Performance e Saúde admin 23 de junho de 2015 (0) (110)

Ritmo de prova: o último desafio

O ritmo de prova – ou pace, sendo um pouco mais "moderno" – é o fator decisivo da performance em eventos de média e longa distância. No caso de um início de prova muito agressivo, há grande chance do organismo chegar ao seu limite antes da linha de chegada, levando a uma queda brusca de desempenho. Um começo conservador, por outro lado, pode jogar pela janela meses de treino, e custar segundos ou mesmo minutos que não poderão mais ser recuperados mais tarde.
Existem diversas tabelas e ferramentas online para auxiliar o corredor a guiar seu ritmo de prova. No entanto, a maioria delas simplesmente divide o tempo total planejado em parciais de quilômetro, por exemplo, sem levar em consideração as variações de ritmo que normalmente ocorrem ao longo de uma competição.
E neste ponto entra a primeira definição de conceitos importantes: uma coisa é a estratégia de ritmo, outra é o padrão ou perfil de ritmo durante a prova. Entende-se por estratégia de ritmo aquela que o corredor define a priori, ou seja, antes de iniciar a prova. Já o perfil ou padrão de ritmo é aquele efetivamente adotado. A diferença parece tênue, mas o fato é que muitos corredores utilizam a primeira sem pensar na segunda.

EXEMPLO PRÁTICO. Por simplicidade, vamos considerar uma maratona de altimetria plana. Um corredor que planeja fazer sua maratona em 3h50, por exemplo, obterá de uma calculadora simples (ou no campo "Ferramentas" do site da CR) parciais de 5:27 por quilômetro. Mas será que este ritmo constante é possível?
Antes de responder a esta questão, é preciso considerar quais são as principais formas de distribuir o ritmo ao longo de uma prova. A primeira é utilizar um padrão de ritmo constante: a primeira e a segunda metades da prova possuem a mesma duração, e tenta-se ao máximo fechar todos os quilômetros no mesmo ritmo.
A segunda opção é um padrão de ritmo positivo: a velocidade cai ao longo da prova, ou seja, a primeira metade é corrida em menos tempo que a segunda. Este resultado pode ser obtido através de uma queda constante na velocidade ao longo de toda a prova ou simplesmente uma redução abrupta de ritmo a partir de certa distância.
Por último, também é possível correr uma maratona em padrão de ritmo negativo: a velocidade aumenta ao longo da prova, e a primeira metade é corrida em menos tempo que segunda. Com as três opções na mesa, voltamos à pergunta original: qual a melhor?

VELOCIDADE CONSTANTE. A fisiologia clássica diz que a maneira mais eficiente (do ponto de vista energético) é a velocidade constante. Mudanças de ritmo geram desperdícios de energia e produção de calor, dois fatores que comprometem a performance final.
Existem evidências que este realmente é o caso: nos últimos 5 recordes mundias da maratona, por exemplo, os corredores completaram a primeira metade da prova utilizando entre 49.87 e 50.22% do tempo total da prova, um desvio de apenas alguns poucos segundos do ritmo constante ideal. Apesar de ter utilizado apenas as parciais de meia prova, cabe salientar que em nenhum dos 5 casos uma parcial de 10 km saiu de uma faixa de mais ou menos 1% do ritmo final.
No entanto, exemplos advindos de recordes mundiais nem sempre são representativos do que ocorre com os demais atletas. Analisando o padrão de ritmo de mais de 190 mil corredores da maratona de Nova York, um grupo de pesquisadores espanhóis e americanos demonstrou que efetivamente esta não é a realidade dos meros mortais.
Após dividir o total de corredores por sexo e também por faixa de velocidade, foi constatado que todos os grupos, independente de performance ou gênero, apresentaram um perfil "positivo", ou seja, queda de desempenho ao longo da prova. O mais interessante, contudo, é que conforme aumenta o grau de performance, diminui esta variação de ritmo ao longo da prova.
Os corredores mais lentos fazem os primeiros 10 km da prova em até 10% acima de sua velocidade final média, e os últimos 12 km cerca de 10% abaixo da velocidade média. Já os corredores mais velozes ficam em cerca de 5% acima de velocidade média durante os primeiros 20 km da prova, e só caem abaixo de 5% nos 7 quilômetros finais.

IDEAL DIFÍCIL. Estas duas análises nos levam à seguinte conclusão: o ritmo constante é o ideal a ser buscado, no entanto tal estratégia é possível apenas para uma minoria de atletas ao redor do mundo. Um corredor de calibre moderado que busque o ritmo constante possivelmente estará simplesmente correndo a primeira parcela da prova de forma muito lenta, o que lhe permitirá "não deixar cair" o ritmo na segunda parte. É a mesma ilusão dos corredores que almejam "negativar" a maratona. Se a segunda metade for mais rápida que a primeira, possivelmente é porque a primeira metade foi muito lenta, e não porque a distribuição de ritmo foi ideal.
Aceitando a ideia de que o perfil de ritmo durante a prova será positivo, cabe ao corredor ajustar sua estratégia de acordo. É aqui que os dois conceitos de que tratamos no início do texto colidem. Se tudo indica que a velocidade irá cair ao longo da prova, é preciso incluir este fator no planejamento. Aquele corredor que planeja a maratona em 3h50, por exemplo, pode considerar os primeiros 15 km em 5:16/km, dos 15 os 30 em 5:26, dos 30 aos 35 em 5:40 e os últimos 7.2 km em 5:43 e ainda assim conquistar o objetivo de 3h50.
Este perfil de ritmo chega ao mesmo resultado que um constante, porém já prevê que o corredor estará se sentindo melhor no início da prova e que naturalmente irá cansar ao longo do evento. Seguindo um planejamento desta forma, estratégia e perfil se tornam iguais, e o corredor sabe desde o início que as parciais podem aumentar sem que o objetivo inicial seja perdido.

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