Fisioterapia – Alessandra Arkie e Kenia Guerra Baumann – janeiro 2007 –
Apesar de pesquisas recentes concluírem que o alongamento muscular realizado antes e depois da corrida não previne lesões, sabemos que manter uma boa flexibilidade é importante, pois melhora a circulação sangüínea, a nutrição da cartilagem e a lubrificação e acomodação articular, além de contribuir para a performance.
Já a falta de flexibilidade muscular pode sobrecarregar as articulações e facilitar ou acelerar o processo de degeneração articular que é natural e ocorre com o passar dos anos.
Quando falamos em flexibilidade, falamos da capacidade de cada músculo se alongar. Esta capacidade pode ser definida “pela natureza” ou pode ser adquirida através de uma rotina de alongamentos ou atividades esportivas que dependam de grande flexibilidade muscular para a sua realização (como yoga, balê, ginástica olímpica, artes marciais…). Isso significa que a única maneira de melhorar a sua flexibilidade é através do alongamento muscular.
Podemos classificar as pessoas quanto à flexibilidade em três grupos: os hiperflexíveis, onde não apenas os músculos, mas também os ligamentos apresentam uma capacidade de se alongar exagerada; o grupo das pessoas com flexibilidade normal e o terceiro grupo, o dos rígidos.
Como descrito anteriormente, além da flexibilidade do músculo, existe a capacidade dos ligamentos (estruturas que ligam um osso ao outro) se alongarem o que varia entre um indivíduo e outro. Algumas pessoas apresentam flexibilidade excessiva dos ligamentos, o que é denominado frouxidão ligamentar. Existem 5 sinais clássicos que podem indicar que o indivíduo apresenta frouxidão ligamentar. São eles:
O polegar toca a superfície flexora do antebraço
Hiperextensão da 5ª metacarpofalangeana: articulação do quinto dedo com a mão
Hiperextensão do cotovelo
Hiperextensão do joelho
Encosta a palma da mão no chão com os joelhos esticados
Se você apresentar três ou mais destes sinais, quer dizer que você tem hiperfrouxidão ligamentar, mas não necessariamente boa flexibilidade muscular. Portanto, é preciso avaliar sempre a flexibilidade muscular e os sinais de frouxidão ligamentar, porque podemos ter ligamentos flexíveis e músculos nem tanto.
E, principalmente para quem apresenta três ou mais sinais descritos anteriormente, é importante trabalhar com mais ênfase exercícios que treinem a coordenação, equilíbrio e fortalecimento muscular, na medida em que eles deixarão os músculos mais preparados para executar sua função e evitarão lesões nas articulações.
Nesta matéria iremos propor a realização de testes de flexibilidade para que você possa avaliar como estão os músculos mais exigidos na corrida. Através da nossa prática clínica, adaptamos os testes escolhidos para que possam ser realizados sem a ajuda de um profissional. Porém, você deverá realizá-los com a ajuda de um amigo.
De acordo com o resultado dos testes, sugerimos alguns alongamentos que podem ser feitos para melhorar a flexibilidade, para que você obtenha os benefícios do alongamento e melhora na pontuação da avaliação. Após cada teste é indicado o nome do alongamento para se dar ênfase e no final da matéria estão os alongamentos sugeridos.
Para realizar os testes você deverá seguir as instruções e observar o que consegue fazer, marcando os pontos.
Em pé, com pés paralelos e um pouco afastados, flexione o tronco mantendo a posição mais relaxada possível, inclusive o pescoço. Primeiramente leve as mãos em direção ao chão. Caso não consiga tocá-lo, peça para alguém medir a distância do terceiro dedo da mão até o solo com uma fita métrica. Preste atenção para não dobrar o joelho e nem deixar todo o peso no calcanhar. Distribua o peso em todo o pé.
0 ponto – Se conseguir encostar a palma da mão no chão.
1 ponto – Se conseguir encostar a ponta do terceiro dedo da mão no chão ou se a distância entre o terceiro dedo e o chão for de até 5 centímetros.
2 pontos – Se a distância entre o terceiro dedo e o chão ficar entre 6 centímetros e 15 centímetros.
3 pontos – Se a distância entre o terceiro dedo e o chão for maior que 16 centímetros.
Caso alcance 2 ou 3 pontos, é recomendada a realização do alongamento geral para a musculatura posterior.
Para a realização deste teste é necessário avaliar quatro posições. O objetivo é realizar a posição, corrigindo a coluna, ou seja, deixando-a reta na região lombar. Para cada posição você deverá seguir a seguinte ordem: posicionar as pernas como indicado mantendo os braços relaxados ao lado do corpo, olhando para frente e, em seguida, tentar endireitar a coluna, como se houvesse uma corda no topo de sua cabeça puxando para cima. Então, peça ajuda a alguém para observar e marcar em quantas posições NÃO é possível corrigir a coluna para poder ver sua pontuação no final. O observador deve estar atento à parte mais baixa da coluna (região lombar). Se esta região não se endireitar (ficar reta) ou se for muito difícil, marque o teste.
Sentado, mantenha as pernas apoiadas e esticadas, pés relaxados e tente deixar a coluna reta, como se pudesse crescer.
Se não conseguir, você deve dar ênfase ao alongamento dos isquiotibiais.
Sentado, mantenha as pernas apoiadas e esticadas, agora dobrando os tornozelos (traga os dedos em direção a perna) e tente endireitar a coluna.
Se não conseguir, você deve dar ênfase ao alongamento dos gastrocnêmios.
Sentado, flexione um pouco os joelhos, mantenha os tornozelos dobrados (em direção às pernas) apoiando somente os calcanhares no solo e tente crescer. Se não conseguir, você deve dar ênfase ao alongamento dos sóleos.
Sentado, flexione os joelhos (mais que no teste anterior), apóie as plantas dos pés no solo e tente deixar a coluna reta, crescendo.
Se não conseguir, você deve dar ênfase ao alongamento da região glútea.
0 ponto – Se conseguir corrigir a coluna nas quatro posições.
1 ponto – Se não conseguir corrigir a coluna em 1 posição.
2 pontos – Se não conseguir corrigir a coluna em 2 ou 3 posições.
3 pontos – Se não conseguir corrigir a coluna nas 4 posições.
Este teste deverá ser realizado e anotado duas vezes, uma com o lado direito e outra com o lado esquerdo. Isso porque é possível que um lado tenha encurtamentos musculares que o outro não tem. Portanto, este teste terá dois resultados: o da perna direita e da esquerda que devem ser somados ao resultado anterior.
Deitado de barriga para cima na beira de uma maca ou mesa, abrace uma das pernas de encontro ao peito e mantenha a outra perna relaxada. É muito importante manter a coluna lombar apoiada na mesa! Fique muito atento, pois se ela se afastar da mesa o teste pode dar errado. Faça este teste com as duas pernas, uma de cada vez.
O correto é que a coxa do lado a ser avaliado fique alinhada com o corpo, apoiada na mesa e o joelho dobrado (relaxado) num ângulo de aproximadamente 90º. Portanto, há 3 possibilidades de movimentos da perna que devem ser observadas quando se abraça a outra. Observe o que acontece com a perna relaxada (é importante que ela esteja relaxada!) e anote qual(ais) do(s) movimento(s) descrito a seguir ela realiza.
A coxa pode se afastar da maca ou mesa, ou seja, subir (então, é preciso dar ênfase ao alongamento dos flexores do quadril).
O joelho pode esticar (então, é preciso dar ênfase ao alongamento do quadríceps).
A perna pode abrir, ou seja, o joelho pode rodar para fora (então, é preciso dar ênfase ao alongamento da região lateral da coxa).
Peça para alguém observar o que acontece com a perna relaxada e marcar quantos movimentos ela faz. Talvez você tenha que repetir o teste para poder perceber qual o movimento, pois eles podem acontecer em conjunto. Portanto, pode acontecer um movimento isolado, assim como dois ou três associados. Se acontecer duas ou três possibilidades é preciso fazer o alongamento geral para região anterior da coxa.
0 ponto – Se a perna não se mexer.
1 ponto – Se a perna se mexer em 1 direção.
2 pontos – Se a perna se mexer em 2 direções.
3 pontos – Se a perna se mexer em 3 direções.
Não se esqueça que para fazer a soma você deve considerar, além dos pontos de cada teste, os pontos do Teste 3 duas vezes, sendo um para cada perna.
De 0 a 3 pontos – Você tem uma ótima flexibilidade! O mais indicado é que você escolha um trabalho de fortalecimento muscular, equilíbrio e coordenação, porque os músculos ao redor das articulações devem estar fortes e principalmente coordenados para evitarem lesões ligamentares, entorses e deslocamentos (como subluxação de patela, por exemplo). Então, acrescente ao seu treinamento uma série de alongamentos uma vez por semana apenas para manutenção de sua flexibilidade.
Se possível, complemente sua corrida com musculação e Pilates.
De 4 a 6 pontos – Você tem uma flexibilidade boa! Porém, esta pontuação quer dizer que há músculos importantes para sua atividade que necessitam um pouco mais de atenção. É indicado fazer alongamento pelo menos duas vezes na semana. Você pode consultar um profissional para auxiliar na identificação destes músculos.
Se possível tenha aula de alongamento em academia, ou Pilates ou Yoga.
De 7 a 9 pontos – Você tem uma flexibilidade regular! Além de se preocupar com o condicionamento muscular e aeróbico, é importante você incluir os alongamentos pelo menos três vezes na semana.
Complemente sua corrida com Yoga ou Pilates ou RPG (Reeducação Postural Global).
De 10 a 12 pontos – Você tem uma flexibilidade ruim! O alongamento é uma peça fundamental para você! O ideal é colocar os alongamentos como rotina. Não precisa estar ligado a atividade física, mas deve fazer parte do dia-a-dia para equilibrar a musculatura. Assim você evita transtornos e seus músculos e articulações agradecem…
Recorra a RPG e alongamento com ajuda profissional, para que este seja realizado corretamente.
Após a realização dos testes, você poderá fazer a série de alongamentos propostos ou fazê-los isoladamente, de acordo com o músculo mais encurtado, onde sugerimos dar ênfase. Dessa forma, além de melhorar sua flexibilidade, você poderá melhorar sua pontuação no teste se repeti-lo posteriormente.
Para a realização dos alongamentos você deve prestar atenção à sua respiração. Mantenha uma respiração tranqüila, se perceber que está prendendo o ar é sinal de que você está exagerando no alongamento e, portanto, pode se machucar.
A realização dos alongamentos a seguir não pode provocar dores, você deverá sentir apenas alongar e não doer. Caso isso ocorra, diminua a intensidade do alongamento. E para que ele seja efetivo, mantenha a posição por 30 segundos, repetindo cada movimento 3 vezes.
Alongamento geral para a musculatura posterior – Sente-se, mantendo as costas retas, joelhos levemente fletidos e pés dobrados (dedos em direção à perna). Com os braços esticados e paralelos ao chão, incline-se para frente, mantendo a coluna reta, até sentir alongar. Relaxe toda a posição antes de repetir o alongamento. Este alongamento é recomendado para todos os casos, independente da pontuação, pois alonga de forma geral toda a cadeia muscular posterior (costas e pernas).
Alongamento dos isquiotibiais – Deitado de barriga para cima, mantenha uma das pernas dobrada com pé apoiado no chão. Segure a outra perna com uma faixa apoiada na planta do pé, puxando-a em direção ao tronco até sentir alongar os músculos posteriores da coxa. Repita com a outra perna.
Alongamento dos gastrocnêmios – Em pé, posicione-se colocando um pé à frente e outro atrás, mantendo os pés alinhados com dedos apontando para frente (não deixar a ponta do pé virar para fora). Dobre o joelho que está na frente, jogando o peso sobre ele, mantendo o joelho da perna que está atrás esticado e calcanhar apoiado no chão. Você sentirá alongar a musculatura mais superficial da panturrilha. Repita com a outra perna invertendo a posição.
Alongamento dos sóleos – Em pé, posicione-se colocando um pé à frente e outro atrás, mantendo os pés alinhados com dedos apontando para frente (não deixar a ponta do pé virar para fora). Dobre o joelho que está na frente, jogando o peso sobre ele, mantendo, agora, o joelho da perna que está atrás levemente dobrado e calcanhar apoiado no chão. Você sentirá alongar a musculatura mais profunda da panturrilha. Repita com a outra perna invertendo a posição.
Alongamento da região glútea – Deitado de barriga para cima, flexione um dos joelhos, apoiando o pé no chão, e cruze a outra perna sobre esta (apoiando o tornozelo no joelho oposto). Em seguida, traga as pernas, nesta posição, em direção ao peito, até sentir alongar, segurando a perna dobrada (e não a cruzada) com as duas mãos. Caso não consiga segurar (se as mãos não chegarem na perna), use uma faixa ou toalha para auxiliá-lo, passando-a por trás da coxa, no local onde as mãos deveriam estar. Mantenha a posição pelo tempo determinado e inverta a posição para alongar o lado oposto.
Alongamento dos flexores do quadril – Em pé, dobre o joelho e apóie o “peito” do pé num espaldar ou mesa. Você deverá manter uma distância de modo que seu joelho não fique muito dobrado, somente mantendo a coxa para trás, além da linha do corpo e sentindo alongar a frente da coxa. Para intensificar o alongamento dobre o joelho da perna de apoio sem deixar o tronco inclinar para frente. Repetir o alongamento com a perna oposta.
Alongamento do quadríceps – Em pé, segure o pé direito atrás do corpo, aproximando o pé direito da nádega direita, até sentir alongar a frente da coxa. Procure se apoiar com a mão que está livre para manter o equilíbrio. Repita com o lado oposto.
Alongamento da região lateral da coxa – Sentado, com as costas e ombros apoiados numa parede, mantenha as duas pernas esticadas. Então, dobre o joelho esquerdo e apóie o pé esquerdo no chão, na lateral externa do joelho direito, cruzando sobre a perna direita. Puxe o joelho que está dobrado em direção ao ombro oposto (direito neste caso). Não deixe as costas, nem os ombros se afastarem da parede enquanto mantém a posição. Repita com a outra perna invertendo a posição.
Alongamento geral para região anterior da coxa – Deitado de barriga para cima na beira de uma maca ou mesa, abrace a perna esquerda em direção ao tronco com a mão esquerda, mantendo os ombros próximos da maca e a coluna lombar apoiada (contraindo o abdômen). Segurando uma faixa posicionada no tornozelo, faça força para dobrar o joelho e levar a coxa em direção ao chão ao mesmo tempo, sentindo alongar a coxa . Após manter o tempo necessário inverta a posição para fazer com a outra perna.
Alessandra Arkie – Especialista em Ortopedia e Traumatologia pela Unifesp e mestre em Ciências da Saúde pela Unifesp; Kenia Guerra Baumann – Especialista em Aparelho Locomotor no Esporte pela Unifesp. E-mail: fisio-rpg@uol.com.br