Sem categoria admin 10 de março de 2015 (0) (117)

Seus planos são seus planos, ou não?

Quem corre certamente já ouviu que a corrida é um desafio pessoal, em que você tenta superar seus próprios limites e desafios. Existem corredores que nada revelam sobre sua preparação e metas, assim não precisam ficar explicando quando algo dá errado e tampouco lidar com cobranças indesejadas e inoportunas. Mas há também os que "dão a cara para bater", escancaram sua vida esportiva, sua planilha e até sua rotina. Compartilham com parentes, amigos e mesmo com desconhecidos pelas redes sociais. Estes correm o risco de serem chamados de loucos ou mentirosos, além de frustrar aqueles que lhe apoiam.
Rodrigo Richard, 35 anos, e Nadjala Richard, 30, são casados há quatro anos e convivem diariamente com os treinos e o pensamento nas metas que têm para cumprir na corrida. Ambos são exigentes com seus rendimentos, compartilham seus planos um com o outro, mas deixam de lado as cobranças, por orientação do próprio treinador.
"A cobrança é apenas por disciplina. Sabemos que se a cabeça estiver boa, com os treinos os resultados aparecem. Nosso treinador pede para não exagerarmos na cobrança um ao outro. Tanto eu quanto a Nadjala preferimos guardar para nós nossas pretensões. Porém, sempre existem aqueles que ficam perguntando sobre os nossos planos e objetivos para uma determinada prova. Nestes casos revelamos de forma parcial para não criar uma falsa expectativa," comenta o servidor público Rodrigo Richard.
"Responsabilidade todos nós temos e devemos saber conviver com elas, mas até mesmo por não sermos profissionais, achamos que a maior preocupação é com a frustração pessoal. Sempre traçamos metas e planos individualizados para cada prova e estes ficam guardados para nós na maior parte das vezes. É mais fácil lidar tanto com a vitória quanto com o fracasso desta maneira. Não temos a preocupação do que os outros vão achar quanto ao resultado de uma determinada prova. Mas somos muito exigentes com a gente e às vezes é difícil lidar com esta impulsividade."
Ele cita um caso que lhe gerou grande frustração. "Em minha primeira maratona, ano passado em Santiago 2012, tive fortes cãibras no km 34 e literalmente cruzei a linha de chegada me arrastando. E até aquele momento a prova estava perfeita, até acima das minhas expectativas".
Já Nadjala, que é assistente social, também teve de conviver com a frustração e ainda dar explicação aos amigos. "Não costumo fazer isso, mas saí dizendo que meu objetivo na Golden Four era completar a prova em 1h40. Ia bem até o km 12, mas aí senti cãibras e acabei fechando a prova num tempo bem acima do planejado. Isso mexeu comigo e cheguei a pensar em deixar de lado o principal objetivo do ano, que é fazer a Maratona do Rio. Mas o apoio dos amigos corredores e do meu treinador foi essencial para continuar focada para os 42 km."

ESCANCARADO – O empresário Raphael Pazos, triatleta que vai tentar fazer a Maratona do Rio sub 3h, é daqueles que costumam escancarar seus planos, seus tempos e suas ambições. Sem medos ou receios. Para ele, o insucesso é uma palavra que não existe no mundo do esporte amador.
"Não existe isso de insucesso ou fracasso. Eu sou sempre motivado por minhas conquistas, que nem sempre são vitórias, e tenho a certeza de que inspiro muitas pessoas, principalmente as que estão começando sua vida esportiva."
Pazos, de 38 anos, garante que não abre mão de compartilhar seus treinos e suas metas com amigos e familiares. Segundo ele, são essas pessoas que o incentivam nos momentos bons e ruins, e brinca ao falar das planilhas da treinadora Márcia Ferreira. "Se ela pudesse inserir na minha planilha de treinos, toda vez que me preparo para correr, beijos da minha esposa e da minha filha, e mais uma mensagem de incentivo de um amigo ou um parente, tenho certeza de que meus treinos renderiam muito mais. Mesmo sendo amador, cumpro regras e planilha de um atleta de elite. E como ainda tenho o meu trabalho, dormir e acordar cedo faz parte do meu cotidiano e quase sempre minhas princesas ainda estão dormindo quando saio para treinar", conta o empresário, proprietário de um hotel que recebe esportistas do Brasil inteiro.
Mas se para Pazos compartilhar seus planos é uma obrigação, isso não aumenta sua responsabilidade. A explicação é simples: "Minha responsabilidade é comigo mesmo, os objetivos são meus, compartilhe ou não com amigos e parentes. Acho que eles estão ao meu lado para me ajudar, não para cobrar resultados. É uma ajuda mútua porque ao contar meus planos para eles é como se os convocasse para fazer parte do meu sonho – ser sub 3h em uma maratona. Tenho certeza de que durante este processo de treinamento, muitos deles se inspiram a dar os primeiros passos no esporte. E isso é melhor que qualquer vitória. E não tem essa de ficar constrangido se a meta não for alcançada. O que importa é o caminho", conta Pazos.
O hoteleiro lembra que se os seus planos não forem compartilhados com os outros, as conquistas durante a fase de treinamento também deverão ser guardadas para si. "Durante este processo você tem vários sucessos pontuais, que também são gratificantes e que gosto de compartilhar com os outros. No meu caso foram a primeira vez que corri 10 km para 37 minutos, quando fiz 35 km sem parar, quando minha esposa decidiu encarar sua primeira meia-maratona", lembra Pazos.

SÓ PARA OS ÍNTIMOS – Já o ultramaratonista Cristiano Marcelino costuma compartilhar seus planos somente com familiares e amigos mais "chegados". O receio é de passar por mentiroso ou até mesmo maluco. "Como ultramaratonista, acabo tendo metas absurdas para a maioria dos atletas. Para os mais amigos eu conto e interajo bem com eles. Mas para os outros prefiro não contar, porque alguns acham que sou mentiroso e outros acham que sou maluco. Embora seja um pouco mesmo", conta o corredor.
Mas Marcelino tem a seu favor a vantagem de ser ultramaratonista, o que segundo ele guarda peculiaridade em treinos e provas. "As provas que faço não têm muitos parâmetros, já que são mutáveis, com metas flexíveis. Mas é inevitável conviver com resultados inesperados. Mas tudo é uma questão de ponto de vista. Nestes casos há sempre aquele que acaba vendo que não sou de aço e que tenho minhas dificuldades e se estimula a começar algo para si", completa Marcelino.
Lidar com a frustração por uma prova malfeita ou uma meta não alcançada pode não ser fácil, especialmente se a prova para a qual você se preparou por meses simplesmente não acontece, como a Maratona de Nova York no ano passado. Raphael Pazos treinou com disciplina e compartilhou seus planos com todos que o conhecem e simplesmente teve de adiar o sonho. Outra pessoa talvez tivesse problemas para lidar com isso. "Quem torcia por mim ficou triste, claro, mas entrei para o esporte para me sentir bem e conhecer novas pessoas. Tenho certeza de que farei ainda a Maratona de Nova York", diz Marcelino.

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