POR CAMILA ROMANO | @dracamilaromanoberin
Você sabe o que esperar de um resgate ou atendimento nesse ambiente?
Sou Camila Romano, médica intensivista, especialista em resgate em áreas extremas de montanha e responsável pela direção médica de várias provas de trail do país e fora do Brasil.
Se você é atleta de pista ou asfalto deve saber que existe uma regra que determina um tempo adequado para que o resgate chegue até você se apresentar algum problema que te impeça de prosseguir. Um tempo bem curto, pois existe uma facilidade de chegar até o atleta. Rádios e socorristas são espalhados estrategicamente ao longo do trajeto e, dependendo da quantidade de atletas, os postos médicos são distribuídos em vários locais enquanto os quilômetros vão sendo percorridos. Além disso, existe ainda o deslocamento com carrinhos de golfe, bicicletas elétricas e os meios de comunicação funcionam muito bem. Assim um pedido de avaliação e socorro acontece quase que no mesmo tempo em que o atleta precisa de atendimento.
E na montanha? Como é feito esse dimensionamento em lugares inóspitos e muitas vezes sem condições de serem atingidos, a não ser caminhando e ou correndo?
Aqui vale uma reflexão antes da resposta desse tempo para chegar a avaliar um atleta caído na trilha ou até fora dela.
Trail, trilha, montanha são uma modalidade ligada ao atletismo, mas muito mais jovem que as demais, ainda conquistando espaço no nosso país, tanto é que em 2024 aconteceu o Primeiro Campeonato Brasileiro de Trilha e Montanha oficial, com o aval e apoio da Confederação Brasileia de Atletismo (CBAt), que esteve presente no evento e do qual eu fui a diretora médica.
Por que estou mencionando tudo isso? Sendo uma modalidade jovem, as regras, as normatizações, as punições e as sanções, tudo precisa ser estudado, aprendido e adaptado a nossa realidade.
O que acontece geralmente com a equipe de saúde e segurança são acordos com as prefeituras dessas pequenas cidades de montanha onde ocorrem as provas, que fornecem uma ambulância básica (a regra é que seja de UTI) e um médico ou na maioria das vezes um enfermeiro para atenderem em tal evento.
São profissionais muitas vezes despreparados para atendimento de urgência em eventos potencialmente graves, ainda mais em um grupo seleto de pessoas saudáveis como atletas. É uma forma de baratear os custos da prova, já que a maioria das organizações ainda está começando no cenário outdoor.
Só que o organizador esquece de avaliar que muitas dessas cidades nem hospital tem… e que uma análise minuciosa da região precisa ser feita por quem tem experiência. “Quem fez contato com o hospital mais próximo e que poderá receber um atleta em estado grave? Para onde encaminhar? Aonde esse atleta vai ser levado se acontecer um acidente no km 50 da prova? e se for no km 80?” Isso tudo é responsabilidade do diretor médico. Isso tudo precisa ser visto com bastante antecedência da prova, porque a cidade que receberá o atleta não está preparada e com leitos de UTI suficientes.
E assim são tantas as vezes que o organizador desconhece a montagem e a engrenagem complexa que é um sistema de saúde e segurança efetivos para a prova que ele dirige, organiza e é “dono”.
Se você precisar de resgate ou atendimento no alto de uma montanha você vai achar mais importante uma bonita blusa finisher, uma medalha especial ou ser retirado com vida de lá?
Daí meus amigos corredores, somado a tudo isso, existem ainda aqueles atletas desconhecedores da modalidade, que acham que a distância que correm em asfalto é a mesma da trilha… e são esses que aumentam a chance de precisar de serviços médicos e de resgate, por não terem a noção da magnitude do subir e descer e do desgaste de uma prova de trilha e montanha.
Bem-vindos sempre ao trail! Podem começar, sempre é hora, mas tentem ser apresentados de forma correta à modalidade. Ter um kit de primeiros socorros pessoal e intrasferível na mochila e inclusive saber prestar o socorro inicial pode ser crucial na montanha.
O trail é incrível, fantástico e extraordinário, mas as provas precisam se preparar para atender a crescente população que quer praticar o esporte.
Fatalidades existirão desde que com um atendimento médico digno e preparado para atender em áreas remotas. Custa tempo e muito investimento e estudo. O que não pode acontecer é a falta de atendimento ou o mau atendimento por negligência do organizador estando certo de que isso nunca vai acontecer na prova… e tantas outras justificativas quando ofereço meus serviços e mostro meu currículo de médica de áreas remotas e responsável pela direção de provas de montanha no Brasil e mundo afora.
E você atleta: “como você pode contribuir?” Perguntando ao fazer a inscrição “como está planejado o serviço de saúde e segurança e resgate da prova, se haverá médico, ambulância UTI”. Leia sempre o regulamento e questione. Assim nos asseguraremos de fazer o melhor possível.
Que o trail comece de forma correta. Ajeitar e reformar dá mais trabalho!
Camila Romano é graduada em Medicina pela UFMG , com mestrado e doutorado pela Universitat Autònoma de Barcelona. Tem o selo de direção médica da World Athletics e é responsável pela estruturação e direção médica de eventos outdoor. Única brasileira a fazer parte da equipe médica da Marathon Des Sables, em Marrocos. É ultramaratonista de montanha