Notícias do corpo – Luiz Carlos de Moraes – lcmoraes@compuland.com.br – DEZEMBRO 2009
Todos nós corredores, por mais equilibrados, fiéis e conscientes do que devemos ou não fazer nos treinamentos, em muitos momentos não conseguimos frear nossos impulsos e passamos dos limites em determinados treinos ou competição. O resultado a gente já sabe: são desde dores musculares até lesões esportivas.
Não vejo isso exatamente como um erro, porque se não testarmos nossos limites nunca saberemos até onde realmente podemos chegar ou qual é a nossa velocidade limite para cada tipo de prova. Sendo assim, o importante é sabermos dosar, na justa medida, intensidade, duração e descanso, procurando um estado de equilíbrio, porque também não se pode negar que a corrida, por mais prazerosa que seja, também é uma fonte significativa de estresse.
Por conta disso costuma-se dizer que descanso também é treino e durante esse descanso podemos ainda recorrer aos recursos de relaxamento que são as atividades holísticas. São muitas as formas de relaxar e cada um acaba achando a mais adequada ao seu perfil e até mesmo credo. Podemos relaxar com massagem, shiatsu, reflexologia, tai-chi-chuan, ginástica lian gong, meditação e até mesmo a oração. Para alguns corredores, principalmente os que não suportam a idéia de não fazer nada no dia de descanso, as terapias alternativas podem ser mais importantes ainda.
Shiatsu
Nascida no Japão, utiliza técnica de esfregar, apalpar e apertar com os dedos. Embora cada shiatsu terapeuta use uma variedade de técnicas associadas, todas partem de um princípio comum fundamentado na força vital conhecida como ki ou chi. Se nosso corpo tem energia, ela corre por algum lugar e deve ter um caminho chamado de meridianos, assim como o sangue corre pelas artérias e veias. Segundo a teoria japonesa, cada meridiano está ligado a um órgão ou função psicofísica e seu respectivo ki, podendo ser tocado em certos pontos ao longo de seu trajeto representado por um verdadeiro mapa que são os mesmos da acupuntura, uma especialidade reconhecida pela medicina. Em japonês esses pontos são os tsubôs.
Quando estamos com nossas energias em equilíbrio, tudo vai bem. Entretanto, qual de nós seres mortais, consegue isso? O shiatsu consiste em tocar nesses pontos de fluxo interrompido de energia e liberá-los. Como os rios de uma cidade, o lixo acumulado em determinado ponto impede as águas de circularem livremente, ficando antes da obstrução um excesso de água e depois, pouca água corre no leito. Com os meridianos pode ocorrer algo similar. O ponto de acupuntura chamado de tsubôs é onde a energia ki pode ser interrompida gerando um excesso antes e falta depois. Os japoneses nomearam esse excesso de ki de jitsu e a deficiência de kyo. Esse ponto de transferência de energia é aceito também por nós ocidentais e chamados de gatilho ou desencadeador, onde o músculo é estimulado a contrair e relaxar.
No tato, o terapeuta experiente consegue identificar jitsu e kyo porque o primeiro pode doer quando tocado e geralmente se apresenta tenso. O segundo, ao contrário, não dói e quando tocado reflete uma espécie de “dor gostosa” ou sensação agradável de alívio, pois o terapeuta está fornecendo energia naquela região. A arte de tocar no shiatsu consiste em equilibrar os meridianos kyo e jitsu.
Outra sabedoria oriental é a existência de forças de energia positiva e negativa em todas as coisas e seres vivos a qual denominam yin e yang, forças opostas e complementares. O yin corresponde à escuridão, ao frio, úmido, receptivo, acuado etc. O yang, ao claro, quente, seco, ativo etc. Sendo assim, nada é totalmente yin e nada totalmente yang. Quando estamos, digamos… “pra baixo”, deprimido e triste, sempre haverá “uma luz no final do túnel” da mesma forma quando estamos alegres, bem dispostos e sem dor, sempre haverá alguma coisa incomodando.
Daí o tradicional símbolo redondo japonês metade claro, metade escuro, com um ponto escuro no claro e um ponto claro no escuro. A completa felicidade não existe, assim como a profunda tristeza também não. Quando nossas energias começam a ficar yang, com tudo se encaixando, alguma coisa, do nada, dá errado. Pessoas que sofrem de depressão, em algum momento de suas vidas têm alegrias, mesmo que em curto espaço de tempo. Mesmo sendo uma terapia alternativa, é preciso ter habilitação, além da empatia própria de quem gosta de cuidar de gente. Por isso, escolha bem o seu terapeuta.
Shiatsu expresso
O shiatsu tradicional de corpo inteiro demanda um tempo inviável para certas pessoas envolvidas com reuniões e compromissos diários e mais o tempo para dar aquela corridinha. Entre deslocamento, preparo para a massagem, roupa adequada e a atividade em si, gasta-se mais de uma hora. Pensando nisso, surgiu no início dos anos 80 o shiatsu expresso ou massagem rápida. Trata-se de uma versão do Shiatsu feito numa cadeira especial de fácil locomoção que deixa o cliente confortavelmente instalado numa posição próxima da fetal. Não é preciso roupa especial, pode ser aplicado em qualquer lugar do jeito que estiver, seja no escritório, praça pública, shopping center etc. Quanto ao terapeuta, nessa situação de agito à sua volta, entende-se ser uma pessoa emocionalmente preparada a não perder a atenção ficando focado sempre no cliente. Até porque, existe uma seqüência básica no sentido de canalizar as energias através das mãos.
No shiatsu expresso, a posição em que o cliente fica facilita o terapeuta trabalhar os principais meridianos que passam pelas costas, região cervical, lombar, braços e a cabeça, envolvendo assim a maior parte do corpo. Nada impede de se mesclar técnicas de alongamentos e massagem tradicional, para determinadas partes do corpo onde se concentram tensões como, por exemplo, as escápulas e o pescoço, de certa forma comum entre nós corredores, principalmente depois de treinos longos. Os pontos de encontro ou passagem de energia, os tsubôs, podem estar bloqueados pelos músculos excessivamente tensos, seja pelo trabalho ou pela própria prática esportiva.
O principal fator para, em 15 minutos o cliente ficar relaxado, esteja onde estiver, é a empatia do terapeuta. O toque, a pressão e a conduta, principalmente logo no início da sessão, são fundamentais para o sucesso. Não são raros os casos de pessoas em apenas 15 ou 20 minutos literalmente dormirem na cadeira. As pessoas se sentem protegidas, facilitando o relaxamento total. Claro, quanto mais hábitos de vida saudável as pessoas tiverem, melhores serão os resultados.
Reflexologia
Todos nós já percebemos que tocar na sola dos pés e na palma da mão dá uma sensação muito gostosa e isso é o que visa uma técnica da medicina natural conhecida como reflexologia, introduzida no ocidente pelo médico William Fitzgerald. Nos seus estudos, ele notou que a pressão em pontos específicos nos pés estimula o corpo a curar a si mesmo, pois eles estão ligados a diferentes regiões do corpo. A técnica objetiva restaurar e manter o equilíbrio de energia em cada região ou órgão correspondente ao ponto tocado, principalmente na sola dos pés.
A gente sabe que a corrida, por mais cuidados técnicos que tenhamos, sempre acaba sacrificando bastante as pernas, simplesmente por ser uma atividade esportiva de impacto considerável. A reflexologia é mais um recurso natural acessível ao corredor, que pode ajudar e muito na recuperação de treino forte ou mesmo competição. É bom que se diga que ela sozinha não faz milagre, sendo parte de um conjunto de medidas já conhecidas tais como uso correto do tênis, alongamentos, hidratação, descanso adequado etc. Ou seja, não dá pra “correr adoidado” e depois esperar que a reflexologia resolva.
Tai-chi-chuan
Quando a gente vê nas praças aquelas pessoas fazendo um movimento lento e suave, lembrando uma luta em câmera lenta, não imaginamos o poder de concentração que esse estilo de arte marcial, também reconhecido como uma forma de meditação em movimento, pode desenvolver nas pessoas. É a arte de vencer o movimento através da quietude, a dureza através da suavidade e o rápido através do lento.
Isso tem a ver com a corrida que depende não apenas de treinar e treinar mesmo que seja com os melhores treinadores. Se não tivermos o poder de concentração muito bem desenvolvido até os mais simples treinamentos poderão se tornar um grande sacrifício. Os movimentos lentos e suaves do tai-chi-chuan exigem muita disciplina, qualidade fundamental não só para a corrida como para qualquer coisa na vida. Quantas vezes gastamos energia em excesso numa corrida querendo imprimir um ritmo muito forte, resultando numa lesão, quando uma leve redução do ritmo poderia nos fazer chegar em uma boa posição, evitando a lesão? Daí a aplicação do vencer a dureza através da suavidade. Apesar da origem chinesa, o tai-chi-chuan é hoje á praticado no mundo todo.
Ginástica lian gong
Nos dias de hoje procura-se muito mais as atividades alternativas na tentativa de mais se aproximar do verdadeiro conceito de saúde. Entre as alternativas surgiu o lian gong que se pronuncia lian kung. É uma ginástica muito fácil cuja filosofia é unir a medicina terapêutica chinesa e a cultura física, promovendo o fortalecimento dos músculos, ossos e tendões de modo harmonioso.
Os resultados dessa ginástica, criada em 1974 pelo médico ortopedista chinês Zhuang Yuen Ming, tem se mostrado surpreendente. Ela é composta de 18 terapias em duas séries de exercícios, sendo na primeira parte, 6 exercícios para o pescoço, 6 para as costas e 6 para glúteos e pernas. Na segunda parte são 6 exercícios para as articulações, 6 para os tendões e 6 para os órgãos internos. Posteriormente Zhuang acrescentou uma terceira série destinada à prevenção e tratamento da bronquite crônica e da debilidade funcional cardíaca e pulmonar.
A principal característica da ginástica é a execução lenta nos moldes do tai chi chuan. O foco dos exercícios é a concentração, postura, execução correta e respiração, procurando perceber toda a energia vital, chamada pelos chineses de “chi”, que passa pelo corpo. Os braços, as pernas e a coluna vertebral devem ser alongados no limite de cada um, assim como os movimentos de inspiração e expiração devem ser aproveitados ao máximo.
Meditação
É nada mais nada menos que o treino formal para focar a atenção em algo que muito desejamos, através de uma rotina específica. É uma prática tão antiga quanto a humanidade e apesar de normalmente ser associada à religião podemos usá-la para focar, por exemplo, nossa atenção numa corrida que muito desejamos completar com recorde pessoal.
Imagine-se no dia da prova acordando na hora prevista, tomando o café da manhã, indo para a competição, largando tranqüilo na velocidade que treinou e muito confiante do que pode realizar, não permitindo de forma nenhuma que um pensamento contrário seja capaz de atrapalhar seus planos. Sentir-se confiante é um estado mental treinável.
Convenhamos. Todas são atividades complementares que se encaixam perfeitamente nos dias de descanso de qualquer corredor. Afinal, não corremos apenas com as pernas e sim com o corpo todo e precisamos estar de bem com vida e com nosso interior para praticarmos bem o nosso esporte. Nos dias de descanso vale não só a meditação como fazer suas orações (para quem é religioso), que acalmam a alma, renovando as energias para o treino do dia seguinte. Quem é mais técnico pode recorrer à psicologia esportiva. O que importa é ter um descanso adequado.