Adotar o ritmo adequado é o principal determinante da performance em provas de qualquer duração. Um início muito veloz pode custar caro mais adiante, e da mesma forma um início lento representará minutos que não serão recuperados depois. Por isso, uma área que tem crescido bastante em ciências do esporte se dedica exclusivamente a entender quais são os fatores que determinam o ritmo de um corredor durante uma prova. Se de antemão já existe um plano, uma ideia de qual será o ritmo ideal para a corrida, a partir da primeira passada esse plano é avaliado e recalculado inúmeras vezes, de maneira com que se complete a prova no menor tempo possível dentro de uma zona segura para o organismo.
Antigamente se pensava que o ritmo constante era a melhor forma de percorrer qualquer distância no menor tempo possível, à exceção das provas muito curtas nas quais é preciso correr tão rápido quanto se consegue desde o início. Hoje se sabe que não é assim que nosso organismo funciona. Já foi demonstrado, por exemplo, que iniciar uma prova de 400 m em cerca de 93% da velocidade máxima de 200 m é mais vantajoso do que iniciar em 95 ou 98%. Isso porque correr muito rápido os primeiros 200 m gera uma série de desequilíbrios no organismo que forçam o corredor a diminuir o ritmo na segunda metade da prova a tal ponto que a vantagem do início mais veloz se perca completamente. Em distâncias mais longas, por outro lado, o ritmo de prova (normalmente) apresenta o formato de um "U" invertido, com ritmos mais rápidos no início e no final da prova, e mais lentos especialmente no terço intermediário do evento.
Esse formato em U invertido (ou U normal, se pensarmos em velocidade ao invés de ritmo) é um desafio para a fisiologia, na verdade. O problema é o seguinte: conforme o tempo de corrida aumenta, as reservas energéticas são utilizadas e o estado de equilíbrio do organismo como um todo é um pouco mais perturbado a cada nova passada. Como é possível, então, que ao final de uma prova, quando deveria estar mais cansado, um corredor seja capaz de acelerar? A resposta só pode ser uma: os atletas intencionalmente "seguram" o ritmo, para evitar que fiquem muito cansados antes do final da prova.
Só que isso gera um problema para a fisiologia, pois ainda não existe nenhuma molécula que possa ser apresentada como responsável por ativamente controlar o ritmo de corrida. Uma resposta tradicional seria dizer que o corredor permanece em seu limiar de lactato durante boa parte da prova, e somente acelera quando está perto o bastante do final para que o acúmulo de lactato seja alto o suficiente para influenciar sua velocidade de corrida somente após a linha de chegada, onde a velocidade não importa mais. Este argumento não se sustenta, pois corredores não permanecem o tempo todo em velocidade de limiar anaeróbico. Com a ausência de uma molécula/composto responsável por ditar diretamente o ritmo de corrida, fisiologistas foram obrigados a olhar um pouco mais para cima do coração, para o cérebro.
SENSAÇÃO DE ESFORÇO. Existem diversas linhas teóricas tentando explicar o fenômeno de pacing (pace, em inglês quer dizer ritmo, e pacing seria o ato de impor um ritmo durante a corrida). Uma das mais difundidas hoje em dia diz que os atletas são guiados pela sua sensação consciente de esforço, e que esta é regulada por uma série de fatores, alguns destes, por sua vez, inconscientes.
Para se ter uma ideia de como o sistema funciona, o gráfico no quadro ao lado representa três corredores com habilidades bem distintas, cada um representado por uma cor. A escala vertical representa a sensação de esforço dos corredores durante uma prova qualquer, numa escala que varia de 6 a 20. O corredor inexperiente (em verde), especialmente em provas mais longas, é muito inseguro quanto à duração do evento. Como seu organismo não está acostumado àquela atividade, ele preserva o máximo de energia possível para garantir que irá conseguir chegar até o final da tarefa. Para fazer isso, ele passa boa parte do evento em intensidades baixas, preservando boa parte de suas reservas energéticas e metabólicas.
Conforme ele ganha experiência (baseada principalmente em treinamento e na vivência adquirida em provas de semelhante duração e dificuldade), ele já tem uma ideia mais avançada do quanto pode se esforçar nos estágios inicias da prova (caso em azul), e assim distribui melhor sua energia. Atualmente, o modelo ideal consiste em um aumento praticamente linear da sensação de esforço (caso do corredor representado em vermelho), de forma a atingir o máximo nos últimos momentos da prova.
Um teste simples para verificar onde você está nesta em termos de distribuição de ritmo é perguntar-se a cada quilômetro de uma prova de 10 km como está sua sensação de esforço, na escala 6-20 ou mesmo de 1-10. Se ela se parecer com a da linha vermelha no gráfico, sinal de prova bem corrida.
AJUSTE FINO. Se a experiência em eventos passados possui um papel fundamental em determinar como um ritmo é interpretado em sensação de esforço, existem ainda diversos outros fatores que atuam no "ajuste fino" da sensação de esforço. Dois fatores muito estudados são as reservas de carboidratos e a regulação de temperatura.
Tanto para temperaturas quanto para níveis de glicose, existe um limite que o corpo está disposto a tolerar. A temperatura corporal, por exemplo, normalmente está na casa dos 36,5°C. Durante o exercício, ela pode subir para cerca de 39,5 e até casos acima dos 40 já foram relatados. Como a temperatura aumenta de forma gradual durante o exercício, dependendo principalmente do calor produzido pelo corpo e da perda para o meio externo, o organismo consegue perceber se irá atingir uma temperatura crítica antes ou depois da linha de chegada.
Caso ele interprete que a velocidade atual de corrida levará à zona "crítica" antes da linha de chegada, a resposta prática é que o corredor se sente mais cansado, aumentando a percepção de esforço. Como o corredor sabe qual o limite da sensação de esforço, ele diminui sua velocidade para permanecer em uma zona de esforço aceitável.
Um mecanismo semelhante parece existir para as reservas de glicogênio, que são vitais para o funcionamento do cérebro. A ingesta de glicose na forma de gel de carboidrato, por exemplo, altera nossa percepção de esforço (para baixo!) possivelmente por enviar mensagens de que as reservas de carboidratos são maiores do que antes, de forma que é possível se exercitar em intensidades mais altas sem risco de hipoglicemia.
PERCEPÇÃO. Sistemas semelhantes parecem existir para diversos outros mecanismos regulatórios do organismo, todos resultando em uma alteração da percepção de esforço para cima ou para baixo, de maneira que o exercício seja realizado sem que nenhuma perturbação da homeostase se dê, além do tolerado antes da linha de chegada. Porém, sendo uma escala interpretada de forma consciente, fatores psicológicos também afetam como um corredor calcula sua sensação de esforço durante uma prova.
Uma das formas mais populares de tentar manipular a interpretação consciente de um corredor sobre o seu ritmo de corrida é tentar "enganá-lo" sobre informações de tempo/velocidade/distância percorrida a fim de verificar como isso afeta seu desempenho. Por exemplo, se um corredor possui a marca de 40 minutos em 10 km, o que acontece se o colocarmos a correr digamos 2-3% mais rápido, no entanto dizendo que ele está correndo a 4 min/km?
O que a maioria deste tipo de estudo tem encontrado é o seguinte: é possível convencer um atleta de que ele está mal, mas é muito mais difícil convencê-lo de que ele está bem. Por exemplo, se o corredor fecha o quilômetro com parcial de 4 minutos, e ao invés do número correto dissermos que ele está correndo em 3:50, isso não vai servir de motivação para que ele acredite que está num dia bom e efetivamente corra mais rápido. Se, por outro aldo, dissermos que ele está correndo a 4:10, ele irá se sentir mais cansado, indisposto, e passará a acreditar que está tendo um péssimo dia. No último trabalho do qual participei utilizando esta metodologia, alguns atletas chegaram a desistir do estudo, acreditando que estavam com uma carga de treinos muito pesada e que precisavam descansar!
Estímulo. Outra possibilidade para tentar afetar a maneira como um atleta percebe seu ritmo é colocar outro corredor ao seu lado. Por exemplo, correr com alguém ao lado, ligeiramente atrás ou à frente, pode ser considerado como bom por alguns e ruim por outros. Em um estudo feito para testar esta possibilidade, apesar de 9 dos 11 corredores testados terem achado que correr com um segundo corredor (seja ao lado, na frente ou atrás) é mais confortável do que correr sozinho, não foram encontradas diferenças em tempo de prova, frequência cardíaca nem qualquer outra variável entre as diferentes situações. Apesar de diversos corredores possuírem a (irritante) mania de não querer se deixar ultrapassar por outros, a presença de um corredor na volta, de forma geral, parece não possuir um grande efeito sobre a forma como um corredor "programa" seu ritmo de prova.
A determinação do ritmo de prova é o resultado de uma complexa interação entre diversos sistemas regulatórios e a vontade consciente do corredor. Independente dos mecanismos específicos que regulam o ritmo, o corredor deve estar atento ao fato de que ao passo que a velocidade pode apresentar uma variação considerável dentro uma prova (início mais rápido, splits negativos etc), a sensação de esforço parece ser uma das variáveis mais importantes na hora de determinar um ritmo "instantâneo", e seu modelo ótimo de comportamento não varia (gráfico em vermelho).
O que vai sempre afetar, claro, é a distância que se irá correr, em que provas mais longas irão ser iniciadas com uma sensação de esforço muito mais confortável do que em uma competição curta, porém o comportamento de aumento linear da sensação durante a corrida deve ser buscado sempre que se visa ao melhor desempenho.