O momento mais marcante para o atletismo brasileiro na última Olimpíada não se deu nas pistas. Já era final de noite naquele 15 de agosto e as emissoras de televisão esqueciam as quartas de final do vôlei de praia e focavam, em definitivo, suas câmeras para o Estádio Olímpico. Era noticiada a atitude kamikaze do atleta brasileiro Thiago Braz.
Até então ele vinha num dramático embate com o atual campeão mundial, o francês Renaud Lavillenie, e, centímetro a centímetro, foram eliminando os outros competidores e se isolando na disputa. O treinador do brasileiro, Vitaly Petrov, assistia serenamente o seu atleta empatar a competição, alcançando a marca de 5,93 m. Era o recorde pessoal de Thiago, mas o técnico ucraniano reagiu como se ele fizesse isso todos os dias no centro treinamento na Itália.
Em seguida, o francês, na primeira tentativa, rompia a barreira dos 5,98 m. Não era algo tão expressivo a ele, que já tinha alcançado os 6,16 m dois anos antes, quebrando o recorde mundial indoor de Sergei Bubka que já durava 21 anos. Dominante, como foi durante toda a competição, o francês vibrava como tivesse certeza que era o salto vencedor. Thiago Braz então "dobra" a aposta e não tenta 5,98 m; pede aos juízes que o sarrafo seja levantado para 6,03 m, acima do recorde olímpico. Era tudo ou nada.
A torcida presente no Estádio, castigada pela torrencial chuva horas antes, passara a travar um duelo interno quando a competição resumiu-se ao brasileiro contra o francês. A maioria aplaudia Braz com tanto entusiasmo quanto vaiava Lavillenie, enquanto a minoria francesa se impunha a cada tentativa perfeita do seu atleta. Corrida forte, encaixe da haste na caixa não tão preciso, e Thiago Braz abortava a primeira tentativa. Ele tinha consciência dos riscos: o sarrafo estava dez centímetros acima do seu recorde pessoal e ele nunca tinha chegado ao "clube dos seis", reduto dos raros atletas que alcançaram a marca dos seis metros.
Lavillenie permanecia de costas ao brasileiro, como fez durante todo o evento. Sem tempo para se recuperar plenamente, o brasileiro foi para sua segunda tentativa. Corrida agressiva, encaixe preciso, flexão magnífica, extensão e rotações perfeitas e a deliciosa queda, fitando o céu, que lhe abria a entrada triunfal para ingressar ao "clube dos seis". Recorde olímpico! O estádio explodiu em alegria, mas calma: ainda não tinha terminado.
As câmeras todas se viraram para o francês, cujo semblante era de quem aguentava em seus ombros, naquele instante, todo o peso do Estádio Olímpico. Passou a se incomodar com as vaias da torcida, que vibrava a cada uma das tentativas desastrosas de transpor os 6,03 m. Visivelmente desconcentrado, chegou a parar e fazer sinal de negativo para o público, a quem chamou de "torcida de m…" à televisão francesa momentos depois. Depois de duas tentativas mal sucedidas, ia para seu salto final. Assistir a Renaud Lavillenie correndo era como ver Roberto Baggio indo em direção à bola na final da Copa de 1994. E a explosão de alegria dos brasileiros foi semelhante. Ouro para Thiago, aplaudido por um público em uma festa que misturava felicidade, lágrimas e, principalmente, surpresa.
Afinal, para boa parte dos brasileiros presentes no Estádio naquele dia, o desejo era ver o mais rápido, o mais resistente, em uma das oito raias da pista olímpica. E a história do inédito ouro para o Brasil no salto com vara, nos faz relembrar que o atletismo, enquanto modalidade, também é ver quem vai mais alto, ou mais distante. E as especialidades da modalidade vão além das pistas; estão também "no campo". E ao contrário que o senso comum pode supor, o Brasil tem mais sucesso no "campo" que na pista olímpica.
Vejamos: enquanto Joaquim Cruz é o nosso único medalhista de ouro em eventos de pista, nos 800 m na Olimpíada de 1984, temos quatro medalhas de ouro no campo: O bicampeonato de Adhemar Ferreira da Silva no salto triplo nos Jogos de 1952 e 1956, o ouro de Maurren Maggi no salto em distância em 2008, e agora com Thiago Braz. E entendendo que incentivar o atletismo no Brasil é mais do que destacar as eventos que envolvem a corrida, abrimos espaço aqui para contar um pouco da história do salto com vara.
CÓRREGOS E VALAS. Tal como a maioria das especialidades do atletismo, o salto com vara foi uma prática que, ao longo do tempo, sofreu inúmeras transformações, até vir a ser a prática esportiva como entendemos hoje. Logo, não há uma origem precisa. O que podemos deduzir é que provavelmente foi descoberta de forma independente em uma variedade de culturas, como forma de superação das barreiras físicas, tais como córregos e valas. Ou mesmo em guerras, tal como podemos observar em algumas esculturas egípcias, datadas em 2500 a.C., nas quais retratam guerreiros usando hastes para ajudar a escalar paredes inimigas.
A prática continuou ao longo dos séculos, na Europa, sobretudo nas regiões com muito lagos, rios e canais. Suprindo a falta de pontes, a prática de usar varas para passar para o outro lado da margem teve uso em larga escala. Já na metade século 19, momento onde os jogos e brincadeiras passaram a se tornar modalidades esportivas, com regras e estatutos, verificam-se as primeiras ocorrências da expressão "salto com vara" nos programas esportivos alemães e ingleses.
Outros países foram adotando a especialidade nos seus currículos escolares, influenciados fortemente pela tradução para o inglês e francês do livro "Ginástica para Juventude", publicado em 1793 pelo alemão Christoph Guts Muths, que além de apresentar os princípios do salto com vara, evocava a especialidade esportiva como a principal atividade no treinamento físico na educação.
A EVOLUÇÃO DA VARA. No início as hastes eram feitas de madeira de faia, de cedro ou de nogueira com pontas de ferro no final. O primeiro uso registrado de varas de bambu foi em 1857. E o vencedor não era aquele que conseguia ir mais alto, mas sim o que ia mais distante, numa herança direta da prática de usar as varas para se deslocar de forma diagonal. Aos poucos a regra foi mudando para avaliar a altura, não mais a distância, exigindo a criação de uma ripa de madeira, chamada de sarrafo, onde os juízes poderiam verificar com alguma dose de precisão o evento: se derrubasse a ripa, teria seu salto invalidado. Se a ultrapasse sem problemas, a altura onde fora colocado o sarrafo seria a marca do atleta, não importando se tivesse saltado muito mais alto.
O atletismo era a novidade nos círculos europeus e nos EUA na segunda metade do século 19. Além das primeiras regras, a modalidade passava a ser realizada em um lugar fixo: emulando o formato dos hipódromos de turfe, os estádios de atletismo foram sendo construídos. A área dos eventos era divida na parte externa, onde ficavam as raias para as disciplinas de velocidade ou resistência, e no centro, as especialidades de velocidade e força.
Era o início do "track-and-field", em bom português, eventos de pista e campo. E o salto com vara, desde o início, já fazia parte as disciplinas oficiais do "jumping", que ainda se dividia em salto em altura, em distância e o triplo. E foram incorporadas ao programa dos primeiros Jogos Olímpicos da modernidade, em 1896, em Atenas. Nesse evento, o americano William Hoyt venceu a competição saltando 3,30 m.
AS SEIS FASES DO SALTO. Num primeiro momento, existiam várias formas para ultrapassar o sarrafo. No entanto, a que vingou, e que é base para a técnica atual, consistia em o atleta correr e, fincando a ponta de ferro da pesada haste de madeira, se deslocava para cima, tentando subir o máximo que podia até a vara ficar totalmente vertical; então o atleta dava um último impulso para ultrapassar a ripa, tomando cuidado com a queda, pois ainda não existiam as "camas", mas no máximo, alguns sacos de areia.
Com o passar dos anos, a técnica de salto evoluiu até chegar ao atual, consistindo em seis fases. Na primeira, durante 40 metros, a corrida de aproximação e impulsão, fazendo o atleta nesse momento o movimento de encaixe da vara. A seguir, inicia-se o "pêndulo"; utilizando a força gerada pela corrida, o saltador flexiona a haste e faz a fase de enrolamento, onde ele se encolhe a fim melhorar a sua própria impulsão, quando a vara retornar a seu formato original. A terceira fase consiste na extensão da vara, quando o atleta volta a ficar em posição ereta, impulsionando, ao mesmo tempo em que faz o movimento de rotação, sendo esta a quarta fase.
Enfim, ele entra na quinta fase, quando vai soltando as mãos da vara, a de baixo primeiramente, e em seguida a mão que está acima, empurrando levemente a haste em direção contrária ao sarrafo. Este é o delicado momento de transpor o sarrafo, na contração máxima de seus músculos, uma vez que cada mínima parte do corpo pode derrubá-lo (podemos lembrar o japonês Ogita Hiroki, que na final da última Olimpíada, foi eliminado, pois deslocou o sarrafo com suas partes íntimas, digamos, e de quebra, destituiu alguns estereótipos vigentes). A sexta e última fase é a da queda, de costas, sobre uma grande cama inflável ou de espuma.
Enfim, velocidade, força, elasticidade e, sobretudo muita, muita técnica, o que torna difícil a simples descrição do movimento de menos de dez segundo para o leitor. Não à toa, o salto com vara é o movimento mais complexo do atletismo e o segundo entre todos os esportes. Como curiosidade, só perde para o arranco e arremesso do levantamento de peso olímpico.
DE 4,02 PARA 6,16 M. A palavra que melhor pode descrever a história do salto com vara é evolução. Não somente na técnica do salto em si, mas também as evoluções tecnológicas que envolvem a especialidade tornaram possível seu aperfeiçoamento em progressão geométrica, saindo do primeiro recorde oficialmente reconhecido pela IAAF, obtido em 1912 pelo americano Marc Wright com a marca de 4,02 m chegando até os 6,16 m alcançados pelo francês Renaud Lavillenie, em 2014. Entre os inúmeros aperfeiçoamentos tecnológicos que o salto com vara sofreu, dois foram fundamentais para seu exponencial desenvolvimento.
A primeira inovação foi à criação da "caixa", onde hoje é aquela cavidade em formato de trapézio, feita de metal ou fibra de carbono, fundamental para a sensação de estabilidade dos atletas. Até os primeiros anos do século passado, simplesmente não havia nada para se firmar a vara além da ponta de ferro na sua extremidade. Sem tanta estabilidade, o processo de impulsão ficava reduzido e os acidentes não eram incomuns.
Quem mudou isso foi o americano Alfred Carlton Gilbert. Talentoso atleta que compensava a baixa estatura e o corpo franzino com extraordinária força e velocidade. Tornou-se um multiatleta na Universidade de Yale, mas dirigiu seus esforços para o salto com vara, quando aliou ao seu talento como atleta a sua engenhosa e criativa mente. Inventor desde pequeno teve a ideia de fazer um buraco na terra batida para ver se dava mais firmeza à sua vara de bambu, conseguindo, assim, flexionar a vara sem perder a estabilidade ao salto.
A ideia tão simples como original transformou Alfred no franco favorito do salto com vara na Olimpíada em Londres, em 1908. As regras não impediam que cavasse o buraco nem que usasse sua vara de bambu, e assim ele o fez quando foi fazer seu primeiro salto. Pioneiros na especialidade, a delegação britânica fez um protesto, e os juízes concordaram que ele deveria fazer o salto com a vara de madeira pesada e sem nenhuma cavidade. E mesmo assim, ganhou a medalha de ouro. Mas logo a novidade da "caixa", como passou a ser chamada, se espalhou pelos círculos europeus, tornando o artefato algo comum nas competições nos anos seguintes.
VARA DE BAMBU. Como vimos no parágrafo anterior, Alfred Gilbert possuía outro trunfo, além da caixa. Ele usava uma vara de madeira de bambu, bem mais flexível e que devolvendo a força aplicada pelo atleta, o ajudava ainda mais na impulsão. Contudo, desde 1857 ela era conhecida, mas não muito usada justamente por não ter nenhuma ponta de ferro para fincar na terra, tornando-se ainda mais perigosas do que as hastes de madeira mais resistente.
Com a criação da caixa, esse problema se dissipou e logo todos adotaram a vara deste material. Entrávamos na "Era do Bambu", que, sendo oco, era mais leve, permitindo uma corrida mais rápida, uma impulsão um pouco mais ampla e permitia em algum grau a rotação do corpo para cima. Em 1960, o americano Don Bragg chegava à marca de 4,80 m, 78 cm mais alto que o primeiro recorde mundial pela IAAF, também conquistado já se utilizando a haste oca. Comparado às marcas das primeiras marcas da especialidade, a evolução era maior que 1,50 m.
FIBRA DE CARBONO. Entretanto, as varas passariam por outra revolução, ainda maior que o bambu. Este ainda limitava os movimentos do atleta, por ser uma madeira com alto índice de fragilidade. Aproveitando o espírito de seu tempo, cientistas do pós Segunda Guerra Mundial conseguiram produzir varas construídas de fibra de carbono em 1956. Logo se viram atletas alcançando alturas incríveis e recordes pulverizados.
Dois anos após a autorização da IAAF para o uso das varas de fibra de carbono, a melhor marca dava um pulo de 20 cm e chegava aos cinco metros, e aos 5,45 m ao final da década. Comparativamente, a entrada do uso da vara de fibra de carbono acarretou um avanço de desempenho no esporte que só é compatível, segundo os especialistas, com a criação do clipe nos patins de gelo.
Para ficar mais claro o avanço, podemos até fazer um paralelo com a natação. A vara de carbono melhorou o desempenho de forma mais impressionante e significativa em comparação aos controversos "supermaiôs", que ajudaram a pulverizar mais de 20 recordes mundiais entre 2008 a 2010, quando foram proibidos pela Federação Mundial de Natação.
DOMÍNIO EUROPEU. Outro fato que se estende até os dias de hoje foi a mudança na supremacia da especialidade. Desde a sua estreia na Olimpíada, os EUA estiveram sempre à frente tanto em medalhas de ouro como em recordes mundiais. Mas a partir de 1970, quando o alemão Wolfgang Nordwig conquistou o recorde mundial, os países europeus começam a disputar entre si a hegemonia, causando algumas saias justas diplomáticas históricas.
A principal delas deu-se justamente no evento onde os EUA não participaram. Na Olimpíada de 1980, o polonês Wladyslaw Kozakiewicz saltou 5,78 m e conquistou não somente a medalha de ouro como o recorde mundial. Venceu também as vaias da torcida russa, que lotava o Estádio Olímpico. Imediatamente depois de transpassar o sarrafo e cair na cama, o polonês se levantou sorrindo e, virando para o público, lhes ofereceu o ofensivo gesto "bras d'honneur", um nome pomposo para o que conhecemos como uma "banana". Resposta às vaias, ou mesmo um gesto político, uma vez que poloneses e russos são inimigos históricos.
As imagens do gesto foram proibidas de serem veiculadas na União Soviética e em países alinhados com sua política, e o embaixador soviético na Polônia exigiu a devolução da medalha se não houvesse uma explicação oficial do governo polonês sobre o ato. A resposta foi das melhores: o governo polonês pedia as sinceras desculpas, mas justificava o fato a um extremo esforço físico, o que lhe causou "espasmos musculares involuntários". Mais bizarro que a explicação foi que as desculpas foram aceitas!
O MULTI RECORDISTA SERGEY BUBKA. Países como a França e Alemanha, bem como a União Soviética despontaram nessa corrida pela supremacia no esporte. No entanto ela ficou nas mãos não de um país, mas sim de uma pessoa a partir de 1983: Sergey Bubka. Nesse ano, o ucraniano de 20 anos, conquistava o primeiro Campeonato Mundial de Atletismo, em Helsinque, Finlândia. No ano seguinte, batia o recorde mundial, algo que iria fazer por mais 35 vezes até chegar aos 6,15 m conquistados em 1994 (foram 17 recordes em competições ao ar livre e 18 recordes em pista coberta).
Com o fim do código do amador em meados dos anos 1980, que proibia as premiações em dinheiro aos atletas e sem ter concorrente a altura, Bubka se utilizava de um expediente muito simples: quebrava recordes mundiais por um ou dois centímetros, no máximo. Assim, não apenas faturava o prêmio como vencedor, mas também e principalmente pela recorde alcançado. Chegou um momento que nenhuma marca estava disposta a patrociná-lo, para não ter que arcar com os constantes bônus.
Já no campo olímpico o ucraniano ganhou uma única medalha, a de ouro nos Jogos em Seul, em 1988, quando ainda representava a União Soviética. Mas de forma alguma isso tira o brilho desse atleta, que tinha em comum a longevidade. O seu recorde de 6,14 m, imbatível durante vinte longos anos, só perde em longevidade para outro aspecto da vida de Bubka: a sua própria carreira profissional, quando, em 2001 ele pendurou as sapatilhas após trinta intensos anos. É sem dúvida o maior ícone do salto com vara e integrou os primeiros 24 atletas a terem seus nomes gravados no hall da fama da IAAF, em 2012.
Em 2014, presenciou Renaud Lavillenie bater o recorde mundial indoor diante de seus olhos e na sua cidade de criação, Donetsk, alcançando 6,16 m. A reação do ucraniano foi a de um verdadeiro cavalheiro: o aplaudiu de pé, e logo em seguida foi ao campo para parabenizá-lo, dizendo que era um dia muito feliz para ele. Não desdenhou o atleta nem relembrou que ele é ainda o recordista do salto com vara em competições outdoors. A marca máxima do francês nas provas a céu aberto é de 6,05 m, apenas dois centímetros acima da de Thiago Braz.
O TREINADOR PETROV. Sergei Bubka foi a primeira "cria" do que é, até hoje, o treinador mais respeitado no mundo do salto com vara, o ucraniano Vitaly Petrov. Foram dezesseis anos de relacionamento, onde Bubka adotou a técnica incomum de usar uma vara um pouco mais pesada, segurar a haste um pouco acima do que costumavam pegar, fazer uma corrida muito mais rápida e, sobretudo, a contínua movimentação das pernas logo após iniciar seu movimento em direção ao sarrafo.
Esse método é hoje conhecido como "método Bubka/Petrov". Contudo, a parceria encerrou-se em 1990, o que só fez engrandecer o nome do técnico ucraniano, pela qualidade de seus novos pupilos. Depois de alguns anos de hiato, ele reapareceu como treinador do italiano Giuseppe Gibilisco, campeão mundial em 2003 e medalha de bronze em 2004. Além do italiano, Petrov tem estreito laço com Brasil: orientou Fabiana Murer quando ela foi campeã mundial em 2011, e é o atual técnico do medalhista de ouro na Olimpíada do Rio.
A RUSSA ISINBAYEVA. Mas o segundo maior nome que esteve nas mãos de Vitaly Petrov foi a russa Yelena Isinbayeva. No mundo do atletismo marcado pela desigualdade de direitos entre homens e mulheres, o salto com vara feminino foi uma das últimas disciplinas a terem recordes validados pela IAAF, apenas em 1992. Mais longo foi o tempo de espera para o evento ser inserido no programa olímpico, que aconteceu apenas na Olimpíada de Sidney, no limiar do século 20.
E desde os anos 2000, a russa sagrou-se o "ícone" feminino da modalide. Numa carreira meteórica, ela foi medalhista de ouro nos Jogos de 2004 e 2008 e bronze no de Londres, em 2012. Foi tricampeã mundial e tetra nos campeonato indoors. Quebrou por 28 vezes o recorde mundial (sendo 15 outdoors e 13 indoors). Mas diferentemente do ucraniano, sua parceria com Vitaly Petrov se deu com sua carreira consolidada. No entanto esses anos foram o período de seu apogeu, entre 2005 a 2011, quando retornou ao seu primeiro antigo mentor Yevgeny Trofimo.
Dois aspectos em comum ligam Isinbayeva e Bubka. A primeira é sua técnica de salto, que de tão revolucionária, passou a ser algo percebido até pelos espectadores mais leigos. Isinbayeva se valia dos dez anos em que foi atleta de ginástica artística, e arrancava admiração de outros técnicos, que eram categóricos ao dizer que a segunda parte de seu salto era melhor do que qualquer atleta masculino na época. Não à toa, foi a primeira mulher a chegar a marca dos cinco metros.
O segundo aspecto em comum com Bubka foi o fato de bater o recorde centímetro a centímetro, engordando o bolso e desesperando as marcas com sacos de dinheiro pelos bônus combinados nos contratos. Anunciou a aposentadoria de forma definitiva ao saber que não participaria os Jogos Olímpicos do Rio, após punição imposta à Federação Russa de Atletismo pelo seu sistema generalizado de doping. Mas seu recorde mundial de 5,06 m ainda está longe de ser alcançado.
FABIANA MURER. O nome, até a Olimpíada do Rio, que vem a mente quando falamos de salto com vara no Brasil é da paulista Fabiana de Almeida Murer. Campeã dos Jogos Pan Americanos em 2007, do Mundial Indoor em 2010, e do Mundial no ano seguinte, foi a principal concorrente de Isinbayeva e potencial medalha nos Jogos Olímpicos. E apesar de ser treinada pelo seu marido, Elson Miranda, tinha uma ligação muito forte com, nada mais, nada menos, que Vitaly Petrov.
Desde 2001, atletas e treinadores brasileiros financiaram clínica para o ucraniano ministrar no país ao longo da década. Tal intercâmbio foi fundamental para a evolução de Murer, que quebrou o recorde sul-americano com a marca de 4,85 m em 2010, mesmo ano em que ganhou o mundial indoor sobre Isinbayeva. A rivalidade tomou proporções maiores e a russa foi impedida de continuar treinando junto com a brasileira na sua temporada europeia.
Quanto ao sonho da medalha olímpica, a sorte não lhe sorriu nas três Olimpíadas em que participou. Em Pequim, em 2008, viveu o drama (assistido ao vivo) de não encontrar seus equipamentos de trabalho, e se desesperar. Suas varas literalmente sumiram, sendo encontrados dias depois, em um dos depósitos olímpicos. Já em 2012, sob pressão de ser a campeã mundial no ano anterior e do forte vento contra, queimou suas três tentativas e foi eliminada. E nesse ano, mesmo obtendo o recorde pessoal um mês antes dos Jogos, alcançando 4,87m, foi vencida pela crônica dor nas costas e também não passou da qualificatória. Logo em seguida, anunciou, bem como a rival russa, sua aposentadoria e o interesse em ser dirigente.
A HISTÓRIA DE THIAGO BRAZ. Bom olho aos talentos ela já tem, Pelo que nos conta o próprio Thiago Braz. Menino de família humilde, encontrou em Murer mais que uma inspiração para ingressar no salto com vara, mas uma patrocinadora. Ela incentivou e cobriu as despesas dele durante os quatro meses de 2010 para se mudar para a capital paulista, no núcleo de alto rendimento patrocinado pela B&MFBovespa. Já em janeiro do ano seguinte, foi contratado pela equipe de Fabiana, e Elson Miranda tornou-se seu treinador.
Mais tarde tinha a orientação de Petrov (sim, ele de novo), que desde 2011, quando terminou a parceria com Isinbayeva, intensificou suas clínicas aqui no país. E ele se viu como a principal razão para então amigável relação entre Elson e Petrov se estremecer. Eram inúmeras e acaloradas as discussões entre eles sobre as questões técnicas do jovem atleta. No final de 2013, Vitaly Petrov voltou para a cidade de Formia, na Itália, onde reside. Logo depois, fez uma proposta ao Comitê Olímpico Brasileiro: que lhe desse apoio ao convite para treinar particularmente Thiago Braz. Isso implicaria em sair do Brasil e, principalmente, desligar-se das pessoas e da equipe que o acolheu em seu início.
Tornou-se a grande polêmica do atletismo brasileiro. De um lado, a possibilidade de ser encarado como ingrato a quem o acolheu quando precisava. De outro, a rara possibilidade de treinar com o mentor de Sergei Bubka e Yelena Isinbayeva e de figurar no cenário internacional com mais frequência. Thiago Braz optou pelo mais difícil e foi para Formia. Elson Miranda bravejou contra Petrov em público, acusando de aliciamento a seu atleta e, por fim, Fabiana Murer e Thiago Braz esfriaram a amizade.
Pouco mais de um ano e meio depois, o ouro olímpico soa como uma vitória dos argumentos de Petrov, que afirmou logo depois da extraordinária atuação de seu atleta que "Thiago fez um grande trabalho; trilhou o caminho dele e agora se tornou campeão olímpico. Se ficasse, poderia não acontecer, como foi com (Fábio) Gomes e com (Augusto) Dutra", disse o treinador ao jornal Estado de S. Paulo. Já da boca de Thiago, só agradecimento e a serenidade de quem escolheu priorizar a carreira. E tão cordial quanto o medalhista de ouro foram as palavras da própria Fabiana Murer, deixando as mágoas de lado e exaltando a qualidade e a jovialidade do atleta de 22 anos em todas as entrevistas.
Ainda com pouca tradição no Brasil, as imagens que pararam o Brasil, naquela segunda-feira chuvosa de agosto, devem ser repetidas à exaustão. Esperamos que a primeira medalha brasileira no salto com vara tenha como maior legado não apenas a motivação para a massificação do atletismo, mas também o interesse das pessoas, sobretudo nós, corredores amadores, em aprender mais dessa modalidade na qual amamos, porém sem conhecê-la de fato.