Sejam elas de pura sobrevivência (funções biológicas, como respirar e digerir) ou de simples movimentação (trabalho, exercício, lazer), para realizar tarefas o corpo humano precisa de energia, que é fornecida por uma molécula chamada ATP (adenosina trifosfato), fabricada em todas as células vivas, com o objetivo de capturar e armazenar energia.
À medida que o corpo executa suas atividades, o ATP vai sendo progressivamente consumido e, logo a seguir, é restaurado por outra fonte de energia. Conforme as necessidades energéticas avançam, e por fim todo o ATP acaba, o organismo solicita outro macronutriente para sintetizá-lo novamente. Neste momento o corpo precisa fazer uma escolha. Terá de definir qual base energética irá utilizar, se gordura ou se carboidrato. Ele fará essa escolha analisando dois fatores principais: a velocidade com que precisa repor o ATP e a existência ou não de oxigênio durante o processo de transformação.
No caso da presença de oxigênio (aeróbio) e da baixa necessidade de ATP, o organismo opta pela gordura, que gera mais ATP e é mais abundante no corpo. Por outro lado, na necessidade de uma ressíntese rápida do ATP e na ausência de oxigênio durante o processo de transformação (anaeróbio), o organismo parte para os carboidratos, fato que ocorre nas situações de exercícios físicos muito intensos.
No segundo caso, o processo é capaz de gerar energia suficiente para a ressíntese do ATP, mas tem um efeito que pode ser esportivamente indesejável: produz ácido lático.
COMO O ORGANISMO REAGE AO ÁCIDO LÁTICO. Subproduto do ciclo de ressintese do ATP, o ácido lático tem a inconveniente propriedade de afetar negativamente a atividade física. Seu acúmulo no sangue e no músculo pode interferir no estímulo nervoso, no processo de contração e na produção de energia necessária para a ação muscular.
A via anaeróbia para fornecimento de energia extra continua sendo temporária, pois os níveis sangüíneos e musculares de lactato aumentam e a regeneração do ATP não consegue mais acompanhar seu ritmo de utilização. Após exercícios extenuantes, nos quais se acumularam quantidades máximas de ácido lático, a fadiga então se instala, diminuindo o desempenho nos exercícios. Em muitos casos significa dar adeus à prova.
A recuperação plena implica na remoção desse ácido tanto do sangue como dos músculos. Em geral são necessários 25 minutos de repouso-recuperação após um exercício máximo para remover metade do volume acumulado. Significa que cerca de 95% do ácido lático serão removidos em pouco mais de uma hora de repouso-recuperação.
PARA ONDE VAI. Processado no organismo, existem quatro destinos possíveis para o ácido lático:
1) Eliminação pelo suor e pela urina durante a recuperação após um exercício;
2) Conversão em glicose e/ou glicogênio. Responsável por apenas uma pequena fração do total removido;
3) Conversão em proteína. Também apenas uma quantidade relativamente pequena é eliminada desta forma;
4)Oxidação/conversão em CO2 e H2O. O uso do ácido lático como combustível metabólico para o sistema aeróbico é responsável pela maior parte do total removido durante a recuperação.
Como bem se vê, embora possa contribuir para a fadiga muscular, o ácido lático não é apenas um produto inútil do metabolismo. Serve também como fonte de energia, como forma de eliminação de carboidrato dietético e como base para a formação de glicose do sangue e de glicogênio no fígado.
É importante lembrar que a concentração de um metabólico como o ácido lático, que entra e sai do sangue rápida e continuamente, é tão somente o resultado da diferença entre os índices de entrada e de saída no sangue. Portanto, um aumento da concentração não significa necessariamente que sua produção tenha aumentado – a diminuição na velocidade de eliminação também pode fazer subir a concentração no organismo.
Seja como for, sabe-se hoje que o ácido lático é metabolizado muito velozmente, e que sua quantidade no sangue ou no músculo, a qualquer instante, é extremamente menor em comparação com a grande quantidade que é continuamente produzida e eliminada.
NA PRÁTICA, FAZER O QUÊ? Técnicos e atletas devem aprender a lidar com o ácido lático de forma eficaz. Programas de treinamento podem ser elaborados para reduzir a produção e aumentar a eliminação. Isso geralmente é conseguido através de uma combinação de treinamentos de alta intensidade com treinamentos prolongados submáximos. No entanto, é importante não perder de vista que tanto a formação como a rapidez na eliminação do ácido lático são funções diretas da velocidade metabólica do indivíduo.
O treinamento de alta intensidade irá maximizar as adaptações necessárias para aumentar a utilização de oxigênio (VO2 max.). Esse tipo de treinamento é importante, pois quanto maior for a liberação de oxigênio nos músculos, menor será a dependência da quebra de carboidratos em ácido lático. Além disso, o aumento da capacidade circulatória irá acelerar sua eliminação através dos tecidos.
O treinamento prolongado submáximo tem a vantagem de induzir as adaptações periféricas (musculares), que por sua vez reduzirão a velocidade de formação do lactato, além de aumentar sua velocidade de eliminação. Treinamentos que envolvem corrida, natação ou ciclismo por muitos quilômetros parecem causar um aumento máximo na capilaridade e na capacidade funcional do músculo esquelético.
Em termos nutricionais, a alimentação de um atleta sob treinamento extenuante, que consome as reservas de glicogênio e fica exposto aos riscos de desbalanceamento sistemático do ácido lático, deve dar prioridade aos carboidratos. Sendo mais claro: como é difícil alterar a velocidade do metabolismo, seu "remédio" contra o indesejado ácido lático talvez esteja num belo prato de macarrão. Experimente.
FADIGA MUSCULAR
Os cientistas já tinham noção de que o músculo humano fosse capaz de deflagrar um mecanismo para adiar a fadiga das fibras musculares. O que eles não sabiam é que esse processo usa o próprio ácido lático, principal substância responsável pelo cansaço muscular.
Segundo o pesquisador australiano Graham Lamb, a pesquisa verificou que o músculo acaba usando a acidose – causada pelo ácido lático – para manter a resposta correta das fibras musculares ao estímulo dado para elas agirem. A acidose seria, então, responsável por manter o músculo apto para responder aos estímulos nervosos.
Essa excitação é fundamental para que a contração muscular ocorra. Em uma situação de forte atividade física, íons de potássio são liberados pelos tecidos musculares para fazer com que a membrana das células seja menos estimulada. O papel do ácido é exatamente neutralizar a presença dos íons e permitir que o músculo continue trabalhando.
Apesar de a pesquisa ter sido feita com o objetivo de estudar a fadiga muscular em atletas de alto nível, os cientistas acreditam que os resultados poderão ser úteis para a fisiologia humana em geral.
ORIGEM
O ácido lático foi descoberto em 1780 pelo químico sueco Carl Wilhelm Scheele, identificando-o pela primeira vez no leite coalhado, razão pela qual seu nome possui origem na palavra leite (do latim: lac / lactis). Além de ser produzido pelo corpo humano, pode também ocorrer na fermentação de alguns alimentos ou mesmo ser produzido sinteticamente.
USOS E APLICAÇÕES
O ácido lático é usado em uma grande variedade de alimentos industrializados, entre eles pães, bebidas, carnes e laticínios. Sua aplicação nessa área tem como objetivo aumentar o prazo de validade dos produtos, controlando o desenvolvimento de bactérias patogênicas. No entanto, o ácido lático utilizado pela indústria alimentícia é obtido do açúcar da cana, sendo um produto de origem 100% vegetal.
FORA COM ELE
Especialistas em esportes da Escola Paulista de Medicina garantem: o melhor remédio para combater o excesso de ácido lático é… mais exercício! Só que em doses menores.
O melhor procedimento para eliminá-lo é, depois de fazer um exercício exaustivo, realizar por alguns minutos algum outro exercício (correr, pedalar, nadar) em menor intensidade. Isso ajuda a desintoxicar a musculatura, já que uma parte do ácido lático, que também serve como fonte de energia, passa a ser queimada.
Outro procedimento é massagear o local dolorido, aumentando a irrigação sanguínea da região e facilitando a eliminação do ácido. Mas lembre-se: o ácido lático pode não ser o único responsável pelas dores que surgem após exercícios mais puxados. Elas podem também ser causadas por microlesões no músculo, aliás na maior parte das vezes.