Falhe ao planejar e estarás planejando falhar. Este é um pensamento que cai como uma luva para treinadores e corredores. Não importa o nível atlético da pessoa, se corre apenas por prazer ou se o seu salário depende de ganhar corridas; planejar ciclos de treinamento (e cumpri-los!) traz benefícios para todos.
Para o iniciante, uma periodização quebra a monotonia da corrida, o que é sempre muito bem-vindo. Projetos de ano-novo do tipo "1 hora de corrida 4 vezes por semana" costumam durar por muito pouco tempo, entre outros motivos, pela desmotivação de fazer sempre a mesma coisa. Um planejamento bem feito inclui fases de descanso planejado, de forma que o período de festas, por exemplo, não seja um problema para os treinos. Pelo contrário: é o período de férias e o seu treino é descansar.
Além disso, existe a grande vantagem de uma melhora de condicionamento mais rápida, possibilitada pelo acúmulo programado de cargas, aliada ao menor risco de lesões, em função da oscilação de ciclos de estresse e compensação. Ao corredor sério, estes benefícios se somam ao momento de desempenho. Não é possível estar em plena forma ao longo de um ano inteiro. O corpo humano simplesmente não aguenta tanto. Planejar o ano antecipadamente permite criar ciclos com objetivos específicos, onde picos de performance são montados para as principais competições do ano.
Mas, se planejar é preciso, como se faz isso? Existem diversas opções de ciclos de treino, e pessoas diferentes respondem de formas diferentes a cada uma delas. Saber o que funciona para cada um é um processo que leva algum tempo, mas antes de mais nada é preciso conhecer algumas das possibilidades existentes para testá-las:
PERIODIZAÇÃO CLÁSSICA.
Como funciona: É o modelo mais conservador de planejamento de treinamento. Nele, o ano começa com o famoso período de base (gráfico), com volumes altos e baixa intensidade. Este período de base possui entre 8 e 12 semanas, e o volume (quilometragem) aumenta constantemente ao longo delas. Ao final do período de base, o volume é gradualmente reduzido ao passo que a intensidade de treino aumenta. Com este sistema, normalmente se montam 2 ou 3 períodos chamados específicos, ciclos de 10-12 semanas de aumento de intensidade, que são intercalados por algumas semanas de treino leve ou descanso.
Por que fazer: A periodização clássica se baseia na ideia de que o sistema musculoesquelético responde melhor a cargas de alto volume, enquanto o sistema cardiovascular responde melhor ao treino de intensidade. Assim, inicialmente se cria o alicerce para que o corpo aguente as cargas futuras, que serão mais intensas, e por consequência mais agressivas. É um modelo ideal para iniciantes, pois tenta lidar com a progressão de cargas da maneira menos agressiva possível.
PERIODIZAÇÃO INVERTIDA.
Como funciona: Como o nome sugere, a periodização invertida faz o inverso da clássica. Neste sistema, o corredor inicia o ano com foco em sua velocidade, trabalhando séries curtas e descobrindo novas intensidades de corrida. No decorrer do ciclo, a velocidade permanece, porém conforme o corredor se adapta, a distância das séries e intervalos aumentam. Este modelo pode ser repetido também 2-3 vezes por ano, quando após cada ciclo o treinamento é retomado com séries curtas e velozes, que aumentam de distância gradualmente.
Por que fazer: Muitos corredores utilizam este sistema sem perceber. É o caso de maratonistas iniciantes, por exemplo, que fazem um aumento constante de volume ao longo do ciclo até a sua prova, com menos ênfase na velocidade do que no volume das sessões. Para a grande massa dos corredores é inviável manter um volume alto de treino durante longos períodos, como no modelo anterior, então o sistema invertido se torna mais atrativo. No entanto, os altos volumes são registrados quando a intensidade já está em seu pico, aumentando o risco de lesões.
JOGANDO COM A INTENSIDADE. Seja qual for o sistema utilizado, existe uma segunda questão que diz respeito a como utilizar as diferentes velocidades de corrida dentro da periodização, respeitando a "intensidade média" do período. A ideia tradicional prega que as velocidades devem ser utilizadas numa hierarquia de pirâmide (veja a figura), na qual a maior parte do volume é feita em intensidades baixas e a cada "degrau" mais alto de intensidade é utilizado com um volume menor.
Esta noção vem de estudos mostrando os benefícios fisiológicos de cada ritmo de treino, muitos baseados nos limiares aeróbico e anaeróbico. O efeito deste jogo de intensidade no caso da periodização clássica, por exemplo, é que na base esta pirâmide é mais larga e mais baixa, enquanto no período específico ela tem uma base mais estreita e se torna mais alta.
Mais recentemente surgiu uma variação desta técnica, a chamada periodização polarizada. Segundo essa escola, não existe um real benefício em utilizar as velocidades intermediárias, e o treino deve focar nas velocidades recuperativas (a base da pirâmide do sistema tradicional), e nas velocidades mais extremas (o topo da pirâmide), o que resulta num formato de ampulheta um pouco distorcido.
ENTÃO, 4 OPÇÕES. Utilizando apenas estes sistemas, já temos a possibilidade de criação de 4 opções bem distintas de treinamento, e nenhum deles está necessariamente mais correto do que o outro. O importante é planejar, seguir o plano e avaliar seus resultados. Cabe a cada um descobrir o que funciona melhor para si, experimentar, errar e corrigir. Temos um ano inteiro pela frente.