Notícias admin 24 de maio de 2016 (0) (102)

Quando a rotina é a falta de rotina

Você certamente já ouviu a frase "treino bom é treino feito". Se você tem uma rotina bem definida, com horários estabelecidos para o trabalho, a família e os treinos, este ditado pode soar como uma mera desculpa para burlar a planilha ou trocar aquele longão por um treino rápido. Mas se você é daqueles que não tem um horário certo para treinar ou horário disponível para um treino no dia programado para ele, vale a pena se agarrar ao ditado para continuar correndo e buscando, por mais difícil que seja, melhorar sua performance.
Não raro encontrarmos alguém que hoje trabalha à noite, amanhã de dia ou que enfrente uma jornada de 24 horas seguidas de trabalho. Um dia tem que treinar à noite, no outro dia pela manhã ou mesmo na hora do almoço. Em muitos casos, por conta da rotina profissional, o corredor mantém um intervalo irregular entre um treino e outro. Doze horas, 24 horas e até mesmo 36 horas. Outros muitas vezes privam-se do sono ou pulam refeições para não perder o treino. Até que ponto esta rotina irregular de treinos pode fazer mal ao organismo do atleta?
Segundo o médico do esporte João Felipe Franca, a prática da corrida ou qualquer outra atividade esportiva em horários variados não é ruim para a saúde. O que pode trazer problemas ao indivíduo é o que está relacionado a isso, especialmente quando se trata de corrida: privação do sono, ingestão calórica e descanso insuficientes. "A disposição para cada treino também pode variar, por conta da alternância de horário. A curto prazo, essa falta de rotina e variação no ânimo podem levar à privação do sono, baixa imunidade e queda de performance. Em alguns casos o indivíduo pode até radicalizar e virar um sedentário", afirma o médico.

CICLO CIRCADIANO. Doutor em fisiologia do exercício e pesquisador da Faculdade de Medicina da USP, Gerson Leite trabalha com atletas amadores e de alto rendimento. Ele lembra que o organismo tem sua própria rotina, conhecida como Ciclo Circadiano, que determina nossa hora de despertar, de dormir, de se alimentar e também o período de melhor rendimento físico e mental.
"Muitos são matutinos, outros vespertinos e outros noturnos, mas a maioria das pessoas é matutina. Contudo, a vida moderna, nossa rotina de compromissos e interesses nos levam a variar muito o horário dos treinos e isso pode ser prejudicial, quando não se respeita um tempo mínimo de recuperação necessário para outro treino. Quanto melhor for sua rotina de treinos com horários pré-definidos e os intervalos de recuperação ajustados, melhor será sua adaptação".
Em curto prazo, a irregularidade de intervalos e descanso entre um treino e outro pode provocar uma grande sensação de cansaço. Pernas e braços parecem mais pesados e o corredor tem a sensação de que eles não estão funcionando bem. Em médio e longo prazo, segundo Gerson Leite, os efeitos também são ruins para quem tem o desejo de melhorar a performance.
"Em médio prazo a adaptação programada para o mesociclo – um a dois meses de treinamento geralmente – pode ficar prejudicada e interferir na curva de adaptação dos próximos meses. A musculatura também sofre com a falta de rotina nos treinos, fazendo com que o atleta treine em velocidades menores da programada para aquele dia, o que contribui para a perda de rendimento. A principal forma de amenizar tudo isso, no caso de quem treina por planilha, é deixar o treinador a par dos horários disponíveis, por mais malucos que eles sejam".

TREINOS-CHAVE. O preparador Júnior Cordella, do Rio de Janeiro, procura obter do aluno todas as informações sobre sua rotina ou sobre a falta dela. Para ele, a maior dificuldade está na ausência de uma rotina de horários para os treinos. Em casos assim, segundo ele, é preciso saber ao certo alguns horários livres para encaixar os treinos-chave da planilha.
"Planejamos os principais treinos baseando-se nisso. É normal vermos atletas modificando a planilha, ao imaginar, por exemplo, que por ter pouca disponibilidade em uma determinada semana, os treinos deveriam ser todos intensos, o que vai acabar dificultando e prejudicando a sua recuperação. Então, sempre que tenho orientandos em constante alteração de rotina, costumo pedir que eles entrem em contato para comunicar ou pedir sugestão para uma modificação repentina no trabalho físico previsto para o dia. Isso contribui para que ele não coloque dois treinos intensos na sequência, sem a devida recuperação".
Quando o período entre dois treinos for um pouco maior e o atleta tiver algum tempo livre, treinar duas vezes em um mesmo dia pode ser boa alternativa. O treinador Regys Louzada, também do Rio, acredita que a maior dificuldade em casos assim é a periodização precisa de volume e intensidade dos treinos, já que o intervalo entre as sessões pode ser curto ou prolongado. "Tudo vai depender da disponibilidade do corredor. O ideal é adaptar os treinos às outras atividades da pessoa, mesmo que em alguns dias ele tenha que treinar em dois períodos, respeitando-se sempre o nível de condicionamento de cada um".

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