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Performance e Saúde admin 5 de novembro de 2012 (0) (126)

Se tiver que treinar menos, não reduza a velocidade

Treinar é um ato cansativo. São necessárias inúmeras sessões, horas a fio de dedicação para ser recompensado em alguns poucos segundos no fim de uma prova. Para muitas pessoas que não correm, a quantidade de tempo que se investe para correr um pouco mais rápido não faz o menor sentido. A quantidade de esforço requerida para se aumentar nosso condicionamento só torna mais frustrante a facilidade com que estas suadas conquistas desaparecem quando se é obrigado a parar de correr.

Aqueles que com frequência interrompem seus ciclos de treino, por razões familiares, de trabalho ou por lesão, bem sabem como é a sensação de estar sempre "voltando" para o seu nível de condicionamento pré-parada. É o chamado princípio da reversibilidade, que diz que todas as adaptações conquistadas com o treinamento atlético podem ser parcialmente ou totalmente revertidas a partir do momento em que cessa o estímulo de treino.  

Para que se possam avaliar os efeitos do destreino em humanos, existem duas possibilidades: a primeira, menos utilizada, é investigar um número gigantesco de corredores e acompanhá-los ao longo dos anos, vendo o que acontece com aqueles que naturalmente deixam de praticar atividades físicas. Este tipo de estudo é utilizado no campo da saúde pública, e já foi encontrado, por exemplo, que pessoas que mantêm um volume de corrida acima dos 24 km/semana ao longo da vida aumentam de peso na metade da taxa das pessoas que param de correr ao longo das décadas. Outra possibilidade, mais prática, é convencer atletas a parar de treinar e ver o que acontece.

Em um desses estudos, testaram-se os efeitos de sete semanas de treino aeróbico intenso seguidas por três semanas de destreino em pessoas previamente treinadas e destreinadas. O período de treinamento foi suficiente para melhorar diversos parâmetros entre os participantes sedentários, como o consumo máximo de oxigênio, parâmetros cardíacos e metabólicos. Já o grupo formado por participantes que já corriam antes do início da intervenção de sete semanas não apresentou nenhuma diferença importante nas variáveis relacionadas ao metabolismo ou performance.

No entanto, após três semanas de repouso, apesar de ainda não haver mudanças no consumo máximo de oxigênio, já se notava uma queda significativa na atividade enzimática oxidativa e uma tendência de alta na frequência cardíaca, este último apenas para os participantes previamente destreinados.

 

PARAR ALGUNS  DIAS? TUDO BEM!  Um dos problemas com estudos curtos de destreino é que os resultados muitas vezes podem ser confundidos com os de um período de polimento (quando se reduz drasticamente o volume e a intensidade dos treinos na semana ou duas semanas antes de uma competição), ou ficar no meio dos dois. Quer dizer, não necessariamente a performance irá cair logo nos primeiros dias após o último treino. Muitas vezes é preciso mais tempo, talvez até mais de uma semana, para que os efeitos da última carga de treinos "expirem" e a performance comece a cair, juntamente com a perda das adaptações sistêmicas.

Esse problema metodológico na verdade é uma boa notícia para os corredores: ele mostra que alguns poucos dias de interrupção no treinamento – digamos em função do clima, por uma lesão leve, viagens ou algo do gênero – é de pouca ou nenhuma importância para o treinamento macro em si. Obviamente que quando se planeja a preparação de um corredor se prevê que ele irá realizar todos os treinos propostos, mas nenhum técnico em sã consciência pode dizer com convicção o que irá acontecer se por qualquer motivo seu atleta deixar de realizar dois ou três treinos no meio da planilha. Uma ou duas sessões leves de retomada da carga normalmente bastam para retomar os treinos em ritmo normal.

Para se avaliar os efeitos do destreino, são necessários períodos mais longos, pois com isso se cria uma curva de tempo das diferentes desadaptações que ocorrem. Um trabalho americano de 1985 investigou como o organismo de corredores e ciclistas se comporta ao longo de 85 dias sem treino. Ao longo do período de destreino, os atletas realizavam protocolos de exercício na mesma intensidade absoluta para o estresse que aquela carga causava no organismo.

No primeiro dia, logo no início da fase de destreino, esta intensidade representava 75% do consumo máximo de oxigênio dos atletas, e cerca de 84% de seu batimento cardíaco máximo. Entre 12 e 21 dias de destreino, a perda de condicionamento foi apenas moderada, com os percentuais saltando para 80% do consumo máximo de oxigênio e 87% da frequência cardíaca máxima. Passados 84 dias sem treino (equivalente a três meses ou um inverno), o consumo de oxigênio já estava em 90% do máximo, e a frequência cardíaca em 93% do máximo, níveis ligeiramente melhores que os de sujeitos que nunca haviam treinado, quando submetidos à mesma carga.

Outro achado importante deste estudo foi o fato de que a ventilação dos corredores também aumentou significativamente com o destreino, ou seja, eles passaram a ofegar muito mais com o parada dos treinos, evidenciando maior dificuldade em lidar com um grau de esforço que antes era considerado fácil. Não por coincidência, a sensação subjetiva de esforço, medida numa escala de 6 a 20, saltou de 12 para 17.

 

EFEITOS PARA A FREQUÊNCIA CARDÍACA. É importante notar, no entanto, que o percentual de consumo de oxigênio e de frequência cardíaca sobe por razões distintas: o consumo de oxigênio absoluto para a intensidade permanece inalterado, pois a economia de corrida não se modifica; é o consumo máximo do corredor que diminui, fruto da perda de capacidade oxidativa dos músculos e de bombeamento do sangue por parte do coração. Por outro lado, quando se fala em batimentos cardíacos, a frequência cardíaca máxima permanece inalterada; é frequência cardíaca específica para a carga de esforço que aumenta, pois o coração está mais fraco e precisa bater mais rápido para bombear a mesma quantidade de sangue.

Nas primeiras semanas de destreino, essa diminuição de capacidade cardiovascular parece estar intimamente relacionada com a perda de volume de plasma (a parte líquida do sangue). O aumento da quantidade de sangue circulante é uma adaptação normal ao treinamento, e traz uma série de benefícios ao sistema cardiorrespiratório do atleta. Este volume extra parece ser rapidamente perdido com o fim dos estímulos de treino, e pesquisadores já conseguiram demonstrar que simplesmente reexpandindo o volume de plasma, usando soluções de polissacarídeos (açúcares), é possível reverter diversos dos efeitos do destreino sobre o sistema cardiovascular, como o aumento da FC e a queda do consumo máximo de oxigênio.

Com mais sangue circulando, o coração enche mais antes de se contrair, e bombeia mais sangue mesmo sem estar muscularmente "mais forte", resultando numa frequência cardíaca menor e maior transporte de oxigênio para os músculos em exercício, aumentando a capacidade de consumir oxigênio. Isso não pode ser conseguido simplesmente através da ingesta de água ou de qualquer outro fluido para "repor" o plasma perdido, é bom ressaltar. Para expandir o volume plasmático, é necessária a infusão intravenosa de uma solução de osmolaridade similar àquela do sangue (com a mesma concentração de moléculas), e mesmo assim os efeitos serão apenas passageiros, pois logo o sangue retornará ao seu volume normal.

Se as variáveis metabólicas e cardiorrespiratórias se alteram rapidamente em função do destreino, será que o mesmo vale para a performance atlética final? Infelizmente, sim. A partir de aproximadamente duas semanas de destreino (cessação completa de atividade, diferentemente do polimento), a performance já sofre de forma significativa. Isso porque o sistema cardiovascular já não está mais em seu pico, os estoques de glicogênio estão reduzidos, a densidade de capilares (vasos sanguíneos que irrigam a musculatura) está reduzida, enfim, todos os sistemas necessários para o armazenamento, transporte e obtenção de energia estão deficitários.

 

COMO COMBATER O DESTREINO.  Se o primeiro trabalho que mencionamos deixava algumas dúvidas sobre os efeitos de períodos de destreino de curta duração, os últimos estudos apresentados mostram claramente qual o caminho que o organismo segue ao não ter mais o estímulo do exercício físico. Além das desadaptações esperadas, há estudos mais recentes mostrando que não são apenas as estruturas "periféricas" que sofrem com o destreino. Um estudo em ratos demonstrou que diversas áreas neurais envolvidas no controle cardiorrespiratório e motor perdem parte de suas adaptações positivas obtidas com o treinamento físico após cerca de 50 dias de destreino. O exercício faz bem para o cérebro, mas até lá estes efeitos também são reversíveis.

Para combater o destreino, existem diversas estratégias, no entanto todas elas requerem que, de uma forma ou outra, se treine. As duas principais opções para manter as adaptações ao treinamento são a redução do volume e frequência de treino e a utilização do cross-training. Quando se fala em reduzir o treinamento, o principal componente a ser analisado é a intensidade, que deve ser mantida nos mesmos níveis. Ou seja, passa-se a correr menor quilometragem, mas no mesmo ritmo.

Diversos estudos já demonstraram que, mantida a intensidade, o volume de treino pode ser reduzido em até 50-90% por longos períodos de tempo sem perda de performance. Quanto mais tempo sem treino formal, de preferência menor deverá ser a redução do volume para que se mantenham as adaptações. Em termos práticos, o que diversas pesquisas combinadas apontam é que quando não é possível treinar por qualquer motivo que não o de uma lesão, uma ou duas corridas semanais podem ser a diferença entre perder meses de esforço ou não.

A outra estratégia, o cross training, consiste em utilizar-se de outra modalidade para reter as adaptações do treinamento. Como a nova modalidade geralmente é pouco específica para a atividade física principal, esta estratégia costuma ser menos eficaz do que a redução do volume de treino. Substituir a corrida por natação ou ciclismo, por exemplo, não são as maneiras mais eficientes de se manter o condicionamento físico, mas é melhor do que parar por completo. Em caso de lesões em um membro, exercícios de força e resistência na musculação possuem um efeito de transferência lateral, e é possível reverter parte das perdas ocasionadas pelo destreino realizando exercícios com o membro sadio.

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