Boston é um sonho de quem corre maratonas e gosta de se desafiar. Não é para todos, nem deve ser. Nos Estados Unidos, é uma febre. Ou melhor, ter o índice, é a meta de grande parte dos corredores. Não quer dizer que vá todo ano, mas é um feito de comemoração. Essa é a linha geral, mas com a Mari Savazoni foi diferente, a história é interessante porque ela decidir correr maratonas por acompanhar a prova como torcedora nas ruas, ou seja, fez o processo inverso. A maratona leva a Boston, mas para ela, Boston a levou à maratona. Mas vamos deixar ela contar todo esse processo.
“A primeira vez que estive em Boston foi em 2012 para acompanhar o André na primeira maratona dele lá. Logo, ao chegar, parecia que eu estava em um mundo paralelo, o mundo dos corredores, o mundo dos maratonistas. Pessoas magras por todos os lados, homens, mulheres, jovens e idosos. Todos passeando pela cidade com a sacola branca da Adidas. Dentro, um troféu: o Bib number e a camiseta da prova. Manga longa, como manda o figurino para uma corrida no finalzinho do Inverno americano, ainda frio. Mas não naquele ano.
Ao chegarmos, de manhã, no sábado, já sentíamos o calor, mas para nós tudo bem, né? Não esqueço um detalhe daqueles 4 dias em Boston. Só se falava na onda de calor, inesperada para aquela época do ano. André recebia e-mails o dia todo da organização, dizendo que só largassem quem estivesse muito bem preparado, pois o calor iria judiar. Hoje, realmente, tenho a certeza que praticamente todos os atletas da prova estão muito bem preparados. Mas, para os americanos, vindos de um inverno rigoroso, realmente, 26, 28°C compromete muito o desempenho. Por outro lado, a cidade estava linda, florida, céu azul, totalmente colorida.
No dia da maratona, fui para o mais próximo da linha de chegada possível. Cheguei a uns 200 m da Finish Line mais ou menos no mesmo momento em que o André estava largando em Hopkinton, a exatos 42 km daquele ponto. Como ele fez em 3h26, fiquei esse tempo esperando, vendo, curtindo aquela agitação toda. Em pé, claro. Mas foi incrível ver os atletas de handcycle chegando, fazendo uma força fenomenal com os braços. Emocionante.
Muita, mas muita gente aglomerada para ver amigos, parentes e desconhecidos chegando. Todos com os sininhos que a organização distribui na expo e nas ruas, na véspera. Depois, a elite masculina e feminina. Então, começam a vir os maratonistas mais rápidos e depois começa a aumentar, aumentar, com muita gente cruzando o pórtico. Dá vontade de chorar com cada um deles. Imagina quanta história há por trás daquela chegada em Boston? Ali, eu ainda não sentia que um dia teria forças e coragem para correr uma maratona, quanto mais estar ali, na Boylston Street, na Finish Line. E isso só faz pouco menos de quatro anos.
Então, veio 2013. E, ao fazer tudo quase igual ao ano anterior, a triste surpresa da bomba explodindo quase na frente de onde eu estava esperando o André passar. Isso mudou as minhas vontades. O que vinha sendo trabalhado internamente, eu decidi externar. Sim, eu iria correr uma maratona, não naquele ano, talvez no ano seguinte. A vontade de um dia estar ali, no meio daqueles corredores, com aquela força, nasceu de vez em mim. Conversei com duas das melhores brasileiras naquele ano em Boston e percebi que sim, mulher conseguia correr uma maratona e depois sair para jantar, andar pela cidade no dia seguinte, ou seja, vida normal. Por força desses acontecimentos, eu decidi ali, naquele abril de 2013, que eu iria ser forte, que eu correria mais, melhor, que colocaria minha força à prova.
Quando voltamos em 2014 com as crianças, foram dias incríveis. Sugiro que quem possa levar os filhos, leve. É demais mostrar para eles o quanto as pessoas estão focadas em fazer o melhor no esporte. Visitamos o aquário, corremos na pista de atletismo ao redor de um campo de futebol, passeamos muito pelos parques, jogo do Red Sox e toda a comilança tradicional nesses eventos… Tentamos ver o André chegando, mas como fomos mais tarde, simplesmente acabou sendo impossível chegar na Boylston Street. Em 2015, não fui para Boston com o André, mas já estava com o índice garantido para 2016, que eu consegui na minha estreia na maratona em Buenos Aires, em 2014. Só faltava fazer a ser inscrição e ser aceita. Mas como tinha uma boa sobra de tempo, sabia que dificilmente não estaria lá este ano. Foi estranho torcer a distância, sabendo da lesão do André, sem estar lá para saber como ele estava realmente. Torci pelo aplicativo, senti a frustração dele estar ali e não poder fazer o melhor que ele queria. E senti também a vontade de estar lá mais do que nunca, pois ano passado, muitos amigos correram em Boston.
Desde que fiz a inscrição e meu tempo foi aceito, cada vez que recebo uma correspondência, um e-mail – que começa sempre assim: ‘Dear marathon runners…’ – fico realmente emocionada. Correr uma maratona, foi decidido ali, na meca dos maratonistas, vendo, conversando, sentindo a força de vontade que os corredores que estão ali com diferentes histórias de vida, mas com uma paixão em comum: os 42 km… No dia 18 de abril de 2016 será a minha vez de fazer o meu melhor, não importa qual seja. Tenho certeza que minha força de vontade, coragem e determinação vão fazer parte da minha história da Maratona de Boston.”
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Que emoção. O legal de Boston é justamente o fator meritocracia. Parabéns e aproveite muito.
Adorei Mary! Saber essa sua história e que foi o caminho inverso. Desde que fiz a minha primeira maratona, vira e mexe penso em conseguir fazer índice para Boston. Seria incrível! Mas sei o quanto é difícil e o quanto exige de dedicação. Por isso admiro vc e o André. E desde já, estou na torcida! Tenho certeza que dará tudo certo!
Os haters que se mordam, mas eu estou adorando essa iniciativa de vocês contarem suas experiências sobre Boston, rs rs.
Mesmo você contando tão bem por essa ótica de quem foi como acompanhante, e também o André contando com a experiência de quem já correu quatro vezes, Boston tem que ser vivida pra se entender realmente.
É difícil explicar, tem que sentir. Os dias que antecedem a prova, a atmosfera que toma conta da cidade, o dia da prova, o pós prova, enfim, é um envolvimento muito grande, intenso.
Foi de longe, a minha maior experiência como corredor.
Um dia ainda faremos Boston, os quatro.
Adoro vocês.
Muito legal ler este ponto de vista diferente.