCMAX estimada em 220 – 40 = 180 batimentos por minuto (bpm). A partir deste valor, as zonas se tornam simples percentuais do máximo, sendo Z1 entre 180 x 0,5 = 90 bpm e 180 x 0,6 = 108 bpm, e assim por diante.
Com os valores dos percentuais estabelecidos, o próximo passo é ajustar a intensidade das sessões de acordo com os objetivos do treinamento. As definições exatas de cada tabela variam um pouco, de acordo com a fonte utilizada, mas em linhas gerais é preconizado que Z1 seria uma zona de recuperação e Z2 para treinos de baixa intensidade e com adaptações em nível periférico (muscular). Aumentando a intensidade, Z3-Z4 seriam as zonas de treinos mais desconfortáveis, com ganhos de potência aeróbica e também onde se encontra o limiar anaeróbico. Por último, Z5 seria a zona dedicada para treinos de potência muscular. O usuário, ao invés de pensar em faixas de ritmo ou pace, passaria a utilizar as zonas de FC como uma forma refinada de definir a intensidade metabólica.

QUAL FREQUÊNCIA CARDÍACA MÁXIMA?
O primeiro problema destas tabelas está justamente na predição da frequência cardíaca máxima. Enquanto a fórmula baseada na idade oferece uma boa aproximação, quando se analisa de um grupo de pessoas, para o corredor individual o erro pode ser de mais 20 bpm, ou seja, uma "zona" de treino inteira! Muito mais preciso é medir, efetivamente, a FCMAX. Uma vez tendo um frequencímetro, basta acompanhar a FC em treinos intervalados e utilizar o maior valor registrado como um novo guia.
Voltando ao nosso exemplo do corredor de 40 anos, o quadro 2 apresenta na primeira coluna os valores das faixas de FC, que pela fórmula da idade possui uma FCMAX = 220 – 40 = 180 bpm. Vamos supor, no entanto, que em seus treinos o corredor reparou que com frequência, quando realiza séries mais intensas, seus batimentos chegam a casa dos 195 bpm. Se o corredor atualizar sua tabela de FC para a FCMAX real (medida), suas faixas irão mudar consideravelmente (veja a segunda coluna da nossa tabela de exemplo).
Ainda com esta primeira melhora, se o corredor tentar treinar dentro da Z1, ele poderá se deparar com a não rara situação de que seu trote mais leve já ultrapassa os limites da zona, de forma que só lhe restaria caminhar para "treinar" em Z1.
Para remediar esta situação, outro método para estimar as zonas de FC é a chamada frequência cardíaca de reserva, em que o percentual medido não é simplesmente um percentual do máximo, mas o percentual da diferença entre a frequência de repouso e a máxima. Complicou? É mais simples do que parece. Ainda no nosso exemplo, se o corredor tiver uma FC de repouso de 60 bpm, a conta fica assim: 195 (o máximo medido durante um treino) – 60 (repouso) = 135 bpm. Agora, basta calcular os percentuais em cima dos 135 bpm e depois somar os 60 bpm da FC de repouso (veja a terceira coluna da tabela de exemplo). Com este novo método, a faixa que era equivalente a Z3 utilizando apenas a FCMAX predita passou a ser Z1!
E qual dos três métodos funciona melhor? Em primeiro lugar, não há argumentos de que a FCMAX medida em treino ou competição irá fornecer uma estimativa muito mais precisa do que aquela estimada com base na idade do corredor. Se o corredor já possui um frequecímetro, não há desculpas para não utilizar a FCMAX verdadeira. Em segundo, o método de reserva (utilizando a diferença entre FC mínima e máxima) oferece valores mais razoáveis, especialmente nas faixas mais baixas de intensidade.

AS VÁRIAS FREQUÊNCIAS
Zona % FCMAX predito % FCMAX real (195 bpm) % FCMAX reserva real (195 bpm)
Z1 90 – 108 97 – 117 127 – 141
Z2 108 – 126 117 – 136 141 – 154
Z3 126 – 144 136 – 156 154 – 168
Z4 144 – 162 156 – 175 168 – 181
Z5 162 – 180 175 – 195 181 – 195
Obs.: Exemplo de um corredor de 40 anos, com FCMAX predita de 180 bpm e a real (medida) durante um treino de 195 bpm. A FC de repouso do corredor é de 60 bpm. Repare como os diferentes métodos para determinar a FCMAX e os percentuais afetam os resultados.

COM E SEM ESTÍMULO
Hoje em dia já se sabe que é complicado falar em zonas de treino no sentido estrito de cada uma levar a um tipo único de adaptação, pois o treinamento intervalado de alta intensidade (praticamente todo em Z5) traz os mesmos ganhos de performance e adaptações fisiológicas que o tradicional feito entre Z2-Z4.
Por outro lado, as faixas de FC podem ser uma ferramenta objetiva eficaz para auxiliar o monitoramento dos treinos de forma complementar à sensação de esforço. Uma vez estabelecidos valores reais, em que a FC corresponda à sensação de esforço proposta (veja a descrição do grau de esforço para cada faixa de FC na primeira tabela) a FC é um lembrete constante de como a sessão deve ser conduzida.
Um dos maiores problemas de corredores é treinar forte em treinos leves (e consequentemente estar cansado para os mais duros). Com treinos baseados em ritmo, há sempre o estímulo para "bater" a planilha, e isso é fácil nos dias leves. Com isso, o trote a 5min/km acaba saindo a 4:40 porque o corredor estava em um bom dia.
Por outro lado, quando se utiliza a FC, o estímulo some. Uma sessão em Z2 não fica "melhor" se for feita em Z3. O corredor que estiver em um bom dia simplesmente irá naturalmente correr um pouco mais forte, sem sair, no entanto, da zona proposta.
Este maior controle sobre a intensidade relativa dos treinos é de grande valia para o progresso do condicionamento e para a correta distribuição de esforço entre os dias da semana. Para isso, contudo, é fundamental que a tabela utilizada apresente valores de acordo com a realidade do corredor, e não que ele tente utilizar zonas que não sejam condizentes com sua percepção de esforço.

 

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