Performance e Saúde admin 28 de fevereiro de 2018 (0) (1958)

Quanto treino é preciso para uma maratona?

Se é simples concordar que treinar para uma maratona não é fácil, o mesmo não acontece quando se discute o quanto difícil ele deve ser. Sabemos que os melhores corredores do mundo fazem cerca de 120-250 km por semana nos meses que antecedem sua prova alvo, e algo entre 5-20% deste volume é realizado em alta intensidade (ritmos acima do de 10 km). Utilizando esta faixa como um limite superior, poderíamos estabelecer então uma média de 180 km semanais, com 10% do total corrido em alta intensidade. A partir daí bastaria – em tese – relativizar estes números para o atleta amador. O problema é que enquanto é fácil relativizar a intensidade de corrida, como fazer o mesmo com o volume?
Pensando sobre o quanto é possível para um corredor amador "descer" com o volume para adaptar o treinamento de elite para a sua realidade, um estudo comparou três grupos de corredores: elite (maratona sub 2h30), bem treinados (2h31 – 3h) e "lentos" (média de 3h24).
No tocante ao volume semanal médio, nas 10 semanas antes da maratona, o grupo de elite alcançou 145 km, o rápido 115 km e o lento despencou para 57 km semanais. O mais interessante, contudo, foi que entre os corredores rápidos e os de elite não havia diferença no percentual do VO2max utilizado durante a maratona, justamente o fator em que o volume de treino é considerado uma das principais causas de adaptação.
Do ponto de vista da fisiologia, a velocidade de prova é o resultado do consumo máximo de oxigênio (VO2max) de um corredor (sua capacidade máxima de gastar energia), da sua capacidade de utilizar um percentual deste máximo durante a prova e, por último, sua economia de movimento (ou como a energia metabólica se transforma em velocidade de movimento).
Como o aumento de volume semanal se dá largamente em função de treinos de baixa intensidade, que em corredores experientes não são relacionados com aumentos de VO2max ou melhoras em economia de movimento, ele normalmente é relacionado com a capacidade de manter-se correndo em um percentual mais alto do máximo, seja por maior resistência física ou mental. Com isso, os autores passaram a questionar a utilidade de um volume de treino superior a 120 km semanais para corredores, estabelecendo um possível "teto" para o volume semanal em atletas de alto nível.

A IMPORTÂNCIA DO LONGÃO. Se o estudo possibilitou estabelecer um limite de volume semanal para maratonistas, é preciso dividir esta quantidade entre os dias de treino. Como a maratona em si possui a mesma distância para qualquer corredor – mesmo que o tempo de prova varie em mais de 3 vezes entre os extremos – a norma é que se recomende treinos longos para todos, de iniciantes a experientes. Em corredores de altíssimo nível, contudo, a quilometragem costuma ser mais alta do que para amadores, até em função do pouco tempo que um corredor de elite precisa para fazer 35-40 km, por exemplo.
Os longos possuem três funções básicas: trabalhar todos os aspectos mentais da prova, aumentar a capacidade de utilização das rotas metabólicas e dos estoques de glicogênio muscular, e finalmente aumentar a capacidade de resistir ao estresse físico dos 42,2 km sobre o sistema músculo-tendíneo. Destes, a capacidade de estoque de glicogênio muscular pode ser facilmente contornada por treinos mais curtos (veja o box), de certa forma dispensando a necessidade dos longões.
A resistência à fadiga e o aspecto mental da prova, por outro lado, são mais difíceis de contornar. É possível realizar protocolos de treinamento excêntrico (sequência de saltos focando o trabalho de "frenagem" dos músculos, como saltar de um banco para o chão) para preparar a musculatura, mas não há estudos comparando este tipo de trabalho como um substituto aos treinos longos.
O que se sabe é que a maratona afeta a capacidade elástica dos músculos, prejudicando a economia de movimento, e que corredores que não realizam um treino de pelo menos 32 km em sua preparação possuem uma maior propensão a "quebrar" durante a prova. Por último, a questão mental – qualquer que seja sua influência na performance – não tem como ser trabalhada de outra forma, dada a especificidade de cada situação de treino.

QUANTOS, QUANDO E COMO. Na prática, a recomendação "padrão" é que corredores façam os treinos longos a cada 7-14 dias, em pequenos incrementos a cada nova tentativa, até atingir uma distância de pelo menos 30 km, sendo 32-35 km sugeridos com frequência como pico de volume. Estas recomendações dizem ainda que estes treinos devem ser feitos em velocidade mais lenta do que a de prova, para evitar o desgaste excessivo.
Infelizmente, não há estudos consistentes testando se uma ou outra sequência de longos é melhor como preparação para a maratona, e as propostas acima são mais baseadas em bom senso do que em evidência. O problema com a constatação empírica é que o fato de uma determinada maneira funcionar não quer dizer que inexista uma forma melhor de fazer as coisas.
Com isso, a melhor recomendação talvez seja para que o corredor tente sempre aprender com cada planejamento que realiza, fazendo mudanças claras entre um e outro, para testar qual eventualmente funciona melhor para si. Por exemplo, é possível fazer um ciclo de preparo de 10-15 semanas com um longão em todo final de semana e para uma prova seguinte seguir a mesma estrutura de volume semanal e treinos de alta intensidade, porém realizando o longo a cada duas semanas apenas, redistribuindo o volume nos demais dias da semana. Correr menos nos longos pode significar uma melhor qualidade nas demais sessões e levar a um melhor resultado na maratona.

Gordura X Glicogênio
O organismo possui uma capacidade limitada de estocar o glicogênio (essencialmente a maneira como carboidratos são guardados nos músculos e no fígado), que durante o exercício é utilizado para abastecer os músculos e, assim, manter os níveis sanguíneos de glicose, uma função vital para o funcionamento do organismo.
Acredita-se que o corpo humano "sinta" de forma antecipada a depleção do glicogênio muscular, e que este seja um dos principais fatores responsáveis pela sensação do "muro", que as pessoas dizem enfrentar entre os quilômetros 27-35 de uma maratona, quando correm em um ritmo além daquele para o qual estão preparados (pois mais velocidade implica em maior queima de carboidratos).
Para aumentar a capacidade de estoque de glicogênio sem realizar os longões, é possível correr em jejum pela manhã ou treinar em dois dias consecutivos sem fazer reposição de carboidratos, entre um e outro. Além disso, outras opções são a suplementação de carboidratos durante o exercício, o chamado "carboloading" – em que um atleta tenta maximizar seus estoques de glicogênio na semana anterior à maratona – ou ainda dietas pobres em carboidratos. Apesar do aparente contrassenso desta última, o argumento é que dietas deste tipo forçam o organismo a utilizar predominantemente gordura durante a prova, preservando assim o glicogênio para manutenção da glicose sanguínea.

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