Releitura Redação 11 de maio de 2019 (0) (313)

Quer (mesmo) parar de fumar? Correr ajuda e muito!

Especial – Márcio Dederich – Setembro de 2007

Criar e manter bons hábitos costuma exigir dedicação durante grande parte da vida; dependendo do vício, não abandonar os ruins significa correr o sério risco de desperdiçá-la por inteiro. No caso de quem quer parar de fumar, por exemplo, tem sempre uma voz lá dentro dizendo o quão prazeroso é o cigarro e outra gritando que ele faz mal à saúde. Virar o jogo não é tarefa fácil. Mas está longe de ser impossível. Marcada por recaídas e fracassos, a verdadeira virada só acontece quando o cérebro percebe que terá lucro, que haverá uma boa recompensa. É exatamente nesse aspecto que as corridas ajudam.

O consumo de tabaco é um hábito fortemente arraigado ao cotidiano de mais de um terço dos habitantes do planeta. Originário das Américas e introduzido na Europa após os grandes descobrimentos luso-espanhóis, foi cultuado durante os séculos 18 e 19 e reprimido de forma mais intensa e sistemática a partir da segunda metade do século 20. A causa da perseguição? Fumar abrevia a vida. Fumar mata.

O tabagismo é reconhecido como a principal causa de morte evitável em todo o mundo. No Brasil, enquanto pesquisas recentes dão conta que 25% da população acima de 18 anos fuma (o número vem caindo ultimamente), as estatísticas mostram que metade desse contingente morrerá por doença relacionada ao hábito adquirido.

Exceto pela parcela da população que vive nos cafundós da civilização, todo fumante tem noção bastante precisa do risco que corre quando resolve dar suas baforadas. Abandonar o vício, ao contrário do que se costuma pensar, não é apenas questão de força de vontade. O hábito de fumar é mantido por fatores físicos, comportamentais, cognitivos, emocionais e até mesmo motivacionais. Romper as amarras é tarefa dura. Mas as corridas podem ajudar. E muito.

Mudança de hábito

O cigarro possui milhares de substâncias catalogadas como nocivas ao organismo humano. Responsável por criar o vício, a nicotina é apenas uma delas. Absorvida nos pulmões vai para o coração e, via sangue arterial, espalha-se velozmente pelo corpo. Entre seis e dez segundos alcança o cérebro, passando a atuar nos receptores ligados às sensações de prazer. Ao provocar dependência química, transforma-se no maior obstáculo para quem deseja interromper o vício.

Acostumado a funcionar sob estímulo da droga, quando o fornecimento de nicotina é interrompido o cérebro se vê obrigado a adaptar-se à nova realidade. Nesse processo de adaptação o indivíduo sofre os efeitos da chamada crise de abstinência. Dores de cabeça, alterações no sono, no apetite e no humor, náuseas, irritabilidade, tonteira, sudorese fria e depressão poderão fazê-lo desistir rapidamente da idéia. “A boa notícia é que esses sintomas costumam durar apenas algumas semanas e podem ser aliviados com intervenções medicamentosas ou, de forma alternativa, através da prática de exercícios físicos, especialmente os de intensidade moderada ou alta, como as corridas”, diz a psicóloga Aline Sardinha.

Formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), atuando na área da Terapia Cognitivo-Comportamental e Neuropsicologia e tendo diversos trabalhos apresentados em congressos nacionais e internacionais, Aline, que também é corredora, considera mais tranqüilo e com maiores chances de sucesso os processos de parada que incluam alguma atividade física. Segundo ela, além dos conhecidos efeitos sobre o sistema ósteo-muscular, respiratório e cardiovascular, os exercícios físicos também atuam no sistema nervoso, especialmente no cérebro, produzindo mudança nos níveis de neurotransmissores como a serotonina e a dopamina.

 “No caso, correr ajuda o cérebro a restabelecer o nível dos neurotransmissores que foram ‘desorganizados’ pela retirada da nicotina, aliviando tanto a intensidade como a duração dos sintomas sentidos durante a crise de abstinência, o que reduz as chances de recaídas nesse período, reconhecidamente a fase mais crítica de todo o processo. A corrida faz isso ao mesmo tempo em que atua nos centros cerebrais responsáveis pela regularização do apetite e do sono, o que acaba trazendo vantagens extras para quem deseja largar o cigarro”, esclarece Aline.

Aspectos comportamentais

Embora diversos estudos científicos comprovem os efeitos ansiolíticos da corrida – alguns trabalhos chegam a encontrar níveis mais baixos de ansiedade e maior sensação subjetiva de bem-estar em corredores que participam de grupos de corrida -, não é apenas no campo fisiológico que as corridas podem ajudar a parar de fumar. “Na medida em que a pessoa começa a se relacionar com indivíduos que têm hábitos mais saudáveis, passa automaticamente a freqüentar locais onde sente que o fumo ‘não combina’ e tem assim a oportunidade de quebrar com maior facilidade algumas associações comportamentais responsáveis pela manutenção do tabagismo”, diz Aline.

Perceber-se ativo e menos limitado também são fatores motivacionais importantes. Como os efeitos da retirada do fumo sobre a condição física aparecem rapidamente, ser capaz de correr irá representar um ganho significativo em relação ao que o indivíduo conseguia fazer anteriormente. Ver-se correndo mais e sentir-se melhor a cada dia representam uma motivação adicional para que a pessoa se mantenha afastada do cigarro. Sem contar que a corrida, ao aumentar o gasto calórico e favorecer o controle adequado de peso, ajuda a evitar uma das maiores causas de recaídas: voltar a fumar para emagrecer o tanto que se julga ter engordado ao parar.

Médico pneumologista e atual diretor do Núcleo de Estudos e Tratamento do Tabagismo do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, no Rio de Janeiro, Alberto José de Araújo levanta outro aspecto favorável às corridas: “Por mais dependente que seja, quando alguém corre não fuma. Isso ajuda a pessoa a permanecer durante o tempo da corrida em abstinência, eliminando mais depressa o monóxido de carbono e aumentando simultaneamente os níveis de oxigênio em circulação no organismo. O crescimento progressivo e natural da produção de endorfinas e dopaminas irá restaurar o equilíbrio orgânico, dando forças ao indivíduo para ultrapassar a crise de abstinência.”

Para aqueles que não correm e pretendem utilizar os benefícios da corrida como parte do tratamento contra o tabagismo, Dr. Alberto dá uma dica: começar a correr pelo menos duas semanas antes de entrar em abstinência garante maior chance de sucesso à empreitada. “Na véspera do dia marcado para a cessação – sim, é importante estabelecer uma data! -, uma boa corrida irá aumentar a confiança e a auto-estima de quem deseja se livrar do fardo e, então, paulatinamente, readquirir o domínio da própria vida. Tudo isso sem jamais esquecer que o tempo estará passando”, diz ele.

 

Quando pouco já é demais,

e tarde melhor que nunca

Tempo. Não há palavra que provoque mais um corredor que essa. Se ele faz tanta diferença, o que dizer a favor daqueles que começaram a fumar ontem ou fumam apenas alguns poucos cigarros quando comparados aos que fumam muito ou há bastante tempo? Em termos de monóxido de carbono, outro subproduto nocivo gerado pela queima do cigarro, quase nada, garante Dr. Alberto: “Algumas míseras tragadas de um único cigarro podem manter o nível de CO elevado por até três dias. A ligação do CO com a hemoglobina resulta na formação da carboxi-hemoglobina, composto irreversível que captura boa parte das hemácias e acaba impedindo que elas cumpram seu papel como transportadoras de oxigênio e eliminadoras de gás carbônico. Se o corredor deixar de fumar, os ganhos em seu desempenho serão fantásticos, podendo ao longo do tempo equipara-lo ao de não-fumantes”.

Tempo. Ele de novo. Sempre ele. Alguns especialistas admitem a prática esportiva como uma espécie de “fator compensatório”. De acordo com essa teoria, a prática esportiva teria o mágico poder de apagar os malefícios que certos vícios causam ao organismo. A verdade verdadeira não é bem essa. “Remover as marcas deixadas pelo fumo depende do quanto já foi lesado o aparelho respiratório e do tempo no qual o indivíduo consegue recuperar as funções de suas glândulas mucosas e do sistema de transporte muco-ciliar. Ao deixar de fumar a recuperação dá a largada, avançando lenta e progressivamente. Porém uma coisa é certa: o tanto que já foi destruído ficará para trás, não se recuperando nunca mais”, alerta Dr. Alberto.

Nas corridas e no tabagismo, largar na frente pode não ser decisivo. Mas nunca deixará de ser importante. Em ambas as situações, quando se trata de formar bons e abandonar maus hábitos, não podendo ser cedo, tarde será sempre melhor que ainda mais tarde. Boa largada! Nos dois sentidos.

 

Fumantes envelhecem mais depressa

     

Tênis de marca, uniforme de grife, bonezinho fashion, perfume esportivo, acessórios bonitos e vistosos… Tudo em nome das corridas!

 

Quem diz que corredores não são vaidosos nunca chegou a conhecer um ou uma de forma mais próxima. Pois bem, além de contribuir indiretamente que seja para melhorar o desempenho nas corridas, a vaidade é também o mais novo argumento dos médicos na prevenção ao tabagismo. Para certos corredores isso representa a oportunidade de conseguir uma dupla vitória.

 

Estudo recente da Santa Casa de São Paulo relacionou o envelhecimento da pele com a ação do cigarro, e calculou as chances de o fumante ter problemas estéticos com a idade. Uma das conclusões da pesquisa tem tudo para perturbar até os menos vaidosos: o envelhecimento facial é 3,5 vezes mais rápido no fumante que no não fumante.

 

Rugas profundas ao redor dos olhos, da boca e até nas bochechas são os primeiros sintomas da ação do cigarro. Na pele do fumante, a fase das ruguinhas miúdas quase nunca existe. Os primeiros sinais são vincos grossos e profundos. Provocando vasoconstrição — um só cigarro é capaz de manter o vaso sangüíneo contraído por cerca de 90 minutos –, a pele acaba recebendo menos oxigênio e as rugas se formam.

 

Uma das explicações para a vasoconstrição é que a nicotina age no sistema nervoso simpático, região responsável pela estimulação de ações que permitem ao organismo responder às situações de estresse. A nicotina também provoca a agregação das plaquetas, parte do sangue responsável pela coagulação. Na prática, o sangue fica mais viscoso e circula com maior dificuldade.

 

A falta de sangue também age na camada de gordura da pele, que fica embaixo da derme. Com menos oxigênio, o número de células gordurosas diminui. No rosto, isso não é bom, já que a gordura ajuda na sustentação da pele. O resultado são ossos saltados e bochechas aprofundadas. A diminuição na quantidade de sangue faz também com que a pele fique desbotada, sem brilho.

O estudo da Santa Casa analisou 77 voluntários com idade de 40 a 60 anos. A maioria fumava há mais de 10 anos. Os grupos foram divididos por duas cores de pele, branca e negra. Os negros são mais resistentes às rugas. Não há dados exatos sobre a reversibilidade das rugas. Embora a vasoconstrição possa melhorar depois de alguns meses sem nicotina no corpo, o colágeno não é mais reconstituído, garantem os estudiosos.

FUMAÇA DE SEGUNDA MÃO

 

Faz tempo que você, corredor, tomou a decisão acertada: nada de cigarros. Parabéns. Mas que dizer em relação a fumaça produzida por terceiros que você respira? É um caso a pensar. Se não conseguiu evitá-la tornou-se um fumante involuntário – ou passivo, como preferem chamar alguns. Nessa condição faz jus a todos os prejuízos do fumante ativo. Uma pena.

 

Quando aceso, o cigarro produz duas correntes de fumaça distintas: enquanto a principal é aspirada diretamente por quem está fumando, a secundária, liberada ao redor do cilindro e dispersa no ar, vai sendo absorvida pelas demais pessoas e segue contaminando o ambiente, principalmente aqueles fechados ou sem ventilação adequada.

 

De acordo com estudos desenvolvidos pela Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional do Câncer (INCA), como não passa através do filtro do cigarro, a fumaça secundária contém três vezes mais nicotina, três vezes mais monóxido de carbono e 50 vezes mais substâncias cancerígenas que a principal. Além desse aspecto, por resultar de combustão feita a baixas temperaturas, incapazes de eliminar as substâncias tóxicas, os cientistas consideram a fumaça secundária particularmente ainda mais nociva.

 

É tão grave a relação do fumo passivo com o câncer que o governo americano, em 2000, incluiu a fumaça inalada pelo fumante passivo na relação das substâncias que podem causar a doença. Trata-se de uma lista elaborada pelo Instituto Nacional de Ciências da Saúde e Ambientes que apenas oficializa o que é consenso entre médicos e cientistas.

 

Em um mesmo ambiente fechado, para cada 10 cigarros que o fumante consome, o não-fumante consome um. A comprovação dos efeitos da nicotina sobre indivíduos não-fumantes é feita pela medição no nível de cotinina na urina. Subproduto da nicotina, ela permanece de 36 a 48 horas no organismo após a pessoa ter sido exposta à fumaça do cigarro.

 

A convivência diária, constante e por vezes ininterrupta com fumantes, nos mais diversos ambientes, leva o não-fumante a manter a ação devastadora da cotinina no seu organismo por longos períodos. Não é difícil imaginar situações nas quais fumantes involuntários acabam fumando mais que fumantes ativos.

 

Para se proteger dos efeitos nocivos do cigarro não basta apenas não fumar. É preciso viver em ambientes 100% livres de fumaça. Esse foi o principal recado da Organização Mundial da Saúde (OMS) em comemoração ao Dia Mundial sem Tabaco deste ano, festejado em 31/5. De acordo com a entidade, embora possa parecer, o fumo passivo não é apenas um simples incômodo para não-fumantes. Ao contrário, é um importante fator de risco para a saúde cardiovascular, favorecendo o desenvolvimento de doenças cardíacas e outros males.

 

Como até mesmo os mais sofisticados sistemas de ventilação e filtragem de ar não são capazes de resolver o problema, e políticas baseadas na participação voluntária da sociedade não chegam a ser uma resposta compatível, o clamor da OMS é pela tomada de consciência. Tem funcionado.

 

Se no passado recente os incomodados eram grosseiramente convidados a se retirar, hoje, quando cada vez mais é proibido fumar em determinados ambientes, inclusive nos locais abertos, percebe-se o quanto eles, os não-fumantes, ao invés de se mudarem estão fazendo mudar. Mais que nunca, onde há fumaça há mesmo fogo.

 

 

Ambiente Livre do Tabaco

 

O governo de São Paulo lançou em setembro o selo “Ambiente Livre do Tabaco”, para restaurantes, bares e lojas que quiserem vetar o uso de cigarro em seus ambientes. Para ganhar o selo, o local será vistoriado pela Secretaria Estadual de Saúde e pela Vigilância Sanitária.

 

 

Indenização bilionária

 

A Promotoria do Consumidor de São Paulo entrou, também no mês passado, com um pedido de indenização contra a Souza Cruz e a Philip Morris, requerendo compensação pelos gastos (feitos pelos governos municipais, estaduais e federais) no tratamento de doenças causadas ou agravadas pelo cigarro.

A indenização que as duas maiores fabricantes de cigarros poderão eventualmente serem obrigadas a desembolsar  chegaria a bilhões de reais. Em 1998, as quatro grandes dos EUA se comprometeram a compensar os cofres públicos em 200 bilhões de dólares, ao longo de 25 anos.

 

Mulher, a vítima moderna

A evolução sócio-econômica e cultural das mulheres ocidentais tem sido surpreendente, assim como também a incorporação por elas de hábitos anteriormente exclusivos dos homens. Dentre esses hábitos, ao mesmo tempo em que no lado esportivo são parabenizadas pela maior participação nas corridas de rua, no aspecto geral lamenta-se que tenham se deixado seduzir pelo tabagismo.

Os relatos de efeitos específicos do fumo sobre a saúde feminina são recentes e evidenciam sua ação potencialmente lesiva, conferindo maior risco de exposição para as mulheres que para os homens. As substâncias presentes no cigarro desregulam a produção hormonal feminina, fazendo com que o organismo secrete menos estrogênio, fato que muda muita coisa.

Além de sujeitas a menopausa precoce, as mulheres fumantes estão mais propensas a desenvolver osteoporose, doenças cardiovasculares e câncer de pulmão. De acordo com o Inca, no período 1984 – 2004 a taxa de mortalidade por câncer de pulmão no Brasil cresceu 134% entre as mulheres e apenas 57% entre os homens. A explicação estaria no fato de as mulheres terem uma grande quantidade de enzima capaz de transformar a fumaça do cigarro em agentes cancerígenos.

Não bastasse isso, especialistas do Incor e do Inca, afirmam que ao ver alguém fumando, ou ao sentir o cheiro da fumaça de cigarro no ar, a mulher fumante tende a ter mais vontade de fumar que o homem fumante. Nelas os estímulos ambientais e as influências externas incidem mais fortemente. Por terem maior tendência à depressão, costumam usar a nicotina como estimulante, uma espécie de auto-medicação. Por essas e outras razões, o esforço para deixar o cigarro costuma ter menos sucesso na ala feminina.

Se em termos de consumo o ideal olímpico é zero cigarros, o que dizer então aos que, a essa altura da corrida, já deram sua largada? Doutora em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), autora do livro “Deixar de fumar ficou mais fácil”, e atual diretora do ambulatório de tabagismo do Instituto do Coração – Incor, de São Paulo, com a palavra Dra.Jaqueline Jaqueline Scholz Issa: “Citaria dois aspectos interessantes: 1º) O estudo inglês que demonstrou que quem pára de fumar até os 35 anos de idade tem sobrevida igual a quem nunca fumou; 2º) Em prevenção primária, todo indivíduo que interrompe o tabagismo reduz em 50% o risco de eventos coronários até o segundo ano após parar, sendo que depois desse período o declínio é gradual, igualando-se em 15 anos ao de não fumantes. Trocando em miúdos: homem ou mulher, jovem ou idoso, velocista ou fundista, nunca é tarde para uma nova largada. Ao deixar o cigarro para trás, qualquer corredor terá mais vida pela frente para continuar correndo”.

Ou seja, traduzindo para “corredês”: quando o adversário é o cigarro, poeira nele!

 

O NEURÔNIO DO TABAGISMO

O vício do cigarro é muito difícil de ser revertido. Estima-se hoje que somente 4% a 5% dos fumantes que tentam largar o fumo conseguem se livrar dele por mais de seis meses. A maioria, infelizmente, não chega a largar o cigarro além de alguns poucos dias.

Tratamentos e abordagens recentes, incluindo medicamentos e terapias comportamentais, aumentaram as taxas de sucesso em até 40%, conforme dados de vários centros no Brasil e no exterior. Mesmo assim, mais de 60% dos fumantes continuam a fumar.

Neurocientistas têm procurado explicações fisiológicas para a intensidade do vício. Recentemente, um estudo conseguiu identificar áreas do cérebro relacionadas com a manutenção da capacidade aditiva do tabaco.

O médico A. Bechara, da Universidade da Califórnia, identificou 19 pessoas que tiveram, por várias razões (por exemplo, derrame) lesões em uma região bem interna do cérebro, conhecida como insula. Curiosamente, 16 desses pacientes perderam a vontade de fumar até 24 horas depois da lesão.

O cientista mapeou a área em questão e acredita ter encontrado o centro da dependência do tabagismo, confirmando a importância da insula na manutenção de vários hábitos aditivos, inclusive o do cigarro. No futuro, será possível modificar a estratégia de combate ao tabagismo – e também a outras drogas – baseando-se nos novos conhecimentos dos fundamentos fisiológicos.

 

BITUCAS EM QUEDA

O Brasil é um dos países mais bem-sucedidos do mundo na guerra contra o cigarro. Um estudo feito pela Universidade de São Paulo (USP), que será publicado este mês no Boletim da Organização Mundial de Saúde (OMS), mostra que o número de fumantes no país caiu 35% num intervalo de 14 anos: em 1989, 34,8% dos brasileiros fumavam, contra 22,4% em 2003. A queda, de 2,5% ao ano, é considerada excepcional quando comparada às de outros países: 0,7% nos Estados Unidos, 0,6% no Japão e 0,8% no Reino Unido.

Além da proibição de fumar em locais públicos, outro motivo apontado pelos estudiosos para tal redução é o programa de restrição à propaganda de cigarro na TV. Nas conclusões, o trabalho propõe medida ainda mais radical: o aumento do preço do produto, para inibir o consumo entre os que têm menor poder aquisitivo. De acordo com os números, a taxa de fumantes entre os que têm menor renda e escolaridade, de 27%, é bem mais alta que entre os mais ricos e escolarizados: 15%.

 

ARMADILHA

Acredite se quiser: como cerca de 90% dos fumantes adquirem o hábito antes mesmo dos vinte anos, o tabagismo é considerado uma doença infantil. Em relação a quando começam a fumar os brasileiros, pesquisa recente feita por um grande laboratório farmacêutico constatou que 53% deram sua primeira tragada entre os 16 e 20 anos, enquanto 32,5% começaram ainda mais jovens, entre 10 e 15 anos. Aliás, nessa faixa etária, comparando homens e mulheres, o destaque absoluto em cair na armadilha de acender o primeiro cigarro fica por conta delas: 36 contra 29%. É vitória sem vencedor.

 

TEORES BAIXOS, PREJUÍZOS ALTOS

Cheiro mais gostoso… Sabor mais agradável… Fumaça menos incômoda… Preço igual… Ao contrário do que imaginam os fumantes, os cigarros de baixos teores podem ser ainda mais prejudiciais.

Nos anos 60, depois da publicação da monografia “Fumo e saúde”, na Inglaterra, e do relatório “Luther Thierry, General Surgeon”, nos Estados Unidos, a indústria cigarreira contra-atacou lançando os cigarros de baixos teores – também chamados “Lights” -, produtos que analisados por uma máquina de fumar apresentam níveis menores de nicotina, monóxido de carbono, alcatrão e outras substâncias.

Acontece que, na prática, sendo ou não o cigarro classificado como de baixo teor, os fumantes acabam inalando quantidade semelhante de todos os seus compostos químicos. Além da concepção do projeto, as razões para que isso aconteça vão desde o modo como o fumante segura e prende nos lábios o cigarro (o filtro tem furos para permitir a diluição extra da fumaça fora da boca) até o fato dele, acreditando na sua menor agressividade, ser levado a tragar mais profundamente ou a aumentar a quantidade de cigarros fumados.

De acordo com estudo recentemente divulgado na versão digital do Americam Journal of Public Health, a realidade é que os cigarros ditos “Lights” estão impedindo que muitos fumantes larguem o hábito. Mal maior não poderia haver.

 

NOVIDADES CONTRA A NICOTINA

Sabe aquele seu amigo corredor que embora já tenha tentado diversas vezes ainda não conseguiu dar a devida poeira no cigarro? Pois é. Agora as chances de vitória dele aumentaram. Avise que a vareniclina acaba de chegar ao Brasil e peça que volte ao médico.

Vendido sob o nome comercial de Champix, o remédio atua nos mecanismos cerebrais da dependência, bloqueando a sensação de prazer proporcionada pela nicotina. Além de diminuir a vontade de fumar, não deixa o fumante sentir prazer nas possíveis recaídas durante o tratamento. Em um ano o índice de sucesso alcançado com a novidade foi de 23%, bem superior aos demais métodos conhecidos.

Um golpe ainda maior contra a nicotina está previsto para acontecer em 2009, quando as vacinas chegarão ao mercado. NicVax e Ta-Nic prometem inibir a ação das moléculas de nicotina no cérebro, impedindo dessa forma que o usuário sinta qualquer prazer com a substância.

 

GENÉTICA CONTA

Magro, seco, pernas finas, barriga chapada… Você olha pra ele e aposta: com essa genética toda só pode ser corredor. E fundista. Acertou. Mas lembre-se: a mão que afaga é a mesma que apedreja. O vício de fumar também é, em grande parte, fruto de propensão genética.

Assim como há pessoas mais predispostas a desenvolver depressão, hipertensão e câncer, existem aquelas mais suscetíveis à dependência química. Não fosse assim e todos que um dia na vida experimentaram algum tipo de droga – do álcool à nicotina – se tornariam dependentes.

É a genética, ainda, que estabelece o tipo de dependência e seu grau de intensidade. Estima-se que os fatores genéticos respondam por algo entre 40 e 60% da vulnerabilidade ao vício. Corredores ou não, esses sofrem bem mais para largar o cigarro.

 

De remédio a veneno, marcas do cigarro na história

Os europeus foram apresentados ao tabaco por ocasião da primeira viagem de Cristóvão Colombo (1492) ao Continente Americano. As publicações científicas sobre a planta começaram a surgir no século 16, mais precisamente em 1535. Bastaram 35 anos para que ela fosse considerada sagrada e tida como remédio para todos os males.

Foi Jean Nicot quem primeiro atribuiu propriedades medicinais ao tabaco, que em sua homenagem recebeu o nome científico de Nicotiana tabacum, daí derivando também a palavra nicotina, princípio ativo presente no vegetal. A partir de então o hábito de fumar espalhou-se rapidamente por toda a Europa, chegando a ser catalogadas 59 doenças curáveis com o fumo.

Embora o consumo de tabaco durante o século XVII tenha sido médico em grande parte, datam desse mesmo período as primeiras medidas restritivas ao fumo de que se tem notícia. Considerado o primeiro imperador antitabagista da história mundial, em 1604 James I escreveu “O outro lado do tabaco”. Mas foram os turcos que baixaram, em 1633, a norma restritiva mais severa contra o fumo: pena de morte para quem fosse pego fumando. Logo foram copiados pelos chineses, cujo imperador, em 1638, decretou a decaptação para os tabagistas.

Apesar das restrições crescentes, o tabaco tornou-se paulatinamente ao longo do século XVIII uma planta de consumo profano, ligado ao prazer e à diversão. Daí a converter-se em vultoso investimento foi um pulo. As plantações da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, viraram referência mundial para os interessados, e a vocação comercial da planta foi associada ao glamour.

Industrializada a produção de cigarros, no século dezenove o tabaco tornou-se um hábito definitivo na cultura ocidental. Com a fabricação atingindo larga escala e barateando o produto, novos itens – caixa de fósforos (1833) e máquina de enrolar (1881) – popularizaram e atribuíram conveniência ao consumo. Apesar de cada vez mais associado a problemas crônicos de saúde, o cigarro continuou conquistando novos adeptos.

Por mais que se soubesse dos malefícios causados pelo fumo, os primeiros estudos epidemiológicos sobre tabagismo só foram aparecer a partir de 1950, sendo que a relação entre câncer de pulmão e tabagismo foi definitivamente estabelecida nos anos 60.

A partir de 1962, o Governo Britânico decretou que os produtos derivados do tabaco deveriam ter avisos informando seus riscos potenciais. Os EUA tomaram atitude semelhante em 1964. Diversos outros países seguiram a mesma cartilha. Foram duas décadas de constatações científicas, mas o combate frontal ao hábito esperaria até meados de 80, quando então o fumo começou a ser legal e gradativamente banido de diversos recintos públicos. De forma dispersa e consistente, o cerco ainda hoje continua se estreitando.

 

Menos 15 cigarros; menos 15 quilos

 

Durante muitos anos fumei entre meio e um maço por dia. E pesava em torno de 75 kg, algo razoável para os meus 1,72 m de altura. Como atividade física, praticava ciclismo, treinando duas vezes por semana, geralmente por duas horas, e aos domingos saía com um grupo para estrada ou pelas marginais da cidade de São Paulo, para uma rodagem de 60 a 80 km.

Foi assim durante uns bons 15 anos (1976 a 1991), sem o cigarro atrapalhar o ciclismo, mesmo porque depois que se aprende a pedalar em bicicletas de competição praticamente só se exige do pulmão (e das pernas) nas subidas e nas arrancadas. O resto é girar, girar.

No inicio de cada ano, como fazem os ciclistas geralmente, parava com a bicicleta por um mês e fazia outros esportes, notadamente natação e outros típicos da praia. Mas em 1991 não saí de férias e para não ficar sem fazer nada decidi começar a correr perto de casa, apenas algumas voltinhas.

Fiquei impressionado com a minha transpiração (era verão), porque no ciclismo isso quase não acontece, em função do vento. Também diferente era a questão da respiração, exigida o tempo todo na corrida, mesmo devagar, enquanto no ciclismo era um fato raro.

Talvez por esses dois aspectos, comecei a notar que “esquecia” de acender o meu primeiro cigarro do dia, hábito que tinha ao chegar na redação da revista que trabalhava na época. E durante o dia o consumo igualmente se reduzia. Por outro lado, constatei que estava perdendo peso, devido à transpiração, e me animei. Passei a correr por mais tempo e mais rápido, com queda nos cigarros diários e no peso.

Tomei gosto pela corrida e passei a correr regularmente, deixando o ciclismo apenas para os domingos. Nesses 4 meses de transição cheguei a perder em torno de 10 kg, enquanto o cigarro se reduzia a não mais que uns 5 por dia. Animado por estar fazendo dois esportes, decidi participar de um triatlo, só que um olímpico (1.500 m de natação, 40 km de ciclismo e 10 km de corrida). Comecei a treinar natação, na distância da prova, mas meu ritmo sempre foi lento. Para ajudar na preparação e não fazer feio na prova, decidi parar completamente com o cigarro.

Na véspera da competição, na entrega do kit, soube que haveria tempo-limite para conclusão da etapa da natação e vi que seria difícil conseguir, ainda mais que aconteceria na raia de remo da USP, ou seja, não nadaria em linha reta como na piscina. E assim foi, ficando entre os desclassificados. Mas saí tão cansado da água que até agradeci não ter que continuar.

Esse triatlo marcou o fim definitivo do cigarro para mim e o começo de minha dedicação exclusiva às corridas. Logo estava fazendo as poucas provas que aconteciam naquela época e no ano seguinte (1992) já fui para a minha primeira maratona, em Blumenau, onde, com apenas dois meses de treinamento específico consegui meu até hoje recorde pessoal – 3:04:30, aos 45 anos. Ajudou muito para essa performance meu peso, que tinha caído então para apenas 60 kg!

Assim, acabei por contrariar a regra que diz que quando se pára de fumar há uma tendência para engordar. Se a pessoa parar com a ajuda da corrida, muito provavelmente ela irá também perder peso e será com certeza mais saudável e feliz.

Veja também

Leave a comment